A desesperança de vida

Vale ou não a pena o prolongamento da vida? Até quando? Para quê? Colocados inquestionavelmente os termos éticos – a vida humana é intocável desde o primeiro instante até ao último alento – pergunta-se por esse grande intervalo que é todo o tempo em que assumimos a existência desde o crescimento até ao declínio. É aí que se joga conscientemente a nossa breve felicidade. O respeito pela vida nesse tempo essencial ilumina toda a defesa da vida como um todo de alta dignidade que constitui cada segundo da existência humana. Mas as contas da segurança social (não só por cá) começam a deixar supor que viver muito custa caro, os idosos são um peso para os jovens, a chamada esperança de vida é um desespero para os contabilistas que não sabem como esticar os descontos de alguns anos de trabalho em favor de “muitos” anos de velhice, inactividade, despesa pública e, como se presume de alguns discursos, de desperdício de vida. Nesse caso, e usando legitimamente uma fracção de ironia, os hospitais poderiam colaborar, juntamente com as ambulâncias, as farmácias, os médicos, desmobilizando-se dos fatigantes esforços de prolongar a vida a quem já deveria produzir rendimentos públicos com a sua inofensiva ausência. Ainda por cima – e para fechar este capítulo de pressupostos indecorosos – com gente que, além de quase apenas vegetar, sente que já não faz nada nem nada de interessante tem a fazer cá por baixo. Importa aqui fazer breve viagem por outro circuito: o controlo da natalidade é um dado adquirido e inteligente do desenvolvimento. Toda a gente sabe que nenhum homem ou mulher deve ter o número de filhos que fisicamente é capaz de gerar. Mas o que parece óbvio é que à antiga ausência de contas demográficas sucedeu um cálculo estreito e acomodado a razões pragmáticas. Como referiu o Público, as “famílias de filho único representam um terço do total a nível nacional”. O que gera, como se sente, uma sociedade de velhos pela simples razão de definir os filhos como um peso primário e como um deficit insustentável para o orçamento familiar. Aqui começa outra história: a lógica desta atitude infere-se de diversos recantos: cultura, economia, concepção de vida, amor, entrega gratuita, partilha radical do ser e do ter. Quanto a velhice, senectude, terceira idade, ou a eufemística expressão de idoso, presbítero, ancião, vetusto, provecto – tudo não passa duma sobrecarga de desafectos que tem origem na concepção da vida como um peso. Mesmo quando o não soube dizer bem – o cristianismo sempre celebrou a vida humana numa dimensão única, original e profética, sem margem para ambiguidades. António Rego

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