Carta Pastoral de D. Jacinto Botelho, aos cristãos de Lamego “Quando apareciam as vossas palavras, eu tomava-as como alimento: a vossa palavra era o encanto e a alegria do meu coração”.(Jer. 15, 16) I Na Quinta-Feira Santa de 2001 entreguei “a todo o Povo de Deus desta querida Igreja Diocesana de Lamego, a Carta Pastoral – O nosso Caminho no novo Milénio – orientadora do rumo pastoral para os 10 anos de pontificado que a realidade das circunstâncias me atribuirá e a Graça de Deus me providencia. Duas coordenadas me nortearam neste itinerário, estimulado pela vivência do Grande Jubileu e inspirado na Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte: unidade e formação. Dividi aquele período em ciclos de três anos que deverão significar um progresso responsável de consciência de comunidade e consequente testemunho cristão. Decorreram os primeiros três, centrados na preocupação de descobrirmos a nossa identidade de baptizados, inseridos na grande Família de Deus, chamados a uma relação próxima e fraterna de uns com os outros. Movimentou-se a Diocese e foram diversificadas as iniciativas concretizadas, para que a Igreja de Lamego crescesse na consciência de ser comunidade, com as consequências que daí advêm. Agradecemos ao Senhor o trabalho realizado e a colaboração dos nossos sacerdotes, muito especialmente da equipa de reflexão que tem preparado os esquemas dos projectos pastorais para cada ano; e demais pessoas particularmente empenhadas na pastoral das paróquias e dos arciprestados. Foram reestruturados, de harmonia com o projecto apresentado, os sectores da pastoral da evangelização e da pastoral social, com a renovação dos respectivos Secretariados Diocesanos. Todos nos damos conta de que a caminhada não foi uniforme na Diocese, diversificada nas situações concretas, humanas e geográficas. Não raramente, por causa do despovoamento das paróquias, a carência de recursos eficientes, dificultou o trabalho e tornou, embora com menos resultados, mais meritório o esforço dos nossos párocos e agentes de pastoral. II Iniciamos neste Ano Pastoral – 2004/5 – o novo ciclo dedicado à descoberta da Palavra de Deus. Como sempre, queremos vivê-lo em Igreja, congregada e consolidada pela mesma Palavra, e numa disposição de fidelidade à orientação de Sua Santidade. Providencialmente, coincide o início deste ciclo com o Ano da Eucaristia, promulgado por João Paulo II. Não pede o Papa às Igrejas particulares “para interromperem os «caminhos» pastorais que estão a fazer, mas para neles dar relevo à dimensão eucarística, própria de toda a vida cristã”. Somos desafiados, isso sim, a fazer a experiência que fizeram os discípulos de Emaús, quando ao cair da noite, regressavam tristes, frustrados e cansados a sua casa. “Ao longo do caminho das nossas dúvidas, inquietações e às vezes amargas desilusões, o divino Viajante continua a fazer-se nosso companheiro para nos introduzir com a interpretação das Escrituras, na compreensão dos mistérios de Deus. Quando o encontro se torna pleno, à luz da Palavra segue-se a luz que brota do «Pão da Vida, pelo qual Cristo cumpre de modo supremo a sua promessa de «estar connosco todos os dias até ao fim do mundo»”. A circunstância de vivermos “um ano inteiramente dedicado a este admirável sacramento”, levar-nos-á a descobrir com particular clareza a vitalidade, a força e a actualidade da Palavra que se fez Carne para que tivéssemos a Vida e a tivéssemos em abundância. As Suas Palavras fazem sempre «arder» os corações dos discípulos. Perdeu-se em grande parte o fervor e o entusiasmo pela Eucaristia, evidenciado na queda acentuada da frequência à Missa dominical, com uma insensibilidade que não pode deixar-nos passivos e indiferentes. Igualmente em muitos lugares, quase desapareceram devoções que eram tradicionais e muito frequentadas nos nossos meios rurais: a adoração ao SS. Sacramento nas tardes de Domingo, as Horas de Adoração mensais, o Sagrado Lausperene. Há, graças a Deus, edificantes e fervorosos testemunhos nestas práticas, que bem desejaríamos contagiassem todas as comunidades. É preciso retomar a pedagogia do Senhor na viagem de Emaús: aquecer o coração com a interpretação das Escrituras. Há entre a Eucaristia e a Palavra uma relação profunda, como sabermos, e que o Santo Padre sublinha na recente Carta Apostólica Fica Connosco Senhor. “A Eucaristia é luz antes de mais nada porque, em cada Missa, a liturgia da palavra de Deus precede a liturgia Eucarística, na unidade das duas «mesas». […] Os Padres do Concílio Vaticano II, na constituição Sacrosanctum Concilium, quiseram que a «mesa da Palavra» abrisse com maior abundância os tesouros da Sagrada Escritura aos fiéis. Por isso consentiram que, na celebração litúrgica, especialmente as leituras bíblicas fossem apresentadas na língua compreensível a todos. É´ o próprio Cristo que fala, quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura. Ao mesmo tempo recomendaram ao celebrante a homilia como parte da própria liturgia, destinada a ilustrar a Palavra de Deus e a actualizá-la na vida cristã. Passados quarenta anos do Concílio, o Ano da Eucaristia pode constituir uma importante ocasião para as comunidades cristãs fazerem um exame sobre este ponto. De facto, não basta que os textos bíblicos sejam proclamados numa língua compreensível, se tal proclamação não é feita com o cuidado, preparação prévia, escuta devota, silêncio meditativo que são necessários para que a Palavra de Deus toque a vida e a ilumine”. É o trabalho pastoral que desenvolveremos nestes três anos. Procuraremos empreendê-lo com o espírito e a docilidade dos Padres do Concílio Vaticano II, expresso no Proémio da Constituição Dogmática sobre a Divina Revelação, Dei Verbum, que será referência fundamental na reflexão dos próximos anos: “O Sagrado Concílio, ouvindo com devoção a Palavra de Deus e proclamando-a desassombradamente, faz suas as palavras de S. João, quando diz: anunciamo-vos a Vida eterna que estava junto do Pai e que se manifestou a nós; o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos para que também vós estejais em comunhão connosco. E nós estamos em comunhão com o pai e o Seu Filho, Jesus Cristo.” Animar-nos-á a solicitude pastoral bem manifesta nas palavras de ordem dos Padres Conciliares na Constituição acima citada: “O santo Concílio exorta com particular veemência todos os fiéis … a que aprendam a maravilha que é o conhecimento de Jesus Cristo, com a leitura frequente das divinas escrituras, porque «desconhecer as escrituras é desconhecer Cristo». Debrucem-se, pois, amorosamente sobre o texto sagrado, quer através da sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por cursos apropriados, quer ainda através de outros meios que em nossos dias, com a aprovação dos Pastores da Igreja, se vão difundindo louvavelmente por toda a parte”. A equipa de reflexão ligada à Vigararia da Coordenação Pastoral, elaborará, como tem feito nos anos transactos, os esquemas que vão ajudar a realizar estes objectivos. O esforço de todos neste projecto pastoral: bispo, sacerdotes, diáconos, religiosos e demais pessoas consagradas, leigos responsáveis nos vários sectores e departamentos do apostolado, jovens e adultos, concretizará o voto formulado pelos Padres do Concílio, no Epílogo da citada Constituição: “Assim, pois, com a leitura e estudo dos livros sagrados que a palavra do Senhor avance e seja glorificada e que o tesouro da Revelação, confiado à Igreja encha cada vez mais o coração dos homens. Assim como a vida da Igreja se desenvolve com a participação assídua no mistério eucarístico, assim também é lícito esperar um novo impulso de vida espiritual com a redobrada veneração da palavra de Deus, que permanece para sempre.” III Sem prejuízo das orientações que venham a ser dadas, gostaria de terminar esta breve Carta com algumas sugestões de ordem prática: 1. Em todas as reuniões e encontros deste ano pastoral, dê-se algum tempo à proclamação de um texto adequado da Palavra de Deus, se possível comentado e partilhado. 2. Sejam preparadas cuidadosamente as leituras das celebrações litúrgicas, especialmente as proclamadas na Santa Missa. 3. Promovam-se, a nível diocesano ou arciprestal, cursos de formação de Leitores, à semelhança dos que se têm organizado para Acólitos. 4. Retomem-se com a frequência que se achar mais conveniente, as devoções diante do Santíssimo Sacramento, nas tardes de Domingo, com relevo para a proclamação e meditação da Palavra de Deus; e incremente-se a prática da Visita ao SS. Sacramento, individualmente ou em grupo. 5. Restaure-se na Diocese o Sagrado Lausperene e multipliquem-se as tradicionais Horas de Adoração, ocasião privilegiada para interiorizar a Palavra. 5. Actualize-se e dinamize-se o Secretariado Diocesano de Liturgia. 6. Incentive-se a participação no curso de reciclagem para o Clero, sobre o tema do triénio, já previsto para a Semana a seguir à Páscoa. 7. Neste Ano da Eucaristia, com a colaboração dedicada dos nossos Ministros Extraordinários da Comunhão, não falte aos doentes, a luz da Palavra e o Pão da Vida, consolação e força de quantos sofrem no corpo ou no espírito. 8. Pratique-se a caridade como exigência e consequência duma autêntica piedade eucarística. Que a Virgem Maria, dócil à voz do Espírito, Mulher do silêncio e da escuta e Mulher Eucarística, o primeiro «sacrário» da história, acompanhe e proteja o peregrinar desta Diocese de Lamego que responsavelmente, iluminada pela Palavra e alimentada pela Eucaristia, quer crescer na fé, na comunhão e no testemunho. Documentos a utilizar: Constituição Dogmática Dei Verbum do Concílio Vaticano II Catecismo da Igreja Católica Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia de João Paulo II Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine de João Paulo II Lamego, Solenidade de Cristo Rei e Dia da Igreja Diocesana, de 2004.