A vida dos cartuxos num grande filme de sucesso

Bispo do Funchal destaca valor do silêncio e da meditação Apesar de atraídos pelos grandes eventos musicais e vibrações das multidões dos estádios, há milhares de jovens e menos jovens na Europa e no mundo que não desprezam o valor do silêncio e da meditação. A alma humana tem necessidade de encontrar-se consigo e com o Absoluto. Os jovens que passam uma semana em Taizé, afirmam que a coisa mais bela que descobriram foi o silêncio! «Para todas as culturas, é essencial o respeito por aquilo que para o outro é sagrado», diz o Cardeal Ratzinger. 1. Depois de Santo Antão e dos Padres do deserto do Egipto e da Síria, de São Bento e São Francisco, o inventor do «grande silêncio» na Europa ocidental, foi o cartuxo São Bruno. Coagido pela obediência a deixar a «Grande Charteuse» nos Alpes, para ajudar o Papa Urbano II, em Roma, seu antigo companheiro, escrevia numa carta aos seus irmãos: «Só os que experimentaram, podem compreender as íntimas alegrias que há na solidão do deserto. Aqui é que se pode penetrar no interior da alma, onde é possível viver com liberdade, cada um diante de si mesmo, desenvolver no coração os germes mais pequenos da virtude, recolher os frutos que asseguram os gozos do Paraíso». São Bruno nasceu em Colónia, na Alemanha, em 1032, e foi dos homens mais cultos e sábios do seu tempo. Estudou em Reims, Tours, Colónia, foi ordenado padre e cónego desta Catedral. O arcebispo de Reims chamou-o para lhe confiar o ensino no seu bispado. Os seus contemporâneos chamavam-lhe luz da Igreja, flor do clero, ornamento do seu tempo, fonte de doutrina, Doutor dos doutores, glória da Alemanha e da França. O bispo Hugo de Grenoble, seu antigo discípulo, teve uma visão. Viu sete estrelas a cair a seus pés, a levantarem-se e desaparecerem na montanha selvagem chamada «Charteuse». Deus preparava o bispo para receber os sete homens, conduzidos por Bruno, que lhe bateram à porta, abençoou-os e ajudou-os na erecção das ermidas na solidão e silêncio das montanhas geladas. Bruno, realizou a sua antiga vocação. A fama de santidade de Bruno percorreu toda a Europa, o Papa Urbano II chamou-o a Roma onde fundou uma Cartuxa, e querendo nomeá-lo bispo de Régio Calabria, Bruno deitou-se por terra e pediu-lhe para retirar-se à solidão. Abalou para o sul da Itália onde funda nova Cartuxa, e passou os últimos anos orando, fazendo penitência e comentando o livro dos Salmos e as cartas de São Paulo. S. Bruno, morreu a 6 de Novembro de 1101 e os seus discípulos espalharam-se por todo o mundo, vivendo em quase absoluto silêncio, em vigílias, orações e conversação incessante com Deus. Foi um desafio ao ruído e à cidade e um amor constante ao silêncio da montanha e encontro com Deus. Quem puder entender que entenda! A presença do sagrado 2 – Apesar de atraídos pelos grandes eventos musicais e vibrações das multidões dos estádios, há milhares de jovens e menos jovens na Europa e no mundo que não desprezam o valor do silêncio e da meditação. A alma humana tem necessidade de encontrar-se consigo e com o Absoluto. Os jovens que passam uma semana em Taizé, afirmam que a coisa mais bela que descobriram foi o silêncio! Os mosteiros e abadias na Europa abrem as suas portas a muitas pessoas, mesmo descrentes, que escolhem tempos de silêncio e meditação. A espiritualidade da Quaresma aconselha tempos de retiro, meditação e silêncio para a alma se encontrar com Deus, curar-se, arrepender-se e receber o dom do perdão. O homem do nosso tempo, apesar da forte secularização e falta de respeito pelos símbolos de todas as religiões, sente a presença do sagrado, necessita dela e interroga-se quando descobre sinais fortes do sobrenatural para os quais não tem explicação. «Die Grossastille», um filme inquietante 3 – Tornou-se um grande sucesso na Alemanha, neste tempo de Quaresma, um filme sobre a vida dos Cartuxos na «Grande Charteuse», fundado por São Bruno, nos Alpes. Os críticos interrogam-se e ficam perplexos pela grande aceitação do público, porque o filme é completamente diverso e não possui os ingredientes que atraem multidões. É uma obra fora de moda e do estilo de vida dos europeus. Um realizador alemão pediu à «Grande Charteuse» licença para filmar a vida dos religiosos. Foi-lhes comunicado para esperar 15 anos. Ao chegar o 16º, recebeu finalmente a resposta que autorizava a filmagem, mas com várias condições: não usar luz artificial, nem música de fundo, nem comentários. Apesar de tanta reserva o director aceitou. Viveu numa cela como os monges, participou na vida comunitária, de noite dormia três horas de cada vez como os cartuxos, levantava-se ao meio da noite para o canto do ofício com a comunidade. Durante quatro meses viveu na Cartuxa como monge, sem perturbar a paz nem a comunidade. O filme mostra a vida dos cartuxos no seu dia a dia, na cozinha, na sapataria, nos trabalhos e na oração da noite invernal dirigindo-se à capela, como no século XI, no tempo do seu fundador. Para os rigores do Inverno na montanha gelada cada monge tem apenas um fogareiro no seu quarto individual, onde vive e trabalha isolado. Os cartuxos só se reúnem para a Eucaristia e Ofício divino e uma vez por semana para o capítulo e um pequeno passeio. Só nesta ocasião podem falar. No filme só se ouve o toque dos sinos, a música litúrgica, o ranger das portas ao abrir-se ou fechar-se, os passos nos claustros, o soprar do vento… Para os que interrogaram, entusiasmados ou perplexos, o director do filme, este replicou: «Eles vivem assim porque optaram ficar perto de Deus… O público enche os cinemas e durante três horas penetra num mundo que está em completa oposição com o seu dia a dia e com a qualidade de vida apregoada pela propaganda comercial. Na Internet apareceu um «trailer» do filme, além de outras informações em inglês e alemão. Quem tem coração para compreender compreenda. Para além das realidades quotidianas, há um cenário definitivo, o da felicidade eterna, ou então o do afastamento da visão de Deus. Faz bem, num tempo em que as imagens e filmes denigrem o sagrado e ofendem os seus símbolos, sentir outras vozes que saboreiam a música do silêncio. O Cardeal Ratzinger escreveu num dos seus livros: «Para todas as culturas, é essencial o respeito por aquilo que para o outro é sagrado». Há valores que não morrem nem envelhecem mesmo que não sejam aceites ou ridicularizados pelos que não conhecem o Dom de Deus. Funchal, 02 de Abril de 2006 † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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