A Eucaristia: Fonte e Cume da vida e da missão da Igreja (continuação)

Sínodo dos Bispos, XI Assembleia Geral Ordinária – Instrumentum Laboris (Continuação) Os ritos de conclusão 51. Recebida a Comunhão, deve rezar-se para se obterem os frutos do mistério celebrado. Um dos primeiros é o antídoto contra as caídas quotidianas e os pecados mortais.[79] Deve-se rezar sobretudo para que a nossa fé e comunhão com Cristo nos permitam levar o seu Evangelho em missão ao mundo, em todos os ambientes em que vivemos, com o testemunho das obras, para que os homens acreditem e dêem glória ao Pai. A despedida da Missa inclui um convite à missão, que a Igreja, fortalecida com a Eucaristia, precedida e acompanhada do exemplo e intercessão de Maria, realiza na evangelização do mundo de hoje. A Eucaristia tem a finalidade de fazer-nos crescer no amor de Cristo e no seu desejo de levar o Evangelho a todos. A ars celebrandi 52. É necessário cuidar da ars celebrandi para levar os fiéis ao verdadeiro culto, à reverência e à adoração. As mãos que o sacerdote ergue ao alto indicam a súplica do pobre e humilde: Humildemente Vos pedimos – diz-se na Oração Eucarística.[80] A humildade da atitude e da palavra condiz com o próprio Cristo manso e humilde de coração. Ele tem que crescer e nós diminuir. Para que a celebração da Eucaristia exprima a fé católica, recomenda-se que seja presidida pelo sacerdote com humildade; só assim poderá ser verdadeiramente mistagógica e contribuir para a evangelização. Nas orações litúrgicas normalmente não se diz “eu”, mas “nós”; já nas fórmulas sacramentais se usa a primeira pessoa, falando o ministro na pessoa de Cristo e não em nome próprio. Algumas respostas aos Lineamenta acenam ao tema da mistagogia, entendendo-a como introdução ao mistério da presença do Senhor e acentuando a necessidade de levar o homem de hoje a uma mais profunda aproximação a Deus, já que vive em ambientes onde parece negar-se a existência do mistério. A linha mestra deu-a o próprio Senhor: “A vós, chamei-vos amigos, porque tudo o que ouvi a meu Pai vo-lo dei a conhecer” (Jo 15,15). O Senhor quer que nos aproximemos d’Ele para nos revelar o mistério da vida divina. Emerge a primazia da responsabilidade do bispo no que se refere à Eucaristia, como primeiro mistagogo. O empenho em favor de uma “participação plena, consciente e activa”[81] dos fiéis na celebração eucarística está em estreita relação com a especial responsabilidade que o bispo tem pelo Santíssimo Sacramento e que provém do facto de o Senhor tê-lo confiado aos Apóstolos e de a Igreja o transmitir com a mesma fidelidade. Toda a celebração eucarística numa diocese realiza-se em comunhão com o bispo e na dependência da sua autoridade.[82] Pertence-lhe velar para que os fiéis possam participar na Missa e o Sacramento seja celebrado digna e decorosamente, eliminando eventuais abusos. É o sensus ecclesiæ na celebração litúrgica que transcende as situações particulares, os grupos e as culturas. Como primus mysteriorum Dei dispensator, o bispo celebra frequentemente a Santa Missa na catedral, igreja mãe e coração da diocese, cuja liturgia tem de ser exemplar para toda a diocese. 53. Mantém-se a obrigação da Missa pro populo por parte do bispo diocesano e do pároco, aplicada por vivos e defuntos.[83] Por razões teológicas e espirituais, também se recomenda que os sacerdotes celebrem diariamente a Santa Eucaristia. É particularmente importante celebrar pelos defuntos, cujas almas se encontram no Purgatório à espera do feliz dia de poderem ver a Deus face a face. Rezar pelos defuntos é um dever de caridade para com eles. Quanto às intenções, diversas respostas acenam a abusos, o mais frequente dos quais seria a sua acumulação nas chamadas Missas plurintencionais. A propósito, sugere-se que se esclareça a prática relativa à intenção das Missas. Também se constata que, nalguns países, essa prática diminuiu bastante ou desapareceu quase por completo, ao passo que, em muitos outros, as intenções de Missas são a forma tradicional, e muitas vezes única, de prover ao sustentamento do clero. Existem também nações, onde se nota uma falta de intenções, que antes provinham de outros países e eram uma válida expressão de comunhão eclesial e de participação concreta na actividade missionária. Não menos importante, do ponto de vista pastoral, é a formação dos fiéis sobre o sentido da aplicação de Missas em sufrágio dos defuntos, que, pelos méritos da redenção de Cristo e pela oração de toda a Igreja, podem assim ser admitidos rapidamente ao banquete da vida eterna. Assim, as intenções de Missas pelos defuntos tornam-se também uma expressão da fé na ressurreição dos mortos, verdade solenemente professada no Credo. A Palavra e o Pão de vida 54. Sobre a relação entre a Santa Missa e as celebrações da Palavra, muitas respostas aos Lineamenta observam que, em determinadas situações, os fiéis correm o risco de perder aos poucos o sentido da diferença entre a celebração da Eucaristia e as outras celebrações. Tal problema pastoral verifica-se, por exemplo, onde são frequentes as liturgias de Comunhão presididos por diáconos ou ministros extraordinários. Igual risco correm os fiéis que, algures, são convidados a participar na liturgia da Palavra em vez de ir à Missa a uma paróquia vizinha. Encontram-se, por outro lado, respostas que testemunham o precioso serviço prestado pelos leigos, devidamente preparados, nas celebrações da Palavra, com ou sem distribuição da Eucaristia, onde as comunidades, à espera de poder ter um sacerdote estável, se encontram temporariamente na impossibilidade de contar com ele para as celebrações dominicais. Nesses casos, sob a guia do bispo diocesano e dos sacerdotes, é possível, com a colaboração dos leigos, ir ao encontro das necessidades pastorais de tantas comunidades com fome da Palavra de vida e do Pão de vida. Quando essa actividade se desenrola na observância das orientações do Magistério em matéria,[84] os resultados são animadores e podem até fazer brotar vocações sacerdotais nas famílias dos leigos empenhados em tais serviços, bem como nas respectivas comunidades, que sabem apreciar o serviço precioso do sacerdote, ministro ordinário da Eucaristia. 55. Num tal contexto, põe-se a questão do excesso de celebrações da Palavra em substituição da Santa Missa e que comporta o risco de fazer regredir o culto cristão a um serviço de assembleia. Teria, ao contrário, mais sentido, como nas estações missionárias, a catequese dada enquanto se espera a oportunidade de o sacerdote vir celebrar a Eucaristia. Seria melhor, a esse respeito, falar de liturgias à espera do sacerdote, em vez de na sua ausência. Para sublinhar essa realidade, nalgumas regiões coloca-se a estola sobre o altar ou sobre a cadeira da presidência. A oração pelas vocações mantém vivo o desejo de ter um celebrante permanente da Eucaristia. A falta de sacerdotes, que nalgumas regiões atinge dimensões preocupantes, deveria ser um válido estímulo para o despertar da actividade missionária e para uma troca de dons entre as Igrejas particulares. Diversas respostas aos Lineamenta sugerem que os fiéis designados como ministros extraordinários da Comunhão participem em especiais sessões de estudo para aprofundar a doutrina eucarística e as normas litúrgicas. Semelhante programa deveria ser inserido também na formação permanente dos catequistas. Das mesmas respostas emerge ainda a necessidade de explicar claramente a tríplice dimensão – sacerdotal, profética e real – na distinção entre ministério ordenado e mistério não ordenado. Assim, se realça a identidade do sacerdote ministro dos divinos mistérios, de que também é intérprete, mistagogo e testemunha. Finalmente, para superar uma certa confusão sobre o mistério ordenado na Igreja, recomenda-se, entre o mais, que se promova o estudo dos apropriados documentos do Magistério, como a Exortação Apostólica Post-sinodal Pastores dabo vobis sobre o sacerdote, sinal de Cristo chefe, esposo e pastor. 56. São merecedores de gratidão os fiéis leigos, sobretudo os catequistas, que têm à sua responsabilidade a preparação para a oração e para a Comunhão, especialmente onde a escassez de clero impede os fiéis de participarem na Eucaristia. Em todo o caso, em não poucas respostas aos Lineamenta se assinalam práticas que tendem a ofuscar nos fiéis a distinção essencial entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum. São exemplos disso a atitude de alguns assistentes pastorais que assumem a direcção efectiva de paróquias e exercem de facto uma quase presidência da Eucaristia, deixando ao sacerdote o mínimo para garantir a validade da mesma; a homilia proferida na Santa Missa por leigos; o costume de dar precedência aos ministros extraordinários da Comunhão na distribuição do Sacramento, ficando sentados os ministros ordinários, nomeadamente o sacerdote celebrante e os concelebrantes; o costume de alguns ministros extraordinários conservarem o Santíssimo Sacramento nas próprias casas antes de levá-l’O aos enfermos, ou a autorização dada pelo pároco a algum parente do doente para levar-lhe o Viático. As disposições da Instrução Ecclesia de mysterio, bem como as normas canónicas sobre o tema,[85] deveriam ser tidas em consideração para instruir de forma adequada os responsáveis e assegurar uma celebração eclesial da Eucaristia. O significado das normas 57. Relacionadas com a questão da instauratio da liturgia são as respostas aos Lineamenta sobre o novo Ordo Missæ e a Instrução geral do Missal Romano, que apresentam as linhas da liturgia da Igreja universal. As normas litúrgicas podem ser vistas como algo que leva ao mistério. Os Padres apostólicos foram os primeiros a estabelecer as normas e os cânones, com as célebres Constitutiones e Didascaliæ. Sentiam então a necessidade de anunciar o mistério revelado e de, ao mesmo tempo, contrastar as concepções mistéricas, alegóricas e esotéricas dos pagãos. Se, por um lado, as normas reconduzem à apostolicidade da Eucaristia, por outro é sobretudo a sua santidade a exigi-las: o Santíssimo pede que nos aproximemos d’Ele com a máxima reverência. Pode dizer-se que é por isso que os presbíteros são consagrados, como recorda a alocução do bispo antes da Ordenação: “Pelo vosso ministério se realiza plenamente o sacrifício espiritual dos fiéis, unido ao sacrifício de Cristo, que, juntamente com eles, é oferecido pelas vossas mãos sobre o altar, de modo sacramental, na celebração dos santos mistérios. Tomai, pois, consciência do que fazeis, imitai o que realizais, celebrando o mistério da morte e ressurreição do Senhor, esforçai-vos por fazer morrer em vós todo o mal e caminhai na vida nova”.[86] Algumas respostas indicam que a norma basilar a ser observada pelo bispo e pelo sacerdote é ajudar os fiéis a penetrar no mistério da presença do Senhor. 58. Várias respostas aos Lineamenta indicam algumas causas da não observância das normas: o pouco conhecimento da história e do significado teológico dos ritos, o desejo de novidade e a desconfiança na capacidade do rito de falar ao homem com a linguagem dos sinais. Algumas respostas insinuam que o desrespeito pelas normas dever-se-ia a supostos defeitos intrínsecos da Instrução geral do Missal Romano, dando como exemplo o defeito das traduções dos textos litúrgicos e a imprecisão das rubricas, que deixam ao celebrante a liberdade de improvisar certas partes. Concretamente, apontam para a necessidade de dar grande atenção às traduções dos textos litúrgicos, confiando essa delicada tarefa a especialistas sob a supervisão dos bispos e com a aprovação da competente Congregação da Santa Sé. Quando se dão orientações doutrinais ou normas, há que ter presente este princípio fundamental: como uma excessiva valorização da maturidade dos fiéis pode ter contribuído para criar dificuldades práticas na introdução da reforma, assim não se deve subvalorizar a psicologia popular ou a capacidade dos fiéis de aceitar o apelo às verdades basilares. Urgências pastorais 59. Do conjunto das respostas aos Lineamenta pode delinear-se o seguinte quadro, no que se refere às sombras na celebração da Eucaristia. Ao mesmo tempo que se nota uma atitude de desconfiança para com as rubricas litúrgicas, inventam-se outras com o intuito de promover mudanças inspiradas em ideologias ou desvios teológicos. Nesse campo, não poucas iniciativas provêm de movimentos e grupos que se propõem renovar a liturgia. É frequente a observação de que a insistência nas normas universais, geralmente defendida pela Igreja como expressão da catolicidade, contrasta com as celebrações litúrgicas particulares de certos movimentos eclesiais. A esse respeito, pede-se uma maior clareza por parte das autoridades competentes da Igreja a fim de evitar confusões. Uma vez introduzidas as línguas vernáculas, há que respeitar a estrutura do rito, único modo de sublinhar visivelmente a unidade da Igreja católica de tradição ocidental. Os fiéis são muito sensíveis a eventuais mudanças arbitrárias do rito. Observa-se, em certos casos, que o excesso de iniciativa leva a manipular a Missa, chegando por vezes a substituir os textos litúrgicos com outros estranhos. Tal comportamento cria frequentes conflitos entre o clero e os leigos, e mesmo no seio do próprio presbitério. 60. Para dissipar tais sombras, as respostas aos Lineamenta propõem algumas orientações. É necessário promover um renovado espírito de oração, aliado a um maior esforço de formação permanente do clero, para reforçar a atitude de humilde adesão ao espírito e à letra das normas litúrgicas, e assim poder prestar um verdadeiro serviço ao povo de Deus, chamado a dar graças e a elevar preces ao seu Senhor no Espírito Santo através da divina liturgia. Impõe-se um estudo aprofundado dos já conhecidos princípios sobre a maneira de integrar, nas celebrações litúrgicas, elementos das culturas locais, e eventualmente publicar novas instruções mais claras e mais precisas, à luz da recente revisão da Instrução geral do Missal Romano, das instruções Redemptionis sacramentum e Varietates legitimæ da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Deverá explicar-se aos fiéis o alcance da fé eucarística. Na Eucaristia, os fiéis alimentam-se do Corpo de Cristo ressuscitado. O Senhor ressuscitado, vencedor do pecado e da morte, ultrapassa as dimensões do espaço e do tempo, e está realmente presente sob as espécies do pão e do vinho em cada celebração eucarística do mundo inteiro. Trata-se, portanto, do corpo do Senhor glorificado, transformado, pão dos anjos e de todos os homens chamados a partilhar da visão beatífica, na comunhão dos santos, na adoração eterna de Deus Uno e Trino. Devem eliminar-se, com uma catequese apropriada, as possíveis concepções mágicas, supersticiosas ou espiritistas da Eucaristia. Semelhante catequese é extremamente útil nas Missas de cura, que se fazem nalguns países. É urgente precaver-se contra os sacrilégios com hóstias consagradas, que se cometem nos ritos satânicos e nas chamadas missas negras. O canto litúrgico 61. O povo de Deus, reunido na casa do Senhor, exprime a acção de graças e de louvor com as palavras, a escuta, o silêncio e o canto. Diversas respostas aos Lineamenta pedem que o canto na Missa e na adoração seja verdadeiramente digno. Sente-se a necessidade de fazer com que o povo conheça o repertório essencial do canto gregoriano. Foi composto à medida do homem de todos os tempos e lugares, graças à sua transparência, discrição e agilidade de formas e ritmos. Portanto, há que rever os cantos actualmente em uso.[87] A música instrumental e vocal, se não possuir simultaneamente o sentido da oração, da dignidade e da beleza, impede por si mesma de entrar na esfera do sagrado e do religioso. Daí as exigências da bondade das formas, qual expressão de arte verdadeira, da consonância com os diversos ritos e da capacidade de adaptação às legítimas exigências, tanto da inculturação como da universalidade. O canto gregoriano responde a essas exigências, por isso é o modelo onde inspirar-se, como disse João Paulo II.[88] É, pois, necessário favorecer, entre os compositores de música e os poetas, a composição de novos cantos, que possuam um verdadeiro conteúdo de catequese sobre o mistério pascal, sobre o Domingo e sobre a Eucaristia, e sejam redigidos com critérios litúrgicos. 62. A utilização dos instrumentos musicais também foi objecto de especial atenção em diversas respostas, que se refazem às orientações da Constituição Sacrosanctum Concilium em matéria.89 A esse respeito, é frequente a referência, na tradição latina, ao valor do órgão, cujo som é capaz de aumentar a solenidade do culto e favorecer a contemplação. A experiência do recurso a outros instrumentos musicais também foi comentada nalgumas respostas, que a consideram positiva, quando, com o aval da autoridade eclesiástica competente, tais instrumentos são considerados aptos para serem usados nos actos sagrados, estão em harmonia com a dignidade do templo e são eficazes para a edificação dos fiéis. Noutras respostas, ao contrário, lamenta-se a pobreza das traduções dos textos litúrgicos em língua corrente e de muitos textos musicais, destituídos de beleza e por vezes teologicamente ambíguos, podendo levar a um enfraquecimento da doutrina e da compreensão do sentido da oração. Particular atenção é dada, nalgumas respostas, à música e ao canto nas Missas dos jovens. A propósito, vê-se a importância de evitar formas musicais que não favoreçam a oração, por estarem condicionadas às exigências do uso profano. Há quem mostre um desejo excessivo de compor novos cantos, como se fosse imbuído de uma mentalidade consumista, sem se preocupar com a qualidade da música e do texto, mas abandonando facilmente um insigne património artístico que deu provas de validade teológica e musical na liturgia da Igreja. Recomenda-se, igualmente, que nas reuniões internacionais, pelo menos a Oração Eucarística seja proclamada em latim, para facilitar uma adequada participação dos concelebrantes e de quantos não conhecem a língua local, como oportunamente sugere a Constituição sobre a sagrada liturgia, Sacrosanctum Concilium.90 É, todavia, motivo de satisfação constatar que nalgumas nações existe uma sólida tradição de cantos religiosos, próprios para cada período do ano litúrgico: Advento, Natal, Quaresma, Páscoa. Esses cantos, conhecidos e cantados pelo povo, favorecem o recolhimento e ajudam a viver com notável participação espiritual as celebrações do mistério da fé em cada período litúrgico. Deseja-se que essa experiência positiva se estenda a outras nações e dê tonalidade aos períodos fortes do ano litúrgico, ajudando os fiéis a compreender a mensagem através da música e das palavras. O decoro do lugar sagrado 63. Os Lineamenta também acenam à função da arte. O decoro de quanto se relaciona com a celebração da Eucaristia manifesta a fé no mistério e contribui eficazmente para mantê-la viva, tanto nos ministros sagrados como nos fiéis. Tal capacidade pode expressar-se na conveniente disposição do espaço sagrado, bem como na apropriada colocação do sacrário e da presidência, e mesmo na atenção a certos pormenores, como a limpeza, as ornamentações e o uso de flores frescas. De facto, muito contribui para a formação dos fiéis em matéria de doutrina eucarística, não só o que eles ouvem, mas também o que eles vêem. Pelo contrário, o desleixo mostra que a fé é débil. A tradição da Igreja recebeu da Bíblia a distinção da área reservada aos ministros sagrados: esta é sinal eloquente de que é o Senhor que admite ao serviço e escolhe os seus ministros. As igrejas orientais mantiveram essa distinção com a delimitação do santuário, e as ocidentais com a área do presbitério. A distinção atesta que, na liturgia, o povo de Deus se manifesta hierarquicamente ordenado e devidamente colocado para participar activamente nela. O altar é a parte mais santa do templo e está elevado para indicar a obra de Deus, que é superior a qualquer obra humana. As toalhas brancas que o cobrem indicam a pureza necessária para acolher a Deus. O altar, aliás como o próprio templo, só a Ele é dedicado, não podendo ser utilizado para outros fins. 64. Nas respostas emerge a preocupação de as igrejas serem frequentemente usadas para fins profanos, como concertos e actividades teatrais, nem sempre de índole religiosa. A liturgia da dedicação da Igreja recorda que a comunidade oferece o templo totalmente ao Senhor e que, portanto, não se pode destiná-lo a uma finalidade diferente daquela para que foi consagrado. Foram assinalados outros fenómenos contrários a dita tradição da Igreja e que obscurecem o sentido do sagrado e a transcendência do mistério. Por exemplo, muitas igrejas novas e também algumas antigas reestruturadas mostram como o critério fundamental do projecto arquitectónico seja a proximidade dos fiéis ao altar, com a finalidade de assegurar uma boa visual e uma maior comunicação entre o celebrante e a assembleia. A própria tendência a deslocar o altar para o espaço destinado aos fiéis, eliminando praticamente a área do presbitério, deriva dessa concepção. É verdade que assim se ganha em termos de comunicação, mas nem sempre se salvaguarda suficientemente o sentido do sagrado, que também é elemento essencial das celebrações litúrgicas. Outras respostas apresentam alguns sinais animadores. Seguindo as linhas da Instrução geral do Missal Romano, tomaram-se diversas iniciativas para que o espaço sagrado das igrejas já existentes ou das que estão em fase de construção seja um verdadeiro lugar de oração e adoração, onde a arte e a iconografia se tornem instrumentos ao serviço da liturgia. Assim, por exemplo, voltou a colocar-se nalgumas igrejas os genuflexórios e recuperou-se entre os fiéis a prática de se ajoelhar durante a Oração Eucarística; onde o sacrário não era claramente visível, foi recolocado no santuário ou em lugar proeminente; os novos projectos das igrejas dão mais atenção à arte, à decoração, às alfaias e paramentos sagrados. Assim, procura-se harmonizar a proximidade do celebrante ao povo e a sacralidade do mistério de Deus, ao mesmo tempo presente e transcendente. Capítulo II ADORAR O MISTÉRIO DO SENHOR “Adorai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder a quem quer que seja, sobre a razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3, 15) Da celebração à adoração 65. A adoração é a atitude que mais convém ao celebrante e à assembleia litúrgica diante de Deus todo-poderoso que se torna realmente presente no sacramento da Eucaristia. Muitas vezes, esse comportamento prolonga-se para além da Santa Missa em modalidades próprias da Igreja Católica. Deus procura o homem e este deseja vê-l’O. “Segredou-me o coração: procura a sua face. É, Senhor, o vosso rosto que eu persigo. Não escondais de mim o vosso rosto” (Salmo 26,8-9). O cristianismo não é só a religião do escutar, mas também do ver. Vendo Jesus, vê-se a Deus Pai (cf. Jo 14,9). Deus assume a natureza humana para compartilhar a nossa vida. A carta de São Paulo aos Filipenses levanta um pouco o véu desse mistério, a que damos o nome de kénose, isto é: o Filho despoja-Se da glória que Lhe é devida, para participar da natureza humana: “Cristo Jesus, que era de condição divina, não quis ter a exigência de ser posto ao nível de Deus…” (Fil 2,6). Essa kénose em certo sentido continua na Eucaristia, se bem que nesta esteja presente o corpo ressuscitado e glorioso do Senhor. Mas o paradoxo é que Jesus de Nazaré revela Deus na plenitude da sua humanidade: “Quem Me vê vê Aquele que Me enviou” (Jo 12,45), como disse aos judeus, resumindo numa frase a verdade profunda da fé cristã. O Deus que Se faz homem provoca reacções na esfera do conhecer, tais como o ver, o tocar, o ouvir, o contemplar (cf. 1 Jo 1,1-2). Numa palavra, a revelação de Jesus põe em acto uma relação que envolve os sentidos como faculdades de mediação do conhecimento. O ver e o escutar tornam-se um binómio essencial para a religião cristã. Jesus de Nazaré não pode ser só escutado; também deve ser visto. Jesus é imagem do Deus invisível (cf. Col 1,15). A palavra eikon está cheia do seu sentido histórico, porque não reduz a mero símbolo o que representa. Na cultura grega em geral, eikon significava retrato. Acredita-se num retrato só quando representa o rosto real, concreto e histórico, sem lugar para a fantasia. Volta-se ao tema do rosto, ou seja, à expressão pessoal, que, melhor do que qualquer outra, exprime a identidade. O rosto de Jesus, que deixa entrever Deus, torna-se no mesmo instante ícone de toda a humanidade redimida e salvada, “tendo Ele passado por todas as provações, tal como nós” (He 4,15). Já isto explica como o cristianismo não seja uma simples religião do livro. A Eucaristia produz um culto completo, sendo ao mesmo tempo sacrifício, memorial e banquete, e pede a contemplação. Há que, portanto, superar a dificuldade psicológica que leva a interpretar falsamente a adoração e a reverência como uma forma anómala da liturgia e, por conseguinte, a depreciar actos de culto eucarístico, como a exposição e a bênção do Santíssimo. Atitudes de adoração 66. Entre os problemas mais graves e comuns nos países ocidentais e noutros continentes, onde por vezes foram importados por certos agentes pastorais, sobressaem a crise da oração e a redução da celebração da Eucaristia a um preceito ou a um simples acto de assembleia. As respostas aos Lineamenta pedem que se relance a oração no sentido pleno e completo, como dom, aliança e comunhão,[91] com as suas modalidades de bênção, adoração, louvor, agradecimento, pedido, expiação e intercessão. Sem a necessária catequese nesta matéria, os fiéis não poderão tirar proveito dessa linfa que emana da liturgia, regula fidei através dos santos sinais. A iniciativa de dedicar uma igreja ou um espaço à adoração e à meditação é muito frequente nas respostas. De facto, os homens de hoje, levados pelo ritmo frenético da vida moderna, sentem a necessidade de parar, pensar e rezar. Diversas religiões, sobretudo do Oriente, propõem a meditação segundo as características da própria tradição religiosa peculiar. Até para fazer frente a esse desafio, os cristãos são chamados a redescobrir a beleza da adoração, da oração pessoal e comunitária, do silêncio e da meditação, que no cristianismo é encontro pessoal do homem com Deus, Trindade Santíssima, com Jesus Cristo ressuscitado presente na Eucaristia, pelo poder do Espírito Santo, em louvor de Deus Pai. Pede-se uma nova apresentação dos motivos teológicos e espirituais da adoração, entendida como preparação à Santa Missa, como atitude celebrativa dos santos mistérios e como agradecimento pelo dom da Eucaristia. Nessa linha, foi proposto que se favorecesse a recuperação das confrarias do Santíssimo Sacramento, adaptando-as às expectativas e necessidades do homem contemporâneo em busca de Deus. Além disso, sugere-se que se promova entre os sacerdotes a adoração eucarística. Cada paróquia poderia, depois, organizar um dia de exposição solene do Santíssimo Sacramento, de modo que nas dioceses, sobretudo de certa dimensão, o povo de Deus possa todas as semanas adorar o Senhor Eucaristia numa das paróquias da mesma. Um regresso à Bênção do Santíssimo, sobretudo nas tardes de Domingo, onde essa prática tiver sido abandonada, poderia ajudar a incrementar a devoção eucarística. Podem recitar-se as Vésperas ou as Laudes diante do Santíssimo exposto. Onde se celebram diversas Santas Missas, por exemplo de tarde nalgumas paróquias de cidade, poderia introduzir-se uma hora de adoração entre duas Missas. Igualmente, há que apoiar outras formas de devoção eucarística, como a adoração da Quinta-Feira, as procissões com o Santíssimo, sobretudo na solenidade do Corpo de Deus, a visita ao Santíssimo, as Quarenta Horas, a oração comunitária diante do Santíssimo exposto. Tais actos, segundo as indicações do Magistério, introduzem os fiéis na oração de reparação pelas ofensas feitas sobretudo ao Santíssimo Sacramento.[92] Conviria ainda valorizar na justa medida as expressões da piedade popular relacionadas com a Eucaristia, como os cantos, os arranjos florais, os enfeites. 67. A oração começa no silêncio que leva à consciência de estar na presença do Senhor, que fala ao coração e provoca uma resposta na grande oração da liturgia ou na adoração eucarística fora dela. Nesse diálogo, realizam-se actos exteriores que são gestos religiosos: o sinal da cruz, os movimentos das mãos, as genuflexões, as inclinações, o estar de pé ou sentado, a procissão e outros.[93] Várias respostas aos Lineamenta exortam que se faça uma catequese sobre esses comportamentos exteriores, tornando-os autênticos, graças a uma maior compreensão dos mesmos. Os sacerdotes e os fiéis manifestam a fé e a adoração através de comportamentos do corpo, segundo as indicações dos livros litúrgicos ou segundo a tradição. Atendendo às culturas, prevêem-se adaptações nesses gestos, uma vez que se tornem expressivos da veneração e do amor para com o mistério da Eucaristia. À espera do Senhor 68. Jesus ressuscitado é “o primogénito dos que ressuscitam dos mortos” (Col 1,18). Estas palavras do Apóstolo Paulo exprimem a verdade revelada, segundo a qual, a morte não é para o cristão o fim de tudo, mas antes a porta de entrada para uma vida nova e misteriosa, caracterizada por uma relação íntima e directa com o Senhor e, portanto, por uma felicidade que supera radicalmente toda a nossa expectativa. Não se pode, porém, esquecer que certos factores culturais tendem a eliminar toda a perspectiva para além da morte, enquanto a reivindicação da total autonomia ética do homem torna inaceitável, ou pelo menos irrelevante, qualquer ideia de prémio ou de castigo pelos nossos comportamentos morais, que nos esperariam depois da morte. Em várias respostas, considera-se inadequada a catequese que hoje se dá sobre a verdade escatológica da Eucaristia. O Catecismo da Igreja Católica[94] dedica-lhe um título: “A Eucaristia, penhor da glória futura, pregustação do banquete do reino de Deus e manifestação da comunhão dos Santos”. Naturalmente, tal antecipação não é alheia à vida do mundo, como se exprime na seguinte oração: “Fazei, Senhor, que os vossos sacramentos realizem em nós o que significam, para alcançarmos um dia em plenitude o que celebramos nestes santos mistérios”.[95] 69. A tensão escatológica pode ser explicada como sendo a irrupção no hoje litúrgico d’Aquele que é, que era e que vem. Ele, o Ressuscitado e o Vivente, está sempre presente. Por isso, a Eucaristia é o sacramento da presença d’Aquele que disse: “Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28,20). Algumas respostas aos Lineamenta reconhecem que esse aspecto não é suficientemente evidenciado, a não ser, para a liturgia latina, nas Missas exequiais e nas do dia 1 e 2 de Novembro ou nalgumas orações pelos defuntos nos textos da Missa. Muitos têm a noção que a Eucaristia seja fonte de comunhão com os defuntos e com os santos, não já que seja pregustação do banquete celeste. Por isso, seria conveniente ter presente que, embora a comunhão dos santos seja celebrada durante todo o ano litúrgico, o inteiro mês de Novembro é uma óptima ocasião para celebrá-la com a intercessão pelos defuntos. Quanto à menção do nome dos defuntos na Missa, embora haja normas precisas em matéria, não poucas respostas acenam a abusos, que vão desde a recusa de qualquer menção a uma sua repetição despropositada. Por outro lado, as mesmas respostas propõem que se dê alguma orientação para melhor realçar a dimensão escatológica do mistério eucarístico: a oração virada, por quanto possível, para Oriente, e uma adequada apresentação da relação entre a presença real de Cristo na Eucaristia e a adoração eucarística, com que se pede para chegar à plenitude da sua presença, quando Ele, no fim dos tempos, nos admitir no banquete escatológico, como recordam as anáforas: “esperando a sua vinda gloriosa”.[96] A Eucaristia é remédio de imortalidade, porque, precavendo do pecado como seu antídoto e libertando dos pecados veniais, infunde na alma a força da graça que santifica e prepara para a vida eterna, com a invocação dirigida ao Senhor que vem: Maranà thá (1 Cor 16,22; cf. Ap 22,20). A Eucaristia dominical 70. As respostas convidam a dar mais atenção à celebração da Eucaristia no Dies Domini, dia sagrado para a vida da Igreja, para a comunidade de fé e para cada crente. É nesse contexto que deve evidenciar-se a importância da comunidade que se reúne para a celebração, porque o Senhor está no meio dela. Sem fé, porém, não se pode falar do Dia do Senhor nem vivê-lo. O Domingo ajuda a ver o mundo à luz da Eucaristia. A Missa é o sacrifício de Cristo que transforma o mundo e que pede à Igreja para se tornar também ela oferta, abrindo-se a todos. A Eucaristia é, ao mesmo tempo, fonte de uma cultura do perdão, tão difícil nos nossos dias. Durante a celebração eucarística, diversas vezes se pede perdão para renovar a vida. O Papa Padre João Paulo II convidava também a tomar como “consequência significativa da tensão escatológica intrínseca à Eucaristia”[97] o facto de esta lançar uma semente de esperança activa no empenho quotidiano e de criar novos sinais no mundo, para se poder dizer que se vive da Eucaristia. O Dia do Senhor é também o dia da solidariedade e da partilha com os pobres, já que a Eucaristia é vínculo de fraternidade e fonte de comunhão. Com efeito, “da Missa dominical parte uma onda de caridade destinada a estender-se a toda a vida dos fiéis, começando por animar o próprio modo de viver o resto do Domingo”.[98] 71. Sem Missa dominical não se alimenta a fé no encontro com o Senhor, não se ouve a Palavra de Deus nem se vive a realidade comunitária da Igreja. Para muitos, o único contacto com a Igreja é a Missa dominical, dependendo portanto a sua fé desse momento. Se o cristão faltar à Missa dominical, virá gradualmente a faltar-lhe Cristo. Deverão empenhar-se na promoção do respeito pelo Dia do Senhor todos os membros do Povo de Deus, sobretudo o clero, as pessoas consagradas, os catequistas e os membros dos movimentos eclesiais. A assembleia sinodal deveria contribuir para redescobrir o profundo sentido teológico e espiritual do Domingo como dia do Senhor, favorecendo a sua celebração que, por sua vez, terá consequências positivas para os fiéis e suas famílias e para toda a comunidade. De facto, dedicando tempo ao Senhor todos os Domingos e festas de preceito, o homem, como pessoa e membro de uma família, descobre a hierarquia dos valores, com que deve conformar a sua existência, aproveitando o tempo livre para, em união com Deus, seu Criador e Redentor, se dar ao cultivo das suas capacidades humanas e cristãs a bem da sociedade inteira. Por isso, é importante manter o Domingo como dia não laboral, sobretudo nos países de tradição cristã. Diversas respostas aos Lineamenta pedem orientações pastorais capazes de motivar os fiéis a participar na Eucaristia, sobretudo ao Domingo. Na celebração do Dia do Senhor, os fiéis, frequentemente a braços com problemas pessoais, familiares e sociais de vária ordem, inseridos numa assembleia acolhedora, poderão receber da Eucaristia, fonte de luz, de paz e consolação espiritual, a força necessária para transformar a sua via e o mundo segundo os planos de Deus Pai em Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, sente-se a necessidade de garantir a celebração da Missa ao maior número possível de fiéis, de insistir sobre as disposições essenciais para receber dignamente a Eucaristia, ou seja, o estado de graça e o jejum, de prestar assistência pastoral aos que vivem em condições morais que não lhes permitam participar na Comunhão sacramental. No contexto desta última, propõe-se que se apresente de forma resumida a doutrina sobre a Comunhão espiritual ou de desejo, baseada nos privilégios conferidos pelo Baptismo e que é a única forma de Comunhão, a que muitos podem ter acesso por falta objectiva ou subjectiva de condições para a Comunhão sacramental. Podem fazer sempre a Comunhão espiritual, por exemplo, as pessoas idosas e enfermas que nutrem amor pela Eucaristia e que participam na comunhão dos santos com grande benefício espiritual para elas próprias e para a Igreja, enriquecendo-a com os seus sofrimentos oferecidos a Deus. Assim, se completa o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu Corpo, que é a Igreja (cf. Col 1,24), e proclama-se o “Evangelho do sofrimento”,[99] que o Mestre confiou aos seus discípulos com o seu sacrifício, de que a Eucaristia é memorial. Levar a redescobrir o sentido de alegria da celebração eucarística dominical é um dos muitos desafios pastorais lançados à Igreja no mundo de hoje, cada vez mais inclinado a conceber a festa apenas como momento de diversão superficial e não como momento de comunhão e de celebração. Outro desafio igualmente exigente é suscitar interesse pela participação das famílias na Santa Missa. Assim, a família – igreja doméstica – alarga os seus horizontes cristãos e, na comunhão com outras famílias, descobre que é parte viva da grande família de Deus, a Igreja Católica. Por fim, a celebração dominical dos católicos torna-se um sinal distintivo para os mesmos, nomeadamente nos países onde são minoria. Rezando juntos e convertendo, depois, essa atitude em obras de caridade, contribui-se eficazmente para melhorar a sociedade, sobretudo nas nações em que, por tradição, domina uma visão individualista da relação do homem com a divindade. IVª PARTE A EUCARISTIA NA MISSÃO DA IGREJA Capítulo I A ESPIRITUALIDADE EUCARÍSTICA “Permanecei em Mim, e Eu permanecerei em vós. Como a vara não pode dar fruto por si mesma, se não permanecer na cepa, assim vós também não, se não permanecerdes em Mim” (Jo 15, 4) A Eucaristia, fonte da moral cristã 72. A metáfora do Evangelho de São João, inserida no discurso da última Ceia, adquire um significado, não só eclesial, mas também moral, porque a vida da graça recebida através da Eucaristia torna-se garantia da verdadeira comunhão eclesial e também de uma vida moral caracterizada pelas boas obras e por uma rectidão no agir, própria de quem está unido vitalmente a Cristo. Não poucas respostas aos Lineamenta insistem no sentido pessoal e eclesial da Eucaristia em relação à vida moral, à santidade e à missão no mundo. A presença e acção permanentes do Espírito Santo, dom do Senhor ressuscitado, recebido através da Comunhão, são fonte do dinamismo da vida espiritual, da santidade e do testemunho dos fiéis. Portanto, a Eucaristia e a vida moral são inseparáveis, já porque, alimentando-se do santo Sacramento, se obtém a transformação interior, já porque a Eucaristia leva o homem renascido no Baptismo a uma vida segundo o Espírito, uma nova vida moral, que não é segundo a carne. A Eucaristia reforça verdadeiramente o sentido cristão da vida, enquanto a sua celebração é um serviço a Deus e aos irmãos e leva a um testemunho dos valores evangélicos no mundo. Assim, as três dimensões da vida cristã, liturgia – martyria – diakonia, exprimem a continuidade entre o Sacramento celebrado e adorado, o empenho de testemunhar Cristo no meio das realidades temporais e a comunhão construída através do serviço da caridade, sobretudo em favor dos pobres. 73. Diversas respostas insistiram na relação entre Eucaristia e vida moral, evidenciando uma notável tomada de consciência da importância do empenho moral derivado da comunhão eucarística. Não faltam referências ao facto de demasiados fiéis se abeirarem do Sacramento sem reflectir suficientemente sobre a moralidade da sua vida.[100] Há quem receba a Comunhão mesmo negando a doutrina da Igreja ou dando público apoio a opções imorais, como o aborto, sem pensar que estão cometendo actos de grave desonestidade pessoal e dando escândalo. Existem, de facto, católicos que não compreendem porque seja pecado grave apoiar politicamente um candidato abertamente favorável ao aborto ou a outros actos graves contra a vida, a justiça e a paz. Desse comportamento deduz-se, entre o mais, que o sentido de pertença à Igreja está em crise e que não é clara a distinção entre pecado venial e pecado mortal. Muitas respostas observam também que alguns católicos não se diferenciam das outras pessoas, cedendo à tentação da corrupção, nas suas diversas expressões e níveis. É frequente separar as exigências específicas da vida moral da função da Igreja como mestra de vida, pensando que os ensinamentos desta tenham de passar pelo filtro da consciência individual. E há âmbitos, em que os Pastores se viram na necessidade de explicar o porquê da contradição de invocar a liberdade de consciência ou a liberdade religiosa como critério para não seguir o ensinamento da Igreja. Insiste-se no dever dos fiéis de procurar a verdade e de formar uma consciência recta. Mas também há muitos que se esforçam por integrar a Eucaristia na própria vida e considerá-la fonte de força para vencer o pecado. É o que acontece sobretudo nas paróquias, onde existe uma forte presença de ministérios diversificados, de organizações de caridade, grupos de oração e associações de leigos. 74. As respostas aos Lineamenta dão sugestões para superar a dicotomia entre o ensinamento da Igreja e o comportamento moral dos fiéis. Assinala-se, antes de mais, a conveniência de dar mais ênfase à necessidade da santificação e conversão pessoais e de insistir ainda mais na unidade entre o ensinamento da Igreja e a vida moral. Além disso, os fiéis deverão ser constantemente encorajados a se capacitar de que a Eucaristia é a fonte da força moral, da santidade e de todo o progresso espiritual. Por fim, considera-se de importância fundamental sublinhar na catequese a ligação entre a Eucaristia e a construção de uma sociedade justa, através da responsabilidade pessoal de cada um de participar activamente na missão da Igreja no mundo. Nesse sentido, especial responsabilidade cabe aos católicos que ocupam lugares de destaque na política e nas várias actividades sociais. A Igreja deposita uma grande esperança nos seus jovens, cada vez mais atentos à Eucaristia, tesouro precioso, fonte inesgotável para a renovação da vida da Igreja e para a esperança do mundo. Não surpreende, portanto, que o tema escolhido para o Dia Mundial da Juventude, a celebrar em Colónia de 16 a 21 de Agosto de 2005, “Viemos para adorá-l’O” (Mt 2,3), tenha um profundo significado eucarístico. Merece especial atenção o válido contributo que esse importante acontecimento oferece à reflexão sinodal. A propósito, o Papa João Paulo II afirmava: “A Eucaristia é o centro vital, em redor do qual, desejo que os jovens se congreguem para alimentar a sua fé e o seu entusiasmo”.[101] Daí a pertinência da sugestão de, também nas escolas católicas, se dar importância à educação das jovens gerações à fé, especialmente à espiritualidade eucarística. A Eucaristia, que é Presença do Corpo e Sangue de Jesus Cristo ressuscitado, leva à perfeição e à santidade da vida cristã. Para alcançar esse ideal, são necessárias a graça de Deus, a boa disposição dos crentes e uma catequese permanente para todas as categorias de pessoas. Pessoas e comunidades eucarísticas 75. A Eucaristia mostra a sua eficácia nos frutos de vida nova que produz sobre a terra, frutos de santificação e divinização, ou seja, de vida eterna. Nesse sentido, a Eucaristia revela-se como Sacramento de alta espiritualidade. Muitas respostas assinalam um avanço positivo na espiritualidade eucarística. De facto, em muitos lugares assiste-se, neste últimos anos, a uma reafirmação da adoração do Santíssimo Sacramento. A propósito, acena-se a um crescimento da devoção eucarística nas igrejas paroquiais e de reitorias, como provam-no o tempo dedicado à adoração eucarística e a criação de capelas especiais para esse fim. Continua a ser muito estimada a procissão do Corpo de Deus e promovida a Liturgia das Horas diante do Santíssimo exposto. É igualmente importante, neste aspecto, a devoção inculcada pelos novos movimentos. Onde existe uma verdadeira formação catequética e litúrgica, os fiéis compreendem claramente a diferença entre a Missa e as demais celebrações litúrgicas ou práticas devocionais, participando piamente em todas as iniciativas eucarísticas propostas pelos seus pastores. Em geral, pode dizer-se que em todas estas práticas a devoção encontra alimento, que se traduz numa doação de si próprio – espírito, alma e corpo – ao Senhor. Mas também há respostas que referem situações menos encorajadoras: o abandono da prática da bênção eucarística; o prolongado encerramento diurno das igrejas, talvez com medo de furtos, o que impede a adoração eucarística privada dos fiéis; a colocação do sacrário em lugares pouco significativos ou afastados, difíceis de encontrar, pelo que a maioria dos fiéis, ao entrar na igreja, nem se apercebe da presença do Santíssimo Sacramento, deixando de rezar; o enfraquecimento do costume da visita ao Santíssimo para a oração pessoal e a meditação; a falta de uma catequese que ensine a diferença entre a Santa Missa e as outras celebrações litúrgicas ou práticas devocionais; uma visão demasiado individualista da Missa, que não permite apreciar devidamente a dimensão comunitária do sacrifício eucarístico. 76. São diversas as respostas aos Lineamenta que pedem uma maior tomada de consciência da dimensão eclesial da Eucaristia que supere todo o individualismo, e uma renovação da espiritualidade eucarística que apresente o Sacramento como início da redenção do mundo, integrando também a devoção a Cristo ressuscitado. Exprime-se a necessidade de promover de forma adequada o conhecimento da vida dos santos e beatos que foram modelos de espiritualidade e de vida eucarística, fazendo-se eco da recomendação presente na Encíclica Ecclesia de Eucharistia.[102] Eles ensinam-nos a centrar a vida cristã no mistério da Eucaristia, a adorar a presença do Senhor no Santíssimo Sacramento, a alimentar-nos do Pão de Vida que anima o nosso peregrinar para a Pátria celeste. Para todos os santos, a Eucaristia é o centro e o fulcro da vida espiritual, mas foram muitos os que desenvolveram uma espiritualidade genuinamente eucarística, desde Santo Inácio de Antioquia a São Tarcísio, de São João Crisóstomo a Santo Agostinho, de Santo Antão a São Bento, de São Francisco de Assis a São Tomás de Aquino, de Santa Catarina de Sena a Santa Clara de Assis, de São Pascal Bailão a São Pedro Julião Eymard, de Santo Afonso de Ligórioao Servo de Deus Carlos de Foucauld, de São João Maria Vianney ao Beato Józef Bilczewski, do Beato Ivan Mertz à Beata Teresa de Calcutá, para citar apenas alguns exemplos de um nutrido elenco.[103] Maria, mulher eucarística 77. Entre todos os santos, a Santíssima Virgem Maria resplandece como modelo de santidade e de espiritualidade eucarística. Na tradição viva da Igreja, o seu nome é recordado com veneração em todas as anáforas da Santa Missa e com particular realce nas Igrejas Orientais católicas. São várias as respostas que pedem para especificar melhor o papel da Bem-aventurada Virgem Maria na liturgia eucarística. Maria está de tal maneira ligada ao mistério eucarístico que mereceu que o Papa João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, justamente a chamasse “Mulher eucarística”[104] Na existência de Maria de Nazaré, exprime-se de forma sublime, não só a relação exclusiva entre a Mãe e o Filho de Deus que recebeu Corpo e Sangue do seu corpo e do seu sangue, mas também a íntima relação que une a Igreja e a Eucaristia, já que a Santíssima Virgem é modelo e figura da Igreja, cuja vida e missão têm a fonte e o ápice no Corpo e Sangue do Senhor Jesus Cristo. A orientação eucarística de Maria deriva de uma atitude interior que marca toda a sua vida, mais que da participação activa no momento da instituição do sacramento. A sua existência, que tem um profundo sentido eclesial, assume também esta nota eucarística. Maria viveu em espírito eucarístico, ainda antes de este sacramento ser instituído, pelo facto de ter oferecido o seu seio virginal à incarnação do Verbo de Deus. Durante nove meses, foi o tabernáculo vivo de Deus. Depois, realizou um gesto eucarístico e, ao mesmo tempo, eclesial, quando apresentou o Menino Jesus aos pastores, aos magos e ao Sumo Sacerdote no Templo, enquanto oferecia o Fruto bendito do seu seio ao Povo de Deus e também aos gentios para que O adorassem e O reconhecessem como Messias. Análogo acto foi a sua presença e a sua solícita intercessão em Caná, na hora do primeiro sinal que o Filho deu, oferecendo-Se através de um milagre. Semelhante gesto teve a Virgem Mãe aos pés da cruz, participando nos sofrimentos do seu Filho e, depois, acolhendo nos braços o seu corpo e depondo-o numa sepultura como semente secreta de ressurreição e de vida nova para a salvação do mundo. Foi ainda uma oferta de natureza eucarística e eclesial a sua presença na efusão do Espírito Santo, primeiro dom do Senhor ressuscitado à Igreja nascente. A Virgem Maria teve consciência de ter concebido Cristo para a salvação de todos os homens. Essa consciência tornou-se mais clara na sua participação ao mistério pascal, quando o seu Filho com as palavras: “Mulher, eis o teu filho” (Jo 19,26), lhe confiou, na pessoa do apóstolo João, todos os fiéis. Como a Virgem Maria, também a Igreja torna presente o Senhor Jesus através da celebração da Eucaristia para dá-l’O a todos a fim de que tenham a vida em abundância (cf. Jo 10,10). Capítulo II A EUCARISTIA E A MISSÃO DE EVANGELIZAÇÃO “Ide pois fazer discípulos de todas as nações, baptizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinai-lhes a cumprir tudo quanto vos mandei” (Mt 28, 19-20) Atitude eucarística 78. O mandato missionário de evangelizar todos os povos, confiado por Jesus aos discípulos e que está fundado no Baptismo, sacramento que abre o caminho a uma nova vida, marcada pelo carácter indelével de filhos de Deus, inclui a formação das consciências a um estilo de vida evangélica, centrado no anúncio da Boa Notícia e no mandamento novo do amor, de que a Eucaristia é o ápice e a fonte inesgotável. As respostas aos Lineamenta põem em evidência como exista em toda a parte a expectativa de um renovado fervor de evangelização, porque o mundo de hoje o pede. Cresce, de facto, o número de Baptismos de adultos e de adesão à Igreja. Mas continuam a ser muitos os que precisam de conhecer Cristo e o seu Evangelho, como existem tantos outros que, embora conhecendo-os, precisam de crescer na fé que professam. A todos eles se dirige hoje o esforço da nova evangelização. Foi o Papa João Paulo II a usar pela primeira vez essa expressão, explicando simultaneamente o seu significado. Queria ele dizer que a evangelização deveria ser “nova no seu ardor, nova nos seus métodos e nova na sua expressão”.[105] Assim, enquanto com essa definição se entendia uma novidade de testemunho já na atitude entusiasta dos evangelizadores, se afirmava, ao mesmo tempo, o conteúdo perene e imutável da Boa Nova, que é Jesus Cristo, a apresentar de novo e de forma adequada ao homem contemporâneo. Este novo impulso da evangelização, que se pode aplicar também ao primeiro anúncio do Evangelho, alimenta-se da Eucaristia, que nas mutáveis vicissitudes da história, se mantém perenemente fonte e ápice da vida e missão da Igreja. A Eucaristia corroborou sempre as opções e os comportamentos éticos e morais dos crentes, encontrando aceitação na filosofia, na arte, na literatura e até nas instituições civis e nas leis, e contribuindo para modelar o rosto de uma inteira civilização na vida pessoal e familiar, na vida cultural, política e social. A Eucaristia leva os cristãos a se empenharem em favor da justiça no mundo de hoje: “Para essa missão, a Eucaristia oferece, não só a força interior, mas também, em certo sentido, o projecto. Ela é, na realidade, um modo de ser que passa de Jesus para o cristão e, através do seu testemunho, tende a irradiar na sociedade e na cultura… Encarnar o projecto eucarístico na vida quotidiana, nos lugares onde se trabalha e vive – na família, na escola, na fábrica, nas mais diversas condições de vida – significa, para além do mais, testemunhar que a realidade humana não se justifica sem a referência ao Criador: sem o Criador, ‘a criatura não subsiste’”.[106] Tudo isto se chama “comportamento eucarístico”, que deve levar os cristãos a testemunhar mais vigorosamente a presença de Deus no mundo, a não ter medo de falar de Deus e de apresentar de cabeça erguida os sinais da fé no testemunho e no diálogo com todos. Por isso, a “cultura da Eucaristia”, a promover e difundir, será o especial compromisso deixado pelo Ano da Eucaristia.[107] As implicações sociais da Eucaristia 79. Um efeito essencial da Comunhão eucarística é a caridade que deve penetrar na vida social. O Concílio Vaticano II e o Papa Paulo VI falaram da presença diversificada de Cristo:[108] há que ajudar os cristãos a compreender o que significa para a fé a ligação entre o Cristo da Eucaristia e o Cristo presente nos seus irmãos e irmãs, sobretudo nos pobres e marginalizados da sociedade. O amor pelos pobres e marginalizados não foi apenas objecto da pregação de Jesus, mas deu sentido a toda a sua vida. A solução dos problemas grandes e pequenos da humanidade é o amor, não o fraco e retórico, mas o que Cristo nos ensina na Eucaristia; amor que se dá, que irradia e se sacrifica. Devemos rezar para que Cristo vença as nossas resistências humanas e faça de cada um de nós uma testemunha credível do seu amor. O tema do 48° Congresso eucarístico internacional, A Eucaristia, luz e vida do novo milénio, propôs-se afirmar que Cristo, sendo a luz do mundo, deve iluminá-lo no novo Milénio com a força de uma vida renovada segundo a lógica do Evangelho. No mundo de hoje, assim dito globalizado, pouco solidário e condicionado por uma tecnologia cada vez mais sofisticada, marcado pelo terrorismo internacional e por outras formas de violência e exploração, a Eucaristia mantém a sua mensagem actual, necessária para construir uma sociedade, onde prevaleçam a comunhão, a solidariedade, a liberdade, o respeito pelas pessoas, a esperança e a confiança em Deus. A Eucaristia e a inculturação 80. A fé torna-se cultura e cria cultura. Todos conhecemos o rico tesouro de cultura que, ao longo dos séculos, se sedimentou na liturgia do Oriente e do Ocidente: os textos das orações, a riqueza dos ritos, as obras da arquitectura, das artes plásticas e da música sacra. Tudo isto mostra como a religião está ligada à cultura, que é o conjunto de tudo o que de bom e de significativo a humanidade cria. A cultura oferece à fé os instrumentos capazes de exprimir a verdade revelada por Deus e proclamada na liturgia. A inculturação é o processo que, desde o início, acompanhou a Igreja. Existem muitos e excelentes exemplos de inculturação. Testemunham-no, por exemplo, as Igrejas Orientais católicas. Merece ser mencionada, a propósito, a obra dos Santos Cirilo e Metódio, Apóstolos dos povos eslavos.[109] O processo da inculturação mantém-se vivo também nas actuais comunidades eclesiais. Para poder pô-lo em prática de forma adequada, é preciso ter presentes a natureza meramente gratuita do acto redentor de Deus e a sua adequada compreensão e aceitação por parte do homem, na sua responsabilidade plena e na sua realidade, ao mesmo tempo, pessoal e comunitária, reflectidas na sua vida e cultura. Os princípios gerais da inculturação encontram-se claramente expressos no Decreto conciliar Ad gentes,[110] na Instrução Varietates legitimæ sobre a liturgia romana e a inculturação,[111] e em muitas outras intervenções do Magistério em matéria.[112] O tema da inculturação foi tratado também nas várias Assembleias Especiais continentais do Sínodo dos Bispos e nas respectivas Exortações Apostólicas pós-sinodais.[113] Todavia, as dificuldades não faltam, quando se procura aplicar esses princípios. Os riscos são sobretudo dois: o de cair no arcaísmo e o de uma procura da modernidade a todo o custo. O que não se deve esquecer é o fim da missão da Igreja: a evangelização de todos os homens no coração das suas culturas. A inculturação, portanto, não é uma simples adaptação, mas o resultado vivo do encontro vivido entre a cultura de um certo ambiente e a cultura gerada pelo Evangelho. Daí que, antes de decidir sobre a integração de certos elementos de uma cultura local na liturgia, convenha que o Evangelho seja anunciado e se empreenda um grande esforço de educação à fé, ou seja, de catequese e formação a todos os níveis, para fazer nascer uma nova cultura evangelizada. Só então as Conferências episcopais e outros organismos competentes deverão avaliar se a introdução na liturgia de elementos inspirados nos costumes dos povos, embora constituindo parte vida da sua cultura, podem enriquecer a acção litúrgica sem repercussões desfavoráveis para a fé e a piedade dos fiéis. 81. Das respostas aos Lineamenta deduz-se que, nas diversas partes do mundo ocidental, a inculturação normalmente se restringe a grupos de emigrantes e a paróquias étnicas, sendo vários os esforços realizados nesse campo. Noutras áreas geográficas, o tema está a tornar-se uma prioridade pastoral. Em todo o caso, sobre o tema da inculturação litúrgica, há que respeitar as normas dos documentos oficiais da Igreja, que dão oportunos critérios pastorais, tendo sempre presente que é necessária uma grande fidelidade ao Espírito Santo para “conservar imutável o depósito da fé, por mais variadas que se apresentem as formas da oração e dos sagrados ritos”.[114] Precisamente por isso, é necessário manter um grande equilíbrio entre a tradição, que exprime uma fé inalterada na Eucaristia, e a adaptação às novas condições. Algumas respostas aludem a certos problemas resultantes das tentativas de inculturação litúrgica, que, embora feitas em boa fé, podem projectar sombras sobre a Eucaristia. A esse respeito, observa-se que nem sempre os elementos locais, como cantos, gestos, danças e vestes, são convenientemente submetidos a uma purificação para se incorporar na celebração litúrgica apenas o que convém ao culto eucarístico. Não faltaram também casos de adaptações litúrgicas promovidas em boa fé, mas sem um adequado conhecimento da cultura local, causando escândalo entre os fiéis, que ficam perplexos ao ver atribuir à Eucaristia significados impróprios, típicos de alguns seus ritos. Doutras respostas aos Lineamenta sobressaem, pelo contrário, aspectos positivos em matéria de inculturação, sobretudo no campo da música sacra. Em todo o caso, recomenda-se que a inculturação seja feita sob a responsabilidade do Ordinário diocesano, com a supervisão da Conferência episcopal e a recognitio da Santa Sé. Ao mesmo tempo, pede-se para se observarem fielmente as normas comuns no campo da inculturação e da inovação, para evitar que, em nome da inculturação, se façam mudanças inconvenientes. Pede-se para conservar o uso do latim, sobretudo nas celebrações de carácter internacional, de modo a exprimir a unidade e a universalidade da Igreja relativamente ao rito da Igreja-Mãe de Roma. A propósito, conviria que os cristãos de todos os países fossem capazes de rezar e cantar em latim alguns textos fundamentais da liturgia, como o Glória, o Credo, o Pai Nosso. A Eucaristia e a paz 82. Antes de distribuir a Sagrada Comunhão, o bispo ou o presbítero rezam ao Senhor Jesus Cristo ressuscitado, que disse aos seus discípulos “deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz” (Jo 14,27). O celebrante pede ao Senhor Jesus que conceda à Igreja união e paz segundo a sua vontade.[115] A Eucaristia é o Sacramento da paz, consumada na reconciliação com Deus e com o próximo através do sacramento da Penitência; ela torna actual a graça que o Senhor ressuscitado exprimiu com as palavras “a paz esteja convosco” (Jo 20,19). O sacramento da Eucaristia, além disso, oferece aos crentes a graça para pôr em prática o espírito das Bem-aventuranças e, de modo especial, a proclamação de Jesus Cristo: “Felizes os obreiros da paz” (Mt 5,9). Com o sacrifício da cruz, Jesus alcança a vitória sobre o pecado, sobre a morte e sobre todas as divisões e ódios. Ressuscitado, concede a sua paz aos que estão perto e aos que estão longe (cf. Ef 2,17). A paz dos corações, das famílias, das comunidades e da Igreja, é o dom do Senhor ressuscitado, presente no sacramento da Eucaristia. Quem se aproxima desse sacramento deve já ter em si a paz de Deus, que o pecado destrói. Enquanto o acto penitencial no início da Santa Missa purifica dos pecados veniais, para os pecados mortais é necessária a absolvição sacramental. A Eucaristia reforça, já por si, esse dom da paz e oferece a todos os que a recebem a graça de se tornarem, por sua vez, obreiros de paz nos ambientes onde vivem e trabalham. 83. Os fiéis deverão redescobrir a Eucaristia como força de reconciliação e de paz com Deus e entre os irmãos. No mundo actual, em que são tantos os motivos de divisão e diferenciação, mesmo legítima, convém que os cristãos, reunidos à volta da mesa do Senhor, redescubram as suas raízes comuns, que se encontram n’Ele. Na oração, na reflexão e na adoração, os fiéis, ajudados pela Palavra de Deus e pela homilia do celebrante, serão confortados na sua fé, caridade e esperança, para poderem empenhar-se cada vez mais e melhor no urgente dever de construir um mundo melhor, mais justo e pacífico. Respeitarão as diferentes opções políticas e sociais, uma vez que não estejam em contradição com as normas fundamentais do Evangelho que inspiraram a Doutrina social da Igreja. Nem sempre, porém, se tem consciência dessa dimensão da Eucaristia, e assim se tornam contraditórias e escandalosas as situações de prolongado conflito entre as pessoas e entre as comunidades. Pacificada nos seus fiéis, a Igreja celebra e adora a Eucaristia como sacramento de piedade, sinal de unidade e vínculo de caridade.[116] 84. Beneficiando do manancial de graça, que é a Eucaristia, a Igreja promove a causa da paz no mundo, dilacerado por conflitos, violências, terrorismo e guerras que ferem a dignidade dos homens e dos povos e dificultam todo o seu progresso. A Igreja Católica não se cansa de proclamar o Evangelho da paz (cf. Ef 6,15) e, promovendo iniciativas de diversa ordem para fazer cessar toda a guerra, encoraja com o diálogo e a colaboração a construção da paz no mundo. A Eucaristia, memorial do sacrifício de Jesus Cristo, que é “a nossa paz e Aquele que fez de judeus e gentios um só povo e derrubou a barreira que os separava, a inimizade” (Ef 2,14), orienta a Igreja para essa missão urgente e difícil, abrindo-a à colaboração com os homens de boa vontade. A Eucaristia, sacramento dos reconciliados com Deus e com os irmãos (cf. Col 1,22), torna-se também incitamento ao exercício do “ministério da reconciliação” (2 Cor 5,18). Sabendo, pela Palavra de Deus, que todos pecaram (cf. Rom 3,23) e que, portanto, todos precisam de perdão, a Igreja convida os homens a saírem do círculo vicioso da violência e do ódio, encontrando a força de pedir perdão e perdoar. Em nome da Igreja, o Santo Padre e a Santa Sé estão activamente presentes nos foros internacionais, apoiando vigorosamente a c

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