A Páscoa da Nova Aliança – Do desejo ardente ao alimento dos caminheiros

Padre Carlos Aquino, Diocese do Algarve

Como documenta o Evangelho de São Lucas no relato da Instituição da Ceia do Senhor, quando Ele estava reclinado à mesa com os seus apóstolos, afirmou: “Desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco” (cf. Lc 20, 15). A Páscoa nova, a Páscoa cristã é fruto deste desejo ardente. É fogo novo ateado no coração daquela comunidade que estava reunida com o Senhor fazendo memória da saída do Egipto e da entrada na Terra Prometida. Aquela comunidade é o gérmen da futura assembleia que em sua memória haveria de continuar essa celebração até ao fim dos tempos cumprindo o mandato do Senhor.

Muito mais que uma Ceia, essa celebração tornou-se um sinal, um Sacramento. Fazê-la em sua memória é tornar presente nas vidas e nos corações dos discípulos de Jesus, em cada tempo, reunidos em seu nome, a sua passagem deste mundo para o Pai, é levá-los à comunhão com Deus, entrando no mistério desta aliança selada com o próprio sangue. A identidade e a missão da Igreja brotam desta fecunda celebração que é convidada a realizar em “memória d’Ele”, a Páscoa da nova Aliança.

Não deixa de ser particularmente significativo e de nos interpelar o facto de neste longo tempo de provação pela crise sanitária, obrigados a um confinamento imposto, a realização diária e dominical desta Celebração e o seu desejo ainda que no silêncio das Igrejas vazias, com as portas fechadas, tenha sido o grande evento de comunhão e de esperança para a reconstrução das vidas das famílias e dos cristãos reunidos nas próprias casas. Assim foi valorizada a própria comunhão espiritual e de desejo. Talvez tenhamos agora, percebido melhor o valor da liturgia, mormente da Eucaristia, a sua Beleza que provém da participação ativa, isto é, da interioridade, da contemplação, da racionalidade, da nobre simplicidade, da honesta pobreza e do silêncio.

Na verdade, vínhamos de um tempo onde parecia pouco importante e relevante a realidade da Liturgia na edificação da Igreja. Muitas vezes era com certo tédio que a acolhíamos e vivenciávamos, sem convicção e paixão. As nossas assembleias dominicais tornaram-se espaços de individualidade, de assistência ao culto e não de irmãos a participarem do mesmo e único mistério renovador das vidas. Não raras vezes se acentuava pejorativamente a dimensão muito litúrgica e cultual da Igreja em detrimento da evangelização. Como era difícil fazer experimentar que a Liturgia e a Eucaristia são fontes primeiras da fé e profissão da própria fé tendo um lugar proeminente na sua transmissão. Como era difícil transmitir e fazer perceber a estreita relação e unidade entre a Escritura e a Igreja, a Palavra de Deus e o povo de Deus reunido em assembleia para a celebração litúrgica. Como era difícil fazer viver o verdadeiro sentido da liturgia e da Eucaristia.

Depois de ficar tudo bem, que desejaremos que fique gravado nos nossos corações e que bem queremos valorizar? Regressaremos com saudosismo e pelo cumprimento do “como era costume” ao passado ou valorizaremos nas nossas vidas estas fontes de Vida? Valorizaremos a oração como um ato de fé? Desejaremos nos encontrar com o Senhor no primeiro dia de cada semana sabendo que Ele deseja ardentemente se encontrar connosco?

Possa a verdade da Páscoa nos iluminar, fortalecer e dar fecundidade às nossas vidas. Desejemos o alimento que a Páscoa dá como consolação profunda para os nossos caminhos. De procurar uma comunhão efetiva, uma esperança verdadeira, uma fé sólida e uma caridade sincera.

Pe Carlos Aquino
Pároco de Loulé; Formado em Liturgia; Colaborador do Secretariado Nacional de Liturgia; Director do Departamento de Pastoral Litúrgica da Diocese do Algarve
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