A formação sacerdotal nos Seminários de Portugal

COMISSÃO EPISCOPAL VOCAÇÕES E MINISTÉRIOS

 

Encontro de Formadores dos Seminários de Portugal

 

A FORMAÇÃO SACERDOTAL NOS SEMINÁRIOS DE PORTUGAL

 

Os Formadores dos Seminários de Portugal, reunidos em Encontro Nacional, de 31 Agosto a 3 Setembro de 2010, em Angra do Heroísmo (Açores), reflectiram sobre a formação sacerdotal nos Seminários de Portugal, com o tema Seminário, escola dos discípulos de Cristo e de irmãos no presbitério. Da reflexão realizada ao longo destes dias partilhamos nesta comunicação os elementos principais.

 Orientados pelo P. Emílio González Magaña, SJ (Professor na Universidade Pontifícia Gregoriana e Director do Centro Interdisciplinar para a Formação dos Formadores ao Sacerdócio), os trabalhos foram acompanhados pelos Presidente e Vogal da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios, respectivamente D. António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro e D. Jacinto Tomás de Carvalho Botelho, Bispo de Lamego, e D. António de Sousa Braga, Bispo de Angra.

 Estiveram presentes elementos das Equipas Formadoras das seguintes Dioceses: Algarve; Angra; Aveiro; Beja; Braga; Bragança-Miranda; Coimbra; Évora; Funchal; Lamego; Leiria-Fátima; Lisboa; Porto; Setúbal; Viana do Castelo; Viseu.

 Sentimos grande preocupação com as dificuldades que enfrentam os jovens, devidas em grande parte à sua vulnerabilidade e ao debilitamento da sua identidade espiritual, ao impacto de alguns dos actuais modelos culturais e à frágil situação das famílias, que também incidem na diminuição das vocações sacerdotais e religiosas. Formar sacerdotes, no contexto actual, é um grande desafio colocado à nossa responsabilidade de pastores.

 Um bom Seminário é a garantia de uma Igreja particular florescente e fecunda. Daí que, nas nossas reflexões, nos tenhamos detido a considerar algumas directrizes que nos ajudem a reflectir sobre o projecto de formação do Seminário, capaz de oferecer aos seminaristas um verdadeiro processo integral: humano, espiritual, intelectual e pastoral, centrado em Jesus Cristo, o Bom Pastor. Nestas reflexões centramo-nos, sobretudo, nas áreas humana e espiritual, a fim de oferecer uma ajuda na complexa formação pastoral dos jovens seminaristas.

 

A formação humana no Seminário

 Tomamos como ponto de partida a afirmação da Pastores Dabo Vobis: “Sem uma oportuna formação humana, toda a formação sacerdotal ficaria privada do seu necessário fundamento” (n. 43). A influência da cultura actual incide, tanto positiva como negativamente, em muitos aspectos da maturidade humana dos candidatos ao sacerdócio, pelo que se requer uma formação que os conduza a tomar decisões definitivas e a comprometer-se livremente como o exige a opção pelo ministério sacerdotal. É uma grande responsabilidade para toda a comunidade formadora assegurar que os futuros sacerdotes cultivem um conjunto de qualidades humanas que lhes permitam formar uma personalidade madura e livre, que os tornem capazes de se relacionarem com harmonia e suportar o peso da responsabilidade pastoral.

O sacerdócio é uma vocação de seguimento de Cristo “que, sendo rico, se fez pobre por vós, para nos enriquecer com a sua pobreza” (2 Cor 8, 9). A fidelidade ao ministério requer aquelas virtudes que mais se apreciam entre os homens, virtudes que educam o sacerdote para a renúncia e a superação das ambições para não se afastar da imitação de

Cristo “como são a sinceridade, a preocupação constante da justiça, a fidelidade às promessas, a urbanidade no trato, a modéstia e caridade no falar” (Optatam totius, 11).

 A formação humana reclama um acompanhamento específico e uma predisposição para favorecer um autêntico clima de confiança entre formadores e formandos, que facilite a transparência para conhecer e resolver as dificuldades no desenvolvimento psicológico do seminarista.

 O sacerdócio requer a educação para uma vida ascética que capacite para a disciplina, a renúncia, a mortificação e o domínio dos sentidos. A formação deve ajudar a atingir uma liberdade interior que mantenha os candidatos disponíveis para o seguimento de total doação a Cristo e ao serviço dos homens. É urgente educar os candidatos ao sacerdócio para uma afectividade madura que lhes possibilite manter relações prudentes e estabelecer contactos de cooperação apostólica com as mulheres, em consonância com a opção pelo celibato e pelo Reino dos céus.

 É de grande importância formar os aspirantes ao sacerdócio, para que saibam relacionar-se com respeito, afecto e proximidade com o Bispo e com os que exercem a autoridade.

 Nos seminários é importante fomentar todo o tipo de formas de integração comunitária, que amadureçam no sentido da solidariedade, da capacidade de dar e receber a correcção fraterna e que sejam estímulo para superar o individualismo e o isolamento. A formação comunitária deve promover um ambiente de fraternidade, amizade, serenidade e alegria, de liberdade e de confiança, mas também de ideais elevados e de normas claras e exigentes, que permitam a abertura do candidato às exigências da vida sacerdotal e que o ajudem a crescer nas diversas virtudes segundo o modelo de Cristo.

 No campo dos problemas psicológicos, por vezes, tem que se contar com ajuda especializada, tendo muito em conta as orientações estabelecidas recentemente pela Congregação para a Educação Católica (cf. “Orientações para o uso das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos aos sacerdócio”, especialmente no capítulo IV).

 Os actuais meios tecnológicos constituem ferramentas válidas no domínio da informação e comunicação. No entanto, também se podem tornar um factor negativo no campo da formação se não se educam os jovens no recto uso dos mesmos, como no caso da Internet, dos telemóveis e outros meios modernos, e se não se regulamenta a sua utilização.

 

A formação espiritual no Seminário

 

Actualmente, um número considerável de jovens que aspiram ao sacerdócio carece de uma sólida formação cristã e de uma autêntica vivência da sua realidade baptismal. É necessário, portanto, que os seminários e as casas de formação religiosa, especialmente no período prévio, ofereçam uma iniciação kerigmática, pela qual os candidatos ao sacerdócio possam viver com alegria o dom do encontro com Jesus Cristo e consigam converter-se em autênticos discípulos missionários que respondam à vocação recebida. A este respeito, o Santo Padre recordou-nos que no “início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (Deus caritas est, 1).

 É decisivo para a formação espiritual do candidato incutir, desde o início do caminho formativo, a consciência clara de ser ele próprio o principal, embora não único, responsável pela sua formação sacerdotal. É sua finalidade conseguir abrir à acção do Espírito Santo para chegar à adesão plena à pessoa de Jesus Cristo e à conformação com os seus pensamentos, palavras e acções. Em particular, o futuro sacerdote está chamado a ter um coração misericordioso como o de Jesus, assumindo na sua própria vida, o que afirma o apóstolo S. Paulo: ter os mesmos sentimentos de Cristo (cf. Flp 2, 5) para testemunhar a proximidade do Senhor aos pecadores, aos que sofrem, aos marginalizados e necessitados.

 A vida no Seminário direcciona-se para formar no sacerdote um amor profundo pelo sacramento da Eucaristia, que deve constituir sempre o centro e o eixo de toda a sua vida e actividade, e a fonte donde brote a sua força de discípulo missionário (cf. Sacrosanctum Concilium, 10). Por isso, se deve fomentar uma atitude de grande reverência e amor ao Santíssimo Sacramento, que constitua um testemunho vivo da sua vida interior.

 De acordo com as recomendações da Pastores Dabo Vobis, vivemos “numa cultura que, com renovadas e cada vez mais subtis formas de auto-justificação, se arrisca a perder fatalmente o “sentido do pecado”, e, em consequência, a alegria consoladora do pedido de perdão (cf. Sal 51, 14) e do encontro com Deus “rico de misericórdia” (Ef 2, 4). Urge educar os futuros presbíteros para a virtude da penitência, que é sapientemente alimentada pela Igreja nas suas celebrações e nos tempos do ano litúrgico e que encontra a sua plenitude no sacramento da Reconciliação” (n. 48).

 É, igualmente necessário, fomentar em cada futuro sacerdote um amor profundo e uma experiência pessoal do mistério de Cristo celebrado nos diversos actos litúrgicos da Igreja. A Palavra de Deus lida, meditada e estudada, pessoal e comunitariamente, sobretudo através da lectio divina, e na recitação dedicada da Liturgia das Horas, deve constituir o alimento fundamental da oração, da espiritualidade do futuro sacerdote e da sua prática pastoral. Também é necessário que na celebração dos mistérios se cultive o sentido do sagrado.

 Fortalecidos com o amor do Espírito Santo, a formação espiritual do seminarista deve ter como um dos seus principais objectivos, de forma concreta e directa, a vivência e a prática da caridade e o serviço ao próximo, despertando nele a experiência de comunhão com Deus, que o orienta, naturalmente, na procura de comunhão com os irmãos.

 Portanto, a vida da comunidade e o ambiente que se respira no Seminário devem propiciar no futuro sacerdote uma atitude de permanente contacto e abertura à presença da Santíssima Trindade. Para que o formando possa discernir claramente a sua vocação ao sacerdócio ministerial, o Seminário e as casas de formação religiosa proporcionarão e exigirão uma direcção espiritual de confiança, transparente, estável, unida com a celebração frequente do sacramento da Reconciliação.

 Ao mesmo tempo, na vida espiritual, o candidato deve adquirir a capacidade e o hábito de procurar momentos de diálogo íntimo e pessoal com Deus, imitando o exemplo de Jesus e da sua relação filial com o Pai, com o objectivo de desenvolver um equilíbrio enriquecedor entre a oração litúrgica ou comunitária e a vida de oração pessoal. Para isso é conveniente, sobretudo no início, instruir o candidato em determinadas técnicas ou métodos de oração a que se entregue, até que chegue pouco a pouco a um estilo e método próprio na relação íntima com Deus.

 Tendo como inspiração a Encarnação do Filho de Deus, a sua vida oculta e o exemplo de servo que carrega a cruz todos os dias, a formação espiritual deve suscitar no seminarista uma atitude de entrega generosa, de espírito de sacrifício, de capacidade de renúncia e de controle pessoal. Assim, o Seminário há-de propiciar e exigir o desenvolvimento do sentido de responsabilidade pessoal face ao que lhe foi confiado, como alguém que procura configurar-se a Cristo na obediência total à vontade do Pai; há-de fomentar-se a laboriosidade, a corresponsabilidade e a atitude de serviço, à imagem de Jesus Cristo que não veio para ser servido mas para servir (cf. Mc 10, 45).

 Contemplando Maria, a discípula perfeita, a Mãe do silêncio, a Mãe da incompreensão, a Mãe orante e contemplativa, a Mãe fiel, a Mãe da Igreja e a Mãe do sacerdote, que com um “sim” total a Deus em cada momento esteve sempre disposta a cumprir a vontade divina, o Seminário deve promover um profundo amor e uma especial devoção à Santíssima Virgem que conduza ao encontro vivo com o Senhor. Ela, a Mãe de Jesus e nossa Mãe, tutela a fidelidade da vocação sacerdotal.

 Os candidatos à vida sacerdotal devem receber uma séria formação bíblica, teológica e espiritual, para assumir e viver fielmente o celibato, testemunho do amor indiviso a Jesus Cristo, como um dom de Deus e como um sinal do Reino, do amor de Deus a este mundo e da sua própria entrega ao povo de Deus (cf. Pastores Dabo Vobis, 29).

 Certamente, trata-se de uma graça que não dispensa a resposta consciente e livre por parte de quem a recebe, o qual deve abrir-se à acção do Espírito Santo para que o ajude a permanecer fiel durante toda a sua vida e a cumprir com generosidade e alegria os compromissos correspondentes. Portanto, o bispo, bem como os formadores do Seminário, devem preocupar-se com a formação da castidade no celibato, apresentando este último com clareza, sem nenhuma ambiguidade e de forma positiva (cf. ibid., 50).

 O Seminário deve estimular nos seus alunos o desenvolvimento da espiritualidade da caridade pastoral própria do sacerdote diocesano cujas linhas fundamentais são: consciência de ser chamado pelo Pai e conduzido pelo Espírito Santo a uma configuração com Cristo, Bom Pastor, Sumo e Eterno Sacerdote. Fazer do exercício fiel quotidiano do triamunera do ministério sacerdotal o itinerário por excelência para a santificação pessoal, como ensina o Concílio Vaticano II: “Pelos ritos sagrados de cada dia e por todo o seu ministério exercido em união com o Bispo e os outros sacerdotes, eles mesmos se dispõem à perfeição da própria vida” (Presbyterorum Ordinis, 12) e os “presbíteros atingirão a santidade pelo próprio exercício do seu ministério, realizado sincera e infatigavelmente no espírito de Cristo” (ibid., 13).

A vivência da caridade pastoral “assinalada, plasmada, conotada por aquelas atitudes e comportamentos que são próprios de Jesus Cristo Cabeça e Pastor” (Pastores Dabo Vobis, 21), posta permanentemente ao serviço do povo de Deus. A pertença e consagração à sua Igreja particular, como membro do presbitério, a que pertence por toda a sua vida, como um colaborador próximo do bispo e em comunhão com ele.

 

 A equipa de formadores

 

A equipa de formadores do Seminário constitui uma ajuda preciosa para os bispos na missão de acompanhar e propor uma recta e sólida formação aos candidatos ao sacerdócio. O trabalho em equipa, o testemunho de vida e o espírito de comunhão com o bispo “oferece aos candidatos ao sacerdócio o exemplo significativo e a concreta introdução naquela comunhão eclesial que constitui um valor fundamental da vida cristã e do ministério pastoral” (Pastores Dabo Vobis, 66).

 Os formadores são chamados pelo bispo a exercer, em espírito de unidade, co-responsabilidade e fraternidade, o sublime ministério pastoral de formar os futuros sacerdotes do povo de Deus. Dado que se trata de uma tarefa que exige o acompanhamento permanente dos seminaristas, é oportuno que o exercício desta enorme responsabilidade eclesial tenha uma certa estabilidade, que os membros da equipa residam habitualmente na comunidade do Seminário e que estejam intimamente unidos ao bispo, como primeiro responsável da formação dos sacerdotes. Ser formador de futuros sacerdotes é um carisma que se descobre e se desenvolve no serviço abnegado de cada dia no Seminário.

 O reitor, os directores espirituais e demais formadores vivam este carisma em contexto de formação permanente como fiéis discípulos e missionários. Esta missão transcendental e insubstituível para toda a Igreja deve realizar-se com espírito de fé, de confiança plena no poder da graça e com uma alegria e entusiasmo quotidianos que sejam expressão sincera do grande amor a Jesus Cristo e à sua Igreja.

 A eficácia e os frutos deste serviço pastoral estão vinculados ao modo como os próprios formadores vivem a sua vocação e como a expressam no acompanhamento ao formando, no trabalho de equipa e no espírito de comunhão. A vocação sacerdotal é um grande dom de Deus, ao qual se deve responder com muita generosidade e total entrega, uma vez que o sacerdote tem de configurar-se com Jesus Cristo, Bom Pastor, Cabeça e Guia da Igreja.

É necessário, portanto, que os formadores acolham os seminaristas com a gratidão e a alegria com que se recebem os dons que Deus dá às dioceses. Constitui um dever da equipa de formadores ter critérios muito claros tanto para a selecção como para a formação dos candidatos que ingressam no Seminário, os quais devem ser ajudados a crescer na rectidão de intenção para um autentico seguimento do Senhor e a tomar consciência de que se preparam para ser “alter Christus”, cumprindo com responsabilidade a missão que a Igreja lhes confia.

Por outro lado, corresponde aos bispos cultivar com os seus seminaristas e presbíteros um estilo de relação fundamentada na fé, na sinceridade, na proximidade, na abertura e na confiança, dentro de um espírito de paternidade e amizade, superando uma comunicação puramente funcional e esporádica.

É, portanto, muito importante que o bispo tenha um conhecimento pessoal e profundo dos candidatos ao presbiterado na sua própria Igreja particular. “Com base nestes contactos directos, ele procurará fazer com que, nos Seminários, sejam formadas personalidades maduras e equilibradas, capazes de estabelecer sólidas relações humanas e pastorais, teologicamente preparadas, fortes na vida espiritual, amantes da Igreja” (Pastores gregis, 48). Corresponde também aos bispos o promover e organizar uma séria e profunda formação permanente para todos os presbíteros, de maneira que respondam com generosidade e fidelidade ao dom e ao ministério recebido, e para que o entusiasmo pelo ministério não diminua, mas que, pelo contrário, aumente e amadureça com o passar dos anos, tornando mais vivo e eficaz o sublime dom recebido (cf. 2 Tm 1, 6; Pastores Dabo Vobis, 79; Pastores gregis, 47; Congregação para os bispos, Directório para o ministério pastoral dos bispos “Apostolorum successores”, 2004, n. 83). Tal formação permanente, portanto, deve ser activada já desde a vida do Seminário.

Constituindo o Seminário o “coração da diocese” e sabendo que do andamento do Seminário depende a existência de bons sacerdotes, é necessário que os bispos escolham os melhores membros do seu clero na constituição da equipa do Seminário.

Assim, os bispos devem ser os primeiros a sentir a grave responsabilidade na formação dos encarregados de educação dos futuros presbíteros (cf. Pastores Dabo Vobis, 66), para que os formadores, como também os professores das diversas disciplinas, não apenas as teológicas, se distingam por uma segura doutrina e tenham uma suficiente preparação académica e capacidade pedagógica (cf. Directório para o ministério pastoral dos bispos, n. 89).

Finalmente, o bispo deve ter especial cuidado no acompanhamento dos seus sacerdotes, particularmente dos mais jovens, e oferecer-lhes apoio e fortaleza no exercício do seu ministério sacerdotal.

 

Angra do Heroísmo, 3 de Setembro de 2010

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