A liberdade e a alegria da família cristã

Homilia do Bispo de Santarém na Festa da Família 1. “Não vos deixarei órfãos: O Pai enviar-vos-á o Espírito Santo”. Ouvimos no evangelho esta promessa, feita por Jesus aos discípulos, quando se despediu deles, antes de partir para o Pai. Eles sentiam-se desamparados e apreensivos face à perspectiva da ausência e perante a tarefa que Jesus lhes havia confiado. Estavam habituados a apoiar-se na palavra e nos prodígios de Jesus. Que iriam fazer sem Ele? Jesus promete-lhes uma outra forma de presença que designa como o Paráclito, ou seja, “Aquele que testemunha a favor de alguém”, Aquele que defende e consola. Paráclito pode traduzir-se por Espírito Consolador, Defensor. É uma presença divina, invisível, oculta mas eficaz. O mundo não o conhece porque não é perceptível aos sentidos. Mas quem está atento aos sinais de Deus e O invoca no seu coração, conhece-O. Também experimentamos, frequentemente, o desalento e a fragilidade perante as responsabilidades que nos são confiadas. Sentimo-nos débeis e preocupados por problemas e sofrimentos. São-nos pedidas tarefas e deveres, como o amor dedicado na família, a educação dos mais novos, a prática fiel do evangelho e o testemunho cristão que parecem superiores às nossas forças. Temos consciência como são hoje difíceis o diálogo e a educação. Precisamos que se realize também em nós a promessa do evangelho: “não vos deixarei órfãos, não vos deixarei entregues apenas às vossas forças”. Na verdade àqueles que nele crêem, O amam e O seguem, comunica-lhes o Espírito Santo uma força vinda do alto. Esta promessa próxima da celebração do Pentecostes, prepra-nos para a vida cristã orientada e apoiada pelo Espírito. Ele habita nos nossos corações como uma presença familiar. Ele é o amor entre o Pai e o Filho e inspira nos nossos corações a fé e o amor. Leva-nos a reconhecer que Deus é nosso Pai e que Jesus é o Filho de Deus e Salvador dos homens. Torna-nos capazes de amar, de vencer o nosso egoísmo e nos dedicarmos ao amor no serviço. “Se Me amardes guardareis os meus mandamentos”, é a condição e o caminho. Amar é sair de si mesmo, confiar e obedecer. Quem ama vive em Deus e Deus nele, porque Deus é amor. O Espírito Santo santifica também o amor humano através do sacramento do matrimónio. Purifica o amor do egoísmo, fortalece-o para vencer o cansaço, eleva-o a sinal da aliança entre Deus e o povo. Com a força do Espírito Santo, o amor vivido em família é um amor sólido, estável, feito de serviço, de encanto, de alegria e de liberdade. O amor consagrado pelo sacramento do matrimónio oferece a força do Espírito Santo para vencer os limites humanos da instabilidade, do individualismo, do materialismo. O Espírito Santo traz para a realidade do amor humano dos esposos a graça redentora e santificante do amor divino que há entre o Pai e o Filho. É um amor que leva à comunhão profunda no respeito pela diversidade, que faz de dois um só acolhendo e apreciando as diferenças mútuas, um amor que promove a liberdade responsável. Assim o amor humano dos esposos torna-se um sacramento, um sinal do amor de Cristo pela Igreja, um amor orientado para a unidade, para a fidelidade, para a indissolubilidade e para a fecundidade. 2. Família cristã espaço de liberdade e fonte de alegria Este encontro festivo abordou a comunidade familiar sob o signo da liberdade. É oportuno descobrir como o matrimónio está associado à verdadeira liberdade. Na verdade é acusado frequentemente de ser um jugo que impede a liberdade dos cônjuges. Depende da forma como entendermos a pessoa e a liberdade. Se tivermos presente a dimensão transcendente da pessoa, então entendemos a liberdade como a capacidade de aderir de forma esclarecida e responsável a um projecto. O projecto do matrimónio tem beleza e grandeza compatíveis com a dignidade transcendente da pessoa humana. Corresponde aos anseios e expectativas profundas do coração do homem e da mulher. Todos quando sonham com um amor grande desejam um amor fiel, estável, fecundo. O modelo do matrimónio católico não é imposto de fora, está no coração humano. Como sacramento oferece a benção do Pai, a graça de Jesus e a força do Espírito Santo para compensar as nossas fragilidades e poder ser fieis à dignidade e à missão do matrimónio. Torna possível a concretização do projecto. As leituras de hoje referem a alegria e a esperança como um fruto que o Espírito desperta nos corações dos que O acolhem. Quem ama de verdade segundo o Espírito, como O Pai ama o Filho, esse vence o desgaste e o cansaço, esse encontra a alegria e a liberdade. No coração daquele em quem habita o Espírito Santo reina a liberdade e a alegria. Liberdade não no sentido individualista de cada um se orientar pelas conveniências, prazeres e caprichos de momento mas no sentido amplo de fidelidade responsável a um projecto que torne possível a alegria e a liberdade dos outros, designadamente dos membros da família. A liberdade vivida no individualismo egoísta, pautada pelo hedonismo, gera frustração e causa muitos traumatismos aos outros. 3. “Recebereis uma força vinda do alto e sereis minhas testemunhas”. A comunhão inspirada pelo Espírito não nos encerra numa comunidade fechada mas irradia à sua volta. A 1ª leitura (Actos) narrava como o diácono Filipe saiu das fronteiras de Jerusalém e foi pregar o evangelho aos samaritanos. Os habitantes da Samaria escutam com encanto as suas palavras e contemplam os prodígios que realizava. De facto, o anúncio do evangelho era acompanhado de sinais de libertação e de cura. Assim muitos samaritanos converteram-se e a alegria reinou naquela cidade. O Espírito Santo faz crescer a Igreja não só em extensão mas em unidade e comunhão. Os apóstolos Pedro e João vieram à Samaria e impuseram as mãos aos samaritanos para que recebessem o Espírito Santo e vivessem na comunhão eclesial. Todos os que recebem o Espírito Santo recebem este apelo a testemunhar a fé. Não só os apóstolos e os seus colaboradores os presbíteros mas também os diáconos e os fieis leigos. Mesmo nas perseguições e provações. Recomenda o apóstolo Pedro(2ª leitura): “Venerai Cristo Senhor em vossos corações, sempre prontos a responder a quem quer que seja sobre a razão da vossa esperança com brandura e respeito”. São recomendações de grande oportunidade para as famílias: 1. “Venerai…”Oração em família. Num tempo de muita confusão e agitação precisamos de cultivar o sentido da presença de Deus, viver sob o olhar de Deus, alicerce da nossa união e do nosso amor. Sem oração não há experiência de Deus. A oração em família dá um alicerce espiritual e solidifica a união dos esposos e de pais e filhos. A comunidade supõe espiritualidade. 2. A transmissão da fé em família. Jesus Cristo é o caminho para a verdade e para a vida. A fé é um tesouro que dá orientação num mundo desorientado. O alicerce vem dos pais e é decisivo. Dar credibilidade ao projecto do matrimónio. “Concede-nos Senhor a força do teu Espírito para vencermos as nossas debilidades e desalentos e levar a alegria aos que nos rodeiam; em especial aos mais tristes e provados pelo sofrimento; Concede-nos viver com encanto e liberdade o matrimónio e fazer brilhar um raio de luz para os que não conhecem a beleza deste sacramento”. Quinta da Cardiga, 27 de Abril de 2008 D. Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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