Ainda sabemos conversar?

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Quanto tempo consegue uma pessoa manter uma conversa sem tirar o olhos do outro para, por exemplo, ver que horas são no telemóvel apesar de usar relógio no pulso? Tudo depende dos primeiros 7 minutos de conversa.

O debate que começa a surgir em relação à maior ou menor capacidade para entrarmos numa conversa face-a-face tem-se desenvolvido muito nos Estados Unidos, sobretudo entre os jovens, uma vez que estes tiveram acesso aos smartphones com maior facilidade mais cedo. De tal modo que inventaram esta regra dos 7 minutos, isto é, o tempo necessário que temos de esperar para perceber se a conversa será interessante, ou desiste-se e pega-se no telemóvel.

«Se quiseres ter conversas a sério tens de estar disposto a meter tudo naqueles sete minutos.» (conclusão de Sherry Turkle em “Reclaiming Conversation”)

Se notarmos bem, estamos cada vez mais permissivos ao uso do telemóvel durante uma conversa com alguém. Imaginamos que outro quer ver as horas, ou que sentiu uma vibração no bolso quando nada sentiu. Este último caso é estudado pela psicologia como o síndrome da vibração fantasma cujo efeito é proporcional ao grau de reacção emocional à recepção de mensagens, ou grau de dependência das mesmas. Sem nos apercebermos estamos a mudar, mas queremos?

Quando desviamos o nosso olhar da pessoa que temos diante de nós e pegamos no telemóvel, voltamos o nosso olhar para as pessoas conectadas a nós pelo telemóvel. A consequência é a de tornar as conversas que temos mais leves, superficiais e acabamos por estar menos conectados uns aos outros através do face-a-face. E aqui surge um paradoxo.

Quando estamos longe dos outros ficamos hipervigilantes através da consulta frequente do telemóvel. Mas quando estamos perto dos outros, juntos a conversar, ficamos desatentos.

O problema não está na tecnologia que temos, mas no uso que lhe damos. Com as novas tecnologias, a adesão começa com a justificação de serem um suplemento a coisas que fazemos na nossa vida, melhorando-as. Mas, com o passar do tempo, verificamos que o suplemento passou a ser o estilo de vida. As mensagens de texto recebidas quando estamos num almoço, jantar, reunião, encontro não pretendiam interromper esses momentos, mas a excepção está a tornar a norma.

O ser humano possui uma capacidade que o distingue no mundo natural como nenhuma outra espécie: a empatia. Daí que as crianças olhem atentas para os adultos, para o modo como falam, os gestos que fazem, os detalhes mais impensados do seu comportamento, e o que vêem hoje? Adultos que vivem para as distracções impostas pelo pequeno ecrã diante deles. A investigação tem demonstrado cada vez mais e melhor como estar-sempre-online tem degradado a nossa capacidade para a empatia. No caso dos estudantes universitários, essa diminuição foi quantificada em 40%!

Estamos a deixar que a cultura mude os momentos mais íntimos e de maior crescimento para o ser humano como as simples conversas.

As conversas levam-nos a tomar contacto com a nossa vulnerabilidade. Não podem ser editadas. Quando pensávamos que as tecnologias iriam afectar apenas o que fazemos, damo-nos conta que estão a afectar, também, quem somos, sobretudo na capacidade para a empatia.

A capacidade para a empatia não começa com – ”sei o que sentes”, – mas reconhece no face-a-face que não conseguimos imaginar o que o outro sente e, por isso, dizemos – ”diz-me como te sentes.”

O antigo arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, diz que no desenvolvimento da capacidade para a empatia aprendemos «um tipo mais exigente de atenção. Aprendemos a paciência e uma nova capacidade e hábito de perspectiva.» O desconhecimento que temos do outro que está na raiz de uma simples conversa, pode tornar-se o despertar da compreensão de que talvez não saibamos muito sobre nós próprios. Daí que no relacionamento com o outro, face-a-face, sem interrupções e por mais de 7 minutos, se possam abrir novas perspectivas.

Um bom propósito para 2020? Melhorar as nossa conversas.

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