A irmã espanhola que o Papa lembrou na canonização de Madre Teresa
Viveu amando os mais pobres até ser assassinada na sequência de um assalto na cidade de Port-au-Prince, no Haiti. Isabel Solá Matas viveu para os outros até ao último instante, sempre na pressa de ajudar, de fazer o bem, de levar sorrisos, de ser rosto da bondade de Deus.
Estava no Haiti há poucos meses quando a terra tremeu de forma brutal. Era o dia 12 de Junho de 2010. Num instante as pessoas viram a cidade de Port-au-Prince sucumbir. Eram quase cinco horas da tarde. As casas ruíram engolindo gritos de pessoas. Parecia o fim do mundo. Isabel Solá Matas trabalhava numa escola que se transformou num cemitério. Isa, como era conhecida a irmã espanhola, estava no Haiti vinda de África, da Guiné Equatorial. Tinha 45 anos quando o sismo ceifou a vida a mais de 300 mil pessoas.
Não foi só a escola que se transformou num cemitério. A própria capital do Haiti morreu nesse dia, derrotada pela violência do sismo. Nem o palácio presidencial ou a catedral de Notre-Dame resistiram ao abalo. Isa tentou até à exaustão salvar as pessoas presas na armadilha dos escombros. Pessoas aos gritos por socorro. Isabel Solá Matas não parou. Esteve dias sem comer nem beber. A urgência era outra. Não havia tempo a perder. Um ano mais tarde, em 2011, haveria de falar dessa corrida contra o tempo. “Tive o privilégio de testemunhar muitos milagres”, disse. “Se Deus não desiste de ninguém, porque hei-de eu fazê-lo?”
Isa foi sempre assim. Determinada. Tinha 19 anos quando decidiu seguir a vida religiosa. Deus inquietava-a. Entrou para a Congregação das Religiosas de Jesus e Maria. Queria ser missionária em África e foi para a Guiné-Equatorial. Ficou por lá quase duas décadas. O Haiti, a segunda etapa na sua vida missionária, causava-lhe desgosto por saber que naquela terra corrupção, colonialismo, violência, pobreza, e a indiferença da comunidade internacional. Quando foi para o Haiti, mudou-se mesmo, sem prazo. “O Haiti é a minha casa, a minha família, o meu trabalho, o meu sofrimento e a minha alegria, e o meu local de encontro com Deus.”
Os sapatos dos pobres
Isa nasceu em 1965, em Barcelona, no seio de uma família burguesa. Os pais eram empresários e ela a única rapariga no meio de seis irmãos. Quando decidiu que iria seguir a vida religiosa, aos 19 anos, os que a conheciam melhor não estranharam. Um dos seus amigos haveria de a descrever como alguém que tinha o sonho de se perder nos lugares mais miseráveis do mundo e de calçar os sapatos dos pobres. Foi o que fez em África. Foi o que fez no Haiti até ao dia 2 de Setembro de 2016. Foi assassinada a tiro quando o carro em que viajava foi bloqueado por dois jovens que se deslocavam de mota. Foi um assalto. Mataram-na por quererem roubar a sua mala, como se ela andasse com dinheiro ou jóias ou coisas de valor. Foi assassinada quando a sua cabeça fervilhava de projectos, de ideias, de iniciativas. Logo após o sismo, Isa procurou salvar o maior número possível de pessoas. Depois, a sua prioridade foi criar uma oficina para a produção de próteses para os inúmeros amputados por causa do terramoto.
Quando foi assassinada, uma sexta-feira, a Irmã Isabel procurava construir uma escola que substituísse a que ruiu no sismo e uma clínica móvel que levasse cuidados médicos às zonas rurais. Morreu, mas não foi esquecida. Dois dias depois, a 4 de Setembro, a Praça de São Pedro no Vaticano encheu-se para a cerimónia de canonização da Madre Teresa de Calcutá. O Papa, perante uma multidão calculada em mais de 100 mil pessoas, pediu, no final dessa cerimónia, as orações dos fiéis “pela Irmã Isabel, uma missionária espanhola assassinada há dois dias no Haiti”, e recordou “as muitas religiosas que doam totalmente a sua vida”. Isabel Solá Matas foi uma dessas irmãs. Viveu para os outros até ao fim, até ao último instante da vida, sempre na pressa de ajudar, de fazer o bem, de levar sorrisos, de ser o rosto da bondade de Deus.
Paulo Aido | www-fundacao-ais.pt