Amar é poder ser amado

Henrique da Costa Ferreira, presidente da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Bragança-Miranda

As leituras da missa de hoje (domingo, 05-09-2021) sugerem o direito de todos, todas e tods à realização pessoal, profissional, social, cultural e política, seja qual for a condição familiar, social, económica, cultural, religiosa, étnica e política de cada um(a). A partir de agora, passarei a usar o masculino para incluir os três géneros.

Particularmente a epístola do Apóstolo Santiago constitui um apelo à aceitação, acolhimento e integração de todos, sejam iguais ou diferentes, sejam mais pobres ou com maior estatuto sócio-económico.

A mensagem das três leituras é um discurso do dever-ser que deve ser entendido como um imperativo categórico: a igualdade de direitos e de deveres pode ser modalizada para a sua concretização absoluta, a nível individual e social, mas não pode ser discutida nos seus fundamentos.

Estes fundamentos são constituídos pela igual condição da natureza humana perante Deus (todos os homens nascem livres e iguais), à nascença, nasça-se português ou indiano, afegão ou francês. Porém, as sociedades – todas elas – encarregaram-se de estabelecer uma hierarquia de estatutos correspondentes a determinados valores e bens, escalonados em função dos interesses da casta que domina o Poder, na sociedade e no Estado. Repare-se que essa hierarquia, mesmo nas democracias económicas e sociais, não é estabelecida em função de um ideal de sociedade mas em função dos interesses dos mais poderosos e influentes, mesmo quando já existe um sistema político e ético-normativo plasmado em constituições democráticas. Concederemos apenas que estas suavizam o exercício do poder de controlo social pelos mais poderosos e influentes.

Se vivêssemos numa sociedade de santos, não teríamos estes problemas, como sugeriu Rousseau em Contrato Social pois todos os homens viveriam, à partida, numa sociedade perfeita. O problema é que as sociedades humanas são tão constituídas por santos e por «abéis» como por diabos e por «caims». A teoria do bom selvagem, de Rousseau e Itard, não tem validade empírica porque nunca ninguém viu uma sociedade nem perfeita nem aproximadamente perfeita. Temos apenas sociedades, umas mais perfeitas do que outras.

E em que consistirá a maior perfeição de umas em relação às outras? Consiste na abertura e na possibilidade de todos os indivíduos chegarem aos estatutos mais altos da hierarquia social mediante trabalho, mérito, organização e inteligência em detrimento da origem familiar, do estrato social de origem e de fatores espúrios como cunhas, amizades e oportunismos de vária ordem como vírgulas burocráticas e leis universais com um só destinatário.

Além deste princípio, as sociedades mais perfeitas aceitam e acolhem os diferentes, os deserdados da fortuna e da sorte, os refugiados. Acolhem-nos, educam-nos e induzem-nos no sistema de procura e de luta pela integração no mercado do trabalho e de realização pessoal e social. Estas sociedades não diferenciam nem modalizam direitos, apenas vinculam estes ao cumprimento de deveres. As palavras da Declaração Universal dos Direitos do Homem, repetidas sistematicamente pelo Papa Francisco – «Todos somos iguais em direitos e deveres» são o mote para uma sociedade pacífica e inclusora de todos.

E o que faremos com os que não podem ainda cumprir deveres? Preparamo-los para os cumprir mediante apoio económico-social, educação, formação e iniciação ao mercado do trabalho e da iniciativa individual.

É evidente que cada país não pode acolher acima das suas possibilidades económicas e sociais mas não pode ficar indiferente a situações de fome, de sede e de condições mínimas de sobrevivência. Matar a fome e a sede e curar as feridas são a mensagem «imperativo categórico» da metáfora do Bom Samaritano. Depois, iniciar-se-á o processo de educação/reeducação e inclusão económica, social e política.

Todos poderemos, um dia, cair numa situação de desgraça. Temos todos o dever de lutar para que nunca caiamos nela fomentando o sacrossanto princípio da reciprocidade (Imanuel Kant) pelo qual fazemos ao outro o que gostaríamos que ele nos fizesse a nós se estivéssemos na situação dele. Depois, estaremos atentos e censuraremos e reprimiremos desvios.

Olhando à nossa volta, afinal, a nossa sociedade não é assim tão imperfeita! Mas já custou muito atingirmos este estado de (im)perfeição. Por isso, convém não o desperdiçar.

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