A proximidade de Deus com o Homem, sentido da missão da Igreja

Há alguns anos, num encontro internacional, cada um dos participantes era convidado a assinalar a sua proveniência geográfica colocando uma bandeira, a qual não tinha nada a ver com a nacionalidade dos participantes, num mapa-mundi. Dentro do espectro possível e disponível de cores, cada participante identificava-se com uma cidade e uma cor através de uma simples bandeirinha. A observação da escolha das cores por parte de cada um dos participantes e das respectivas proveniências poderia levar-nos bastante longe, contudo gostaria apenas de assinalar um desvio da normalidade para lançar algumas pistas de reflexão. Um dos participantes, natural de Los Angeles, nos Estados Unidos da América, sentiu a necessidade de acrescentar a expressão “a state of mind” junto da bandeira que assinalava a sua proveniência. Independemente do juízo de valor que possamos formular àcerca do indivíduo e da sua nacionalidade, o efeito foi o de conseguir tornar-se próximo, através da sua originalidade, de todos os participantes daquele encontro. Mais do que ficarmos pelo exótico do “fait-divers”, vale a pena olhar para a exigência da missão da Igreja no mundo contemporâneo na perspectiva da proximidade entre Deus e o Homem. Tal perspectiva permite-nos assumir, em termos de atitude, desafios e uma identidade cujo horizonte de realização é sempre o de dar corporeidade ao desejo de amor de Deus por todo o Homem. Num tempo e numa sociedade marcados pela tribalização dos comportamentos e das pertenças, sem deixar de ter presente que a dimensão comunitária desta realidade tribal se traduz por uma afirmação de identidades múltiplas (1), a Igreja vive o desafio de não se deixar confundir com mais uma tribo entre outras. Há, por vezes, a tentação de olhar a Igreja identificando-a com as suas práticas rituais ou com algumas das suas propostas de natureza moral – raras são as vezes onde as propostas de natureza teológica são entendidas como critério de identidade, mas este é apenas o desabafo do teólogo. Este olhar sobre a Igreja não é apenas o de quem se encontra fora dos seus limites visíveis. Por vezes são os próprios membros da Igreja quem manifesta uma incapacidade em perceber a dimensão do mistério que os habita. A Igreja enfrenta este desafio de afirmar a sua identidade, a qual será mais que uma simples identificação ou denominação. A Igreja assume a tarefa de saber que nela, e por ela, Deus se quer tornar próximo do Homem e de permitir, ao Homem, a permanência nessa proximidade, a qual se transforma mesmo em intimidade de vida. Joseph Doré, actual arcebispo de Estrasburgo, inscrevendo-se numa tradição que já vem da Patrística, tem como ponto de partida para a descoberta da pessoa de Cristo a vida de cada cristão. Inscrevendo a sua vida num contexto socio-histórico marcado pelo dinamismo da ressurreição, o cristão assume, pelo concreto da sua existência, a responsabilidade de se saber a forma mais eloquente de Cristo se dizer em todos os tempos e lugares. Olhar o mistério de Cristo a partir da vida de cada cristão permite-nos redescobrir a missão da Igreja. Permite redescobrir a nossa própria humanidade à luz da humanidade de Cristo como o lugar onde Deus se deixa encontrar porque se deixa dizer. Nesse olhar também somos convidados a alargar a nossa própria compreensão do significado do anúncio: não se trata de propaganda nem de proselitismo; é a expressão deste desejo de intimidade de Deus com o Homem. Esta breve reflexão coloca-nos perante as duas coordenadas nas quais se define a missão da Igreja: a sociedade e Cristo. Retomando a nossa história inicial e à luz destes dois princípios de compreensão da missão eclesial, o principal desafio vivido pela Igreja de todos os tempos é o de, sabendo-se inscrita neste dinamismo do dizer-se de Deus na história, ser capaz de encontrar a originalidade que lhe permita manifestar a proximidade de Deus com todo o Homem. Pe. João Eleutério 1 Inspiro-me nas reflexões de Michel Maffesoli – cf. “Le tribalisme postmoderne. De l’identité aux identifications”, in http://www.la-science-politique.com/revue/revue2/papier5.htm.

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