Octávio Carmo
A história ensina-nos que a dor é uma marca constante do ser em humanidade. Admito que se chegue a um ponto da existência em que o futuro pareça insuportável, perante o peso de tudo o que se perdeu. A minha confiança na pessoa, ainda assim, leva-me a acreditar na capacidade de uma reinvenção permanente do sentido – necessariamente pessoal e coletiva, recriando até o olhar sobre o que já passou.
Admito ainda que para muitos a vida não tenha um propósito para lá deste ‘sem-sentido’ em que a natureza nos reduz a uma terrível insignificância, na sua arbitrariedade. O sofrimento, a doença que atinge sem olhar a quem, amplificam esse sentimento, até porque, talvez por uma questão cultural, vemos a dor como um castigo, uma perda do estado original de perfeição…
A resposta da sociedade não pode, nunca, passar por esvaziar de sentido este sofrimento – que deve ser sempre paliado, acompanhado. Muitos, perto ou longe de nós, esperam por uma qualquer brecha para que a vida se faça sentir, para que, mesmo por entre as ruínas, a luz entre… desde que a deixemos brilhar.
Como vimos com a trágica crise dos últimos anos, acima da dignidade humana têm estado valores económicos, jogos políticos e interesses partidários. Mas a vida nunca é relativa.
A este respeito, recordo as perguntas que surgem no primeiro livro da Bíblia, o Génesis, que me parecem fundadoras da ética ocidental: “Onde está o teu irmão?” e “Que [lhe] fizeste?”. “Não sei” ou “nada” não são respostas aceitáveis e servem apenas para esconder o ato que verdadeiramente derruba as fundações do grande edifício civilizacional em que vivemos: não suportei a sua existência.