A nova vaga da informação

Para simplificar, voltemos apenas dez anos atrás. Era impossível ver o que hoje vemos na primeira página de qualquer jornal generalista. E mesmo as televisões, já em tempo de concorrência, não se atreviam a uma informação tão crua sobre questões como o crime, a violência, o sexo ou mesmo os casos de saúde ou justiça. Por essas alturas – lembre-se que a televisão em Portugal nasceu duas vezes, uma estatal, outra privada – o aparecimento de novos canais veio abrir uma rotura quase semelhante ao 25 de Abril, num completo desafio aos modelos convencionais de informação e divertimento, mesmo em liberdade. O conceito de sensacionalismo, exploração informativa do interdito, secreto e mesmo privado, tinha outras dimensões. Dir-se-ia que era outra ética, outro o contexto de fontes, outra a utilização do segredo, mesmo de justiça. Grande parte dos jornalistas rejeitará as objecções às novas regras de informação que hoje, tacitamente, inspiram o mercado da notícia. Na situação em que estamos, quem cala consente e o jornalismo que não anunciar e denunciar pessoas e casos que infrinjam direitos a indefesos, parece trair a verdade e o serviço do povo, sobretudo daquele que não tem acesso à justiça eficaz e célere. Por isso os roubos, assaltos, violações e desavenças são contados ao pormenor de intriga de aldeia, como se todos falássemos á boca pequena do que acontece aos nossos vizinhos e das inúmeras desgraças que alastram pelo nosso pequeno bairro. Acresce a todo este emaranhado que a moralidade pública vive de marés. As modas condicionam as exaltações e a rejeição de atitudes que se transformam em virtudes ou pecados da época. Há claros benefícios públicos com a supressão de privilegiados intocáveis ou imunes. Mas há novas oportunidades e pretextos para a prática de injustiças e crueldades irreparáveis. E se a pena de morte é condenável por que nunca restitui a vida a ninguém que foi injustamente condenado, também aqui resulta irremediavelmente perdido quem cai nas garras de um testemunho falso ampliado pelos media em todas as praças da terra. Talvez, por isso, seja um tempo propício para lançar novos desafios éticos à nova vaga de informação. A Pacem in Terris, há quarenta anos, apelava à consciência da humanidade para qualquer situação de injustiça geradora de guerra entre pessoas, grupos e nações. Os jornalistas do terceiro milénio têm de perguntar-se que contributo oferecem para justiça e para paz no país real que vivemos. António Rego

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