A lei sobre a laicidade em França

Pe. Manuel Marques Gonçalves, Reitor do Santuário de Fátima – Paris Foi aprovada, em 10 de Fevereiro, pelo Parlamento, a lei que proíbe o porte “ostensivo” de sinais religiosos, nas escolas públicas. A lei passou com a grande maioria dos votos dos deputados do UMP, PS, UDG e dos Comunistas e republicanos, com a seguinte formulação, no artigo 1º: “Nas escolas, colégios e liceus públicos, o porte de sinais ou trajes pelos quais os alunos manifestem ostensivamente uma pertença religiosa, é proibido”. Esta decisão legislativa é o termo de 15 anos de polémicas acerca do porte do véu islâmico nas escolas, iniciadas em 1989, com o caso de Creil (Oise). A partir daí, estava lançada a questão, agravada depois pelas discordân-cias instaladas entre as autoridades aca-démicas e as posições lúcidas do Conselho de Estado que ia declarando que o uso do véu islâmico não é incompatível com o princípio de laicidade da República. Um mal-estar nas escolas e as suspeições sobre uma dada camada da população de origem imigrante levaram o Presidente da República a analisar o princípio de laicidade, na sua aplicação nas escolas. Nomeou então a Comissão Stasi para investigar no terreno e esclarecer o conceito de laicidade. As conclusões da Comissão abriram caminho ao avanço da lei que proibira os sinais religiosos ostensivos nas escolas públicas. Mas neste processo, está já patente uma ideologia radical que exalta a laicidade, como valor absoluto, uma espécie de divindade que deverá dominar toda a vida da França. Tal conceito vai resvalar logo num laicismo militante que se traduzirá na lei agora aprovada. Houve, ao longo deste processo, reacções ideológicas e reacções primárias, ao sabor duma certa experiência de insegurança e de xenofobia selectiva. Os intelectuais lúcidos e com os pés na evolução histórica, criticaram a lei e têm expresso o seu recuo face a uma intenção hegemónica, que chega à destruição dos direitos fundamentais da pessoa. As Igrejas, por seu lado, tiveram a imediata percepção do perigo. Assim se exprimiram em diversas circunstâncias o Conselho das Igrejas Cristãs em França, a Conferência dos Bispos de França, e o próprio Papa, em Roma, na recepção ao Corpo Diplomático, em 12 de Janeiro passado. O Cardeal Ricard, Presidente da conferência dos Bispos, não querendo ignorar certas situações de perigos comu-nitaristas, reprovou totalmente o conceito de laicidade que não assegure o exercício dos cultos, no seu âmbito público e recordou que o Estado tem a responsabilidade, dentro do seu espírito laico, de atribuir o mesmo respeito, a mesma consideração a todas as grandes famílias espirituais e deve ter em conta as diversidades religiosas, que não têm todas a mesma história. Esta lei vê mal as causas de certas concentrações comunitárias. A solução não é a proibição dos sinais religiosos. Concerteza a própria Comissão Stasi terá um défice da investigação rigorosa. Não basta respeitar a opção privada, é necessário respeitar a dimensão social e institucional das religiões na sociedade. Estamos perante uma lei que exprime a experiência histórica da França, no campo de laicidade. Mas não basta vivê-la e impô-la como valor nacional. É necessário situar-se na universalidade da Europa, que sendo laica, lida de uma maneira serena com o valor da laicidade, na sua relação com a Igreja e com os outros grupos religiosos. É pois fundamental que esta decisão não alastre, mas antes seja energicamente reprovada, na defesa de uma legítima laicidade, geradora de frutos exaltantes da dignidade humana. Pe. Manuel Marques Gonçalves, Reitor do Santuário de Fátima – Paris

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