A situação económica do país, somada à realidade económica global, tem levado muitas pessoas e muitas famílias para experiências de pobreza extrema. As causas são de todos conhecidas. A Igreja é mãe e, como tal, deve estar atenta à vida concreta dos seus filhos. E, quando se coloca a realidade da fome e da pobreza, a Igreja reconhece que todos são seus filhos, procura estar atenta e oferecer a todos das suas poucas possibilidades. Mas o milagre acontece. Através da partilha dos bens materiais, dos dons da inteligência, do tempo, em atitude de generosidade e de amor fraterno, implorando do Espírito de Deus a luz para uma criatividade empenhada na edificação da causa comum, a Comunidade cristã sente a alegria da multiplicação dos seus poucos recursos, dando, deste modo, resposta a tantas situações que ferem a mais legítima dignidade humana. Se estivermos atentos, não há diocese, paróquia ou grupo apostólico que não tenha sido motivado para esta causa. Em tempo de Quaresma, mais sensível para a partilha, ou em outras épocas do ano, a Igreja em Portugal tem manifestado, com gestos concretos, não só que acredita na força da pastilha, do amor e da generosidade, mas que estes passam pela actuação real em favor dos que mais sofrem. Recordemos algumas iniciativas. Na diocese do Porto, o Senhor Bispo, Dom Manuel Clemente, alertou, em diversas ocasiões, para a situação de fome que estava a grassar na Região Norte, a mais atingida pelo desemprego. Convidou os Sacerdotes, membros do Conselho Presbiteral, e os Vigários da Vara, os membros do Conselho Pastoral e outros organismos a uma reflexão cientificamente aprofundada, não só das causas, mas da extensão do problema, incentivou as respostas imediatas que começaram a surgir de grupos, paróquias e organismos. Reuniu com os organismos diocesanos coordenadores das diversas áreas da Pastoral Social diocesana para o estudo e a proposta de soluções que respondam à situação dos diocesanos mais carenciados e afectados pela realidade social e económica presente. Promoveu-se um fundo económico de ajuda a crianças carenciadas em idade escolar. Valorizou-se e apoiou-se positivamente algumas respostas imediatas de matar a fome aos que dela padecem. Não há Região Pastoral, Vigararia, paróquia ou organismo apostólico que não tenha sido sensibilizado para esta causa que deve atingir a todos. Foi bastante noticiado o que se está a fazer a nível do Patriarcado de Lisboa e em muitas outras dioceses do País. A Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) realizou, a meados do mês de Abril, umas Jornadas de reflexão sobre perspectivas a abrir pelos empresários, norteados pela doutrina social da Igreja, para responderem, de forma criativa e inovadora, à situação social e económica actual. A Conferência Episcopal Portuguesa irá realizar uma Jornada, no dia 15 de Maio, na FIL, em Lisboa, para uma reflexão sobre novos caminhos para a «fantasia da caridade» e novas propostas para uma solidariedade mais efectiva, ajudando a dignificar o ser humano, não apenas pela partilha material, mas pela oferta de trabalho, reconhecendo que este é uma dimensão integrante da sua dignidade como pessoa humana. Porém, a Igreja, como Mãe, com estes gestos concretos, quer oferecer a realidade que mais atinge a sensibilidade e o coração humano, a esperança. Por isso, quer convidar a todos a recolocarem-se nos caminhos, muita vezes difíceis, duros e a exigirem um redobrado esforço, que conduzem à esperança fundamentada. A Igreja, enquanto Comunidade cristã, reconhece que entre os seus membros e na sua acção no meio do mundo, a partilha não é de alguns para os outros, mas é entre todos. Ela acredita que cada um e todos em conjunto têm algo a partilhar. O ser humano quando motivado pelo Amor tem capacidades nunca imaginadas. Só no exercício do Amor as reconhece. Recordemos as palavras de Bento XVI:«A Igreja nunca poderá ser dispensada da prática da caridade enquanto actividade organizada dos crentes, como aliás nunca haverá uma situação onde não seja precisa a caridade de cada um dos cristãos, porque o ser humano, além da justiça, tem e terá sempre necessidade do amor» (DCEst, 29). E, numa outra passagem, referindo-se à linguagem eloquente do Amor, sublinha o seguinte: «Deus é amor e torna-se presente precisamente nos momentos em que nada mais se faz a não ser amar. Sabe (…) que o desprezo do amor é desprezo de Deus e do ser humano, é a tentativa de prescindir de Deus. Consequentemente, a melhor defesa de Deus e do ser humano consiste, precisamente, no amor» (ib.,31). E, voltando-se para os cristãos e para as organizações caritativas da Igreja, incentiva-as a reforçar de tal modo esta consciência que, os seus membros, através do seu agir, como através do seu falar, do seu silêncio e do seu exemplo, se tornem testemunhas credíveis de Cristo (cfr. ib., 31). Só Deus julga o mundo, as suas intenções e os seus actos. Pela acção do Amor estamos a oferecer a verdadeira instância do julgamento da verdade, da justiça, do belo e do bem. Vem a propósito lembrar as palavras de S. Paulo: «Julguei não dever saber coisa alguma entre vós a não ser Jesus Cristo, e Este crucificado» (1Cor. 2, 2). D. João Lavrador, Bispo Auxiliar do Porto