Manuel Porto, da Comissão Coordenadora Nacional das Semanas Sociais, pede empreendedorismo contra a crise Agência Ecclesia – Que contributo é possível retomar da Semana Social de Braga (onde se debateu o tema “uma sociedade criadora de emprego) para o momento presente? Manuel Porto – O contributo da Semana Social é actualíssimo, mas retomo o foco nos papeis insubstituíveis do Estado e da sociedade civil, designadamente das pessoas individuais e das famílias. Está provado que tem de existir um Estado que seja regulador, que não impeça a iniciativa privada nem a sua expansão, mas que imponha regras. Deve ter uma função nobre e de grande exigência no estabelecimento de regras, na promoção e na dinamização de uma regulação pela positiva. A grande mensagem da Semana Social de Braga cai sobre o papel insubstituível da sociedade civil, a começar pela família. Cada vez mais uma sociedade se torna rica se contar com a participação de todos os seus agentes. O contributo de todos tem um benefício social enorme, por um lado e por outro realiza pessoalmente as pessoas. Quando se trata de uma iniciativa pessoal, uma pequena fábrica, uma exploração agrícola, um quiosque ou uma obra de apoio social, corresponde, para além do interesse social a uma forma de realização pessoal. AE – Em que áreas Portugal deve investir na criação de emprego, diante da concorrência global, sobretudo dos países que mais recentemente chegaram à UE que têm mão de obra mais barata e mais qualificada? MP –O emprego resulta de iniciativas quer do Estado quer da sociedade civil. É notória a importância de as grandes empresas ficarem em Portugal, mas para que elas fiquem e para que possamos competir com outros países, precisamos de uma marca pessoal que acaba por ser identificadora e concorrencial com os demais. Um exemplo: cada vez mais se dará valor à agricultura em tempo parcial. O futuro não serão as grandes explorações, mas as de pessoas que têm empregos e plantam em pequenas quantidades. Isto tem um valor enorme. Num estudo que promovi, há mais de 19 anos, percebíamos que essas explorações em tempo parcial são detentoras de maior inovação, investimento e competitividade. Resulta num enorme valor sem custos sociais, onde a pessoa se realiza sendo também um factor de maior dinamização e processos mais evoluídos do que nas indústrias tradicionais. AE – Mas essa marca pessoal será forte o suficiente para construir uma posição numa altura de crise global? MP – Todos os contributos são necessários. Eu acredito que o Estado tem de intervir, fazer obras, melhorar as acessibilidades. Estas obras são obrigação do Estado, ou directamente ou em parcerias. Mas nada substituiu nada. Tudo o que surge enquanto iniciativa é bem vindo, seja no campo agrícola, industrial ou de serviços. O terceiro sector talvez seja a área onde um particular melhor poderá tomar uma iniciativa. AE – Nomeadamente em que área? MP –No turismo, por exemplo. Depende é da imaginação e da formação que cada pessoa tem. De acordo com a história pessoal e com os factores que lhe são próximos, cada pessoa deve tomar essa iniciativa. AE – Portanto, é possível criar novos postos de trabalho? Desde que haja criatividade. MP –Não vejo outra forma para isso. Recentemente foi elaborado um trabalho sobre a importância do terceiro sector. A força de uma sociedade está nesta variedade. Os EUA, por exemplo, são uma sociedade que está também em crise, mas onde as pessoas têm iniciativa, onde circulam e não se restringem a um único meio. Actualmente não há regras para resolver tudo, nem nada que permita excluir. A conjugação de todos os esforços, nos mais variados sectores, é a resposta. AE – Mas a sociedade civil portuguesa tem um déficit de activismo. Havendo muitas associações portuguesas, os protagonistas repetem-se, logo não há dinamismo. MP – Sou claramente a favor da regionalização. Penso que com a crise devemos sim investir na descentralização. O Estado centralizado tem uma despesa pública maior do que o descentralizado. Não quer dizer que as pessoas dos meios pequenos estejam melhor que os dos meios grandes ou vice-versa, mas para algumas iniciativas é melhor estar num meio pequeno do que num grande. Uma família que trabalhe e tenha uma exploração agrícola em tempo parcial, com um ordenado eventualmente mais pequeno, acaba por ter um ganho real maior, porque podem ser pessoas que não pagam casa porque têm casa própria, não gastam em deslocações e não compram tudo no supermercado. Portugal, neste aspecto, tem um grande déficit. Foi apostando nos grandes centros, não se promoveu a nível regional e estamos a sofrer com isso. Ao contrário, os países mais competitivos da Europa, Alemanha, Holanda e Suíça, são países pequenos mas com grande dinâmica. As novas tecnologias vieram diminuir o custo do afastamento. É equivalente estar num local de uma grande cidade ou numa pequena localidade. O tempo de transmissão é o mesmo. As novas tecnologias permitem um modelo onde não existe prejuízo económico, mas ganho, nem limitação em termos pessoais de cada cidadão. AE – É uma fatalidade, para Portugal, ter de assistir ao encerrar de portas de muitas empresas e de ver postos de trabalho a diminuirem progressivamente? MP – Sou um optimista. A crise financeira é de facto uma vergonha, mas a economia real não terá mudado. Quem comprava roupa ou sapatos há um ano, fazia-o porque precisava deles, não para os colocar na prateleira. A recessão que presenciamos não pode continuar. A crise financeira determinou esta quebra nas compras, mas a economia real não pode ter diminuído. As pessoas não passaram a precisar menos das coisas. Tenho a esperança que este quadro se altere, porque de facto a necessidade dos bens essenciais continua actual. AE – Mas há uma demagogia quando se fala na crise ou os portugueses reviram as suas necessidades? MP – A quebra resultou da falta de apoio financeiro, porque as necessidades mantêm-se. A procura vai voltar aos padrões normais de compra e esta procura vai reanimar a economia. AE – Como é que se volta a atingir esses padrões normais de compra? MP – Todas as medidas do governo que ajudem a estimular a compra são boas. Se se cria o pânico, as pessoas guardam o dinheiro em casa, em vez de o gastar. Mas se estiverem convencidas que este cenário é passageiro, voltam a gastar, repito, de acordo com as suas necessidades normais – comer, vestir, deslocar. AE – Serão as ciências da economia incapazes de solucionar os problemas crescentes? Terão de incluir a perspectiva ética? MP – Sim. A pessoa tem de sentir responsabilidade na ajuda aos outros. O que defendemos, inclusivamente na Semana Social de Braga, é que se alguém tem a possibilidade de criar um emprego que seja, tem a obrigação de o criar. Esta é uma obrigação moral. É a soma da satisfação moral e social com a satisfação pessoal de a pessoa ter obra feita. AE – Se o mercado e a própria sociedade percebessem a introdução de uma perspectiva ética, esta confiança iria ressurgir? MP – Acredito que sim. É um imperativo moral ético a pessoa não ser pessimista, mas ter ânimo e lutar contra a crise. Cumprindo um dever ético está a fazer alguma coisa realizando-se enquanto cidadão e respondendo ao desejos do seu semelhante. Estar em casa, com pessimismo e a carpir mágoas não resolve o problema de ninguém, assim como reivindicar coisas irrealistas também não cria empregos. Dou um valor enorme ao empreendedorismo. Tomar uma iniciativa também tem riscos, mas é uma obrigação ética que tem de ser cumprida. AE – Esta ética é extensível também a empregadores, não só a trabalhadores? MP – Claro. A ética tem de estar sempre presente, nos comportamentos e nas empresas. Mas quem emprega é porque tem uma mais-valia com isto. Se o empregador está a despedir, é porque não tem ganho. O sucesso das empresas, é fruto, não poucas vezes, do bom relacionamento com os seus empregados e da compreensão mútua. Seja de que tamanho for a empresa. AE – É possível prometer postos de trabalho? MP – Melhor que prometer é criá-los. E os empregos criam-se quando há motivação para os criar. Prometer é pouco, porque uma coisa é o desejo outra é verificar-se de facto. Interessa criar as condições, mas tem de ser algo assumido pela sociedade no seu todo. Não se pode ficar à espera que o Estado crie tudo. Há funções sociais que lhe cabem e de facto, o Estado faz falta, desde que seja complementar e regulador e não trave a iniciativa privada. AE – As políticas actuais para o sector estarão desajustadas? MP – Poderei concordar com algumas, outras não. Não era possível imaginar este período há meio ano. Mas não acredito que esta tendência continue negativamente durante muito tempo. AE – Inimaginável apesar dos alertas? MP – Naturalmente agora muitas vozes dizem que já tinham alertado. Não se percebeu, não se tinha noção real, nem se pensava chegar a esta proporções. Esta atitude, aliás, não resolve os problemas. Actualmente sim, percebe-se que é comparável, infelizmente, com a grande depressão de 1929. Mas a culpa não é da economia real. Houve produtos imaginativos e castelos no ar. Acho inaceitável que isso não tenha sido detectado e evitado. E agora, estamos a ter consequências disso, em especial, para algumas pessoas que trabalham e para os desempregados que não têm culpa nenhuma. AE – O que diria a um desempregado? MP – Que seja empreendedor, nem que seja em coisas modestas. Quem toma uma iniciativa, corre riscos e sofre. Não é uma vida sossegada, é mais fácil não ser empreendedor. Mas quem correr riscos tem de ter o apreço dos cidadãos. Perante a angústia de quem está na miséria, tenho um apreço grande por quem toma iniciativa. AE – Deve-se acabar com o discurso do «coitadinho» que afirma não haver fim da crise? MP – Tem de haver fim porque a vida continua e as pessoas continuam a precisar dos serviços e dos bens.