Padre José Manuel Pereira de Almeida escreve sobre a recente Carta do Papa Francisco ao Povo de Deus a respeito das “vítimas de todo o tipo de abuso”
Este texto do Papa Francisco é muito difícil de ler.
Não porque tenha uma linguagem complicada ou se distancie do estilo a que nos habitou. Nem é que seja extenso, como alguns dos seus documentos.
Esta sua Carta é muito difícil de ler porque nos dói ler o que nos diz sobre crimes horríveis de que talvez já tivéssemos ouvido falar, mas ao longe. Muito por alto. Coisas que nem queríamos acreditar que acontecessem.
Nesta Carta, o Papa Francisco diz-nos que este assunto é connosco. Não podemos mais encolher os ombros, dizer que não tínhamos ideia…
Este assunto diz respeito a todoo Povo a Deus. Implica as comunidades. Interpela cada um dos batizados, nas circunstâncias em que se encontra, na situação de vida que é a sua. Não é uma carta aos Bispos. Ou ao Clero. Esta Carta é também para si.
O Papa apela a que vivamos a solidariedade no «sentido mais profundo e desafiador»: que «as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor»; «que, por nossa vez, denunciemos tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa»; «que exige a luta contra todas as formas de corrupção».
Esta Carta é para levar a sério, por muito que nos custe. Com humildade e esperança.
A “tolerância zero” depende também de si.
Claro que neste difícil e complexo cenário, a questão dos abusos sexuais, dos abusos de poder e dos abusos de confiança não dependem sóde si. Não dependem de si de uma forma absoluta. Mas naquilo em que de si dependem, dependem absolutamente.
Por isso, estas breves linhas são, afinal, um apelo: respondamos com honestidade ao apelo do Papa Francisco.
Que estes crimes nunca mais sejam encobertos!
Digamos “não” ao clericalismo para dizermos “não” a estas formas de abuso.
Não chega pedir perdão.
Temos de viver de modo diferente. Em que a nossa consciente liberdade se torne responsabilidadepela vida dos outros.
Construamos um futuro de relações humanas. Verdadeiramente humanas. Caminhemos com Jesus e como Jesus sobre a terra.
Padre José Manuel Pereira de Almeida
Diretor do Secretariado Nacional de Pastoral Social