Açores. Religiosidade e Território

Francisco Maduro Dias

A religiosidade nos Açores é algo que tem a ver com o Mundo como ele é: feito de mar – muito mar –, terra – alguma –, vento, sol, chuva, vulcões e tempestades.
A alquimia não é aqui apenas um conceito dos clássicos antigos ou medievais. Entre o mar e o ar, o fogo e a terra, só o Espírito faltaria e não faltou, não tem faltado, desde que os humanos, de cultura portuguesa, sobretudo, se decidiram a habitar esta zona do Oceano Atlântico, com os pés sobre o seco das ilhas mas os olhos mergulhados na imensidão, muitas vezes bem pouco azul mas sempre profunda, do mar enorme e salgado.
A religiosidade nestas ilhas é feita de muitos santos padroeiros e fé ancorada em muitas igrejas ou capelas espalhadas na paisagem mas, quando chega o fim da primavera e o início do verão, esse Espírito a que chamamos, com carinho respeitoso, o Senhor Espírito Santo, penetra todas elas e faz explodir, desde Santa Maria ao Corvo, um enorme festival em que o “dar”, o “dar esmolas em louvor do Senhor Espírito Santo” é a trave mestra e o mote. 
É errada a ideia que temos do arquipélago dos Açores. São seiscentos quilómetros entre Santa Maria, a sul, e a menos de duas horas de viagem de avião de Lisboa, e o Corvo, já apenas a quatro horas de voo da Terra Nova, no Canadá.
Na realidade, se colocássemos os Açores sobre o Continente português, a ilha mais a sul ficaria sobre Faro, mas a ilha mais a norte teria de ser colocada nos arredores de Santiago de Compostela.
Interessa dizer isso não para a vanglória do tamanho, mas para se perceber que os Açores não serão nunca “um lugar” e sim, sempre, vários e diversos lugares, com avantajadas distâncias de permeio, forçando quem aqui vive a outra compreensão do Planeta e do universo. 
Olhando em volta torna-se claro porque é que a religiosidade teria de ser diferente num território como os Açores. Enquanto que, num continente qualquer, a praia é um limite e o mar não conta para nada, a não ser de verão, podendo uma pessoa viver toda a vida sem precisar dele, nas ilhas, nestas ilhas, o mar liga terras e é como que o espaço de união onde tudo o resto se encaixa. 
A ideia que se tem de Deus acaba por ter de ser muito outra. As montanhas grandes e temíveis do mar encapelado, o Sol resplandecente do ocaso, em dias de junho ou setembro apontam uma dimensão diferente. O vento é mesmo rijo e sopra e um terramoto reduz tudo e todos à condição mínima de seres sobreviventes e amedrontados. 
Um Deus criador de tudo isto teria de ser mesmo forte, poderoso, omnipotente, o Deus de que se fala na Bíblia ao longo do Antigo Testamento, o poderoso Deus do vento, do trovão, do fogo, do dilúvio, que aparece, de forma bem clara e palpável, por estas ilhas abaixo, seja na majestade serena e distante das paisagens abertas até além do horizonte, seja na força desamarrada de uma qualquer tempestade de inverno. Deus tremendo, esse!
O Deus de amor entrou, porém e a par, pela mão dos franciscanos, senhores das escolas de primeiras letras por todo o arquipélago durante os primeiros três séculos de povoamento e portadores de uma forma de ver que terá influenciado muito a ternura que se pressente na paisagem. 
As pedras reunidas e organizadas em cerrados, os delicados desenhos de aproveitamento agrícola e pastoril, a sabedoria dos enquadramentos do casario, debruando terras e marcando caminhos, dão testemunho, segundo muitos, do olhar pacífico e amoroso espalhado pelos treze conventos dos discípulos do “poverello” de Assis.
O Deus do Novo Testamento entrou também estas ilhas, pelo que aqui se vê. 
Entrou e ficou, sob a forma da Terceira Pessoa da Trindade, esse Divino Espírito que, todos os anos, as pessoas insistem em celebrar e trazer para o convívio humano.

Francisco Maduro Dias

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