Acção Católica, 75 anos, bodas de diamante

D. António Marcelino, Bispo emérito de Aveiro

75 anos, tempo suficiente para apreciar e continuar a lapidar este “diamante” em tempo jubilar, a Acção Católica Portuguesa. Tempo, também, para apreciar e agradecer o trabalho apostólico realizado nos diversos meios sociais, onde os seus organismos actuaram e actuam. Por fim, tempo para olhar o presente e antever caminhos do futuro.

A Acção Católica foi a grande escola que, ao longo dos anos, gerou cristãos militantes, acordou comunidades adormecidas e redimiu omissões pastorais graves. Pela sua metodologia, apoiada na revisão de vida à luz do Evangelho, proporcionou uma nova pedagogia de formação continuada e de acção encarnada; pela sua organização em grupos apostólicos e equipas de vida e de compromisso criou espaços de personalização e comunhão; pelo rosto eclesial que deu aos leigos, até ali, muitos deles enrolados nos serviços do templo e ausentes dos lugares onde se jogava a vida, despertou valores escondidos e acomodados; pelo abrir de horizontes de acção a uma Igreja muito fechada e enredada nos seus problemas, ela a puxou para os espaços da vida onde se joga a sorte das pessoas concretas e para uma sensibilização aos meios sociais, com problemas de sempre e dinamismos novos.  

Ninguém pode negar o trabalho, positivo e meritório, que, ao longo do tempo, realizam os organismos da AC em seus meios de vida e com sua metodologia de acção.

Foi nestes meios, com os seus desafios, que dirigentes e militantes viveram os maiores problemas, deram mais preocupações ao governo da Nação e à hierarquia da Igreja, se empenharam em projectos sociais mais determinantes e mostraram maior capacidade de resistência e de superação de dificuldades.

Como assistente da AC desde a minha juventude sacerdotal, posso testemunhar, a partir desta experiência, o valor e a importância determinante do laicado, a persistência corajosa dos organismos operários, a capacidade de mobilização dos diversos organismos, a disponibilidade de militantes adultos para responder ao apelo de novas iniciativas pastorais nas dioceses, com o aconteceu, em várias delas, com o lançamento dos cursilhos de cristandade, a atenção dada à vida concreta das pessoas e das populações. Vivi, com a AC, horas difíceis em momentos difíceis de conselhos e reuniões nacionais, que, por vezes, pareciam já antecipar o PREC. Com alguns exageros, que pareciam querer desvirtuar a especificidade do movimento, traduziam-se, em muitos casos, impaciências e revoltas, frente a problemas sociais e políticos que se agudizavam Já bispo, sofri, por dentro, ao ver como a Assembleia Plenária do episcopado, onde muitos bispos não tinham experiência de trabalho com a AC, se preparou para votar, como de facto aconteceu, por voto secreto, a suspensão da JOC, como movimento da AC. Uma página de dor que a história regista. Tempos depois, tudo voltou ao normal. É “preciso saber suportar as demoras de Deus”, que são as nossas demoras em entender e responder, evangelicamente, aos sinais, gritos e apelos, da sociedade e das pessoas.  

A AC, com as mudanças operadas na sociedade, o desmoronar dos meios sociais tradicionais e a explosão de novos movimentos laicais, tem de se reencontrar e repensar à luz de realidades sociais e eclesiais novas, para continuar com a proposta da sua originalidade, mormente pela prática da revisão de vida, a acção organizada e concreta, a abertura colaborante a outras instituições em campo, sempre que esteja em causa a luta pela justiça e dignidade das pessoas e pelos direitos humanos no seu todo, sem que com isso se desvirtue a sua identidade

Não deixando de actuar nos campos em aberto e de fronteira, como acontece com os organismos operários, na sociedade actual, marcada por forças corporativas e ideais economicistas, a AC deverá caminhar na implementação e revigoramento de associações profissionais, em que o espírito cristão, a premência do bem comum e o serviço aos outros, seja a regra que o Evangelho ilumina e estimula.

 

Continuar a lapidar o diamante nas comemorações jubilares, exige a convicção de que continua a ser diamante. Se nenhuma instituição da Igreja pode deixar de se avaliar periodicamente ante os desafios da realidade de um mundo em mudança e de uma Igreja serva, o discernimento lúcido dos sinais dos tempos, impõe-se também à AC.

Ela não sofre crise de morte. Mas não pode quedar-se a contemplar, nostálgica, os méritos do passado e a olhar, de modo crítico e desconfiado, os novos movimentos laicais, que o Espírito vai suscitando na Igreja. A sua capacidade de ser fermento vivo e activo é também serviço a prestar a quem vai chegando, para que não aconteça de novo que se encham os templos e fiquem a descoberto os campos vitais, onde o secularismo, com as suas muitas vertentes sociais, politicas e económicas, se sinta dono, único inspirador de projectos e condutor de pessoas.

A AC destruiu o fosso histórico e saltou o muro que separou, por longo tempo, a Igreja e o mundo. Ela é apta a estimular e tem algo de mestria, com que se possa aprender sempre.

António Marcelino, bispo de Aveiro (emérito)

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