A cruz escondida

A casa grande de Jessine onde crianças abandonadas redescobrem o amor

Anjos da guarda

Em Jezzine, no Líbano, todos conhecem o orfanato das irmãs. É um edifício grande, bonito, no meio de uma serra, rodeado de verde. Esta casa é um exemplo do trabalho discreto, mas essencial, da Igreja junto das populações que mais têm sofrido com a crise que está a afectar o Líbano. Na casa grande de Jessine, as crianças de Claire Maalouf, ou Irmã Rose, estão a salvo. Por lá comem, brincam, estudam e dormem, como numa casa a sério, como numa família a valer. E redescobrem o amor…

Os que vivem perto do orfanato das Irmãs Maronitas da Sagrada Família, em Jezzine, já sabem quando a Irmã Rose vai levar algumas das suas crianças à escola, ou a qualquer outra actividade. O carro, um velho Mercedes, igual aos táxis que há muitos anos andavam pelas ruas de Lisboa, enche-se de risos e de alegria que contagiam qualquer um. É a Irmã Rose que vai quase sempre ao volante, atenta às curvas da estrada e às conversas das crianças. Por ali, todos fazem tudo por elas. O orfanato acolhe actualmente cerca de três dezenas de crianças que vêm de famílias que não resistiram à crise económica. A pobreza está a alastrar no Líbano a um ritmo alucinante. Este país, que já foi considerado como a Suíça do Oriente, tem vindo a degradar-se inexoravelmente semana após semana, afundando bancos, empresas, o próprio Estado e as famílias. Ninguém está a resistir à hecatombe que se tem acentuado ao longo dos últimos quatro anos. A tal ponto a situação é grave que, hoje em dia, calcula-se que mais de 70% de toda a população do Líbano vive já na pobreza. Uma situação que se agravou sobremaneira com a pandemia da COVID-19 e com a brutal explosão acidental que destruiu o porto de Beirute e alguns dos bairros da capital libanesa no dia 4 de Agosto de 2020.

Uma “avó” muito a sério

As crianças do orfanato de Jezzine vêm, na sua maioria, de casas onde já não há pão na mesa, mas onde também já faltava, muitas vezes, o cuidado, o carinho e o amor. Claire Maalouf é uma das cuidadoras das crianças. É uma verdadeira avó, sempre atenta a tudo e todos, sempre disponível, sempre de sorriso no rosto. E como estes sorrisos, estas cumplicidades de avó fazem falta a estas crianças que perderam o encantamento da vida cedo demais… “As crianças estão agitadas e desiludidas” diz Claire. “Todas têm muitas necessidades…” A casa grande de Jessine é uma segunda oportunidade, provavelmente a derradeira, para que aquelas crianças possam ter uma vida tão normal quanto possível. As irmãs são inexcedíveis, procurando construir ali um lar a sério onde todos se possam sentir amados. É uma verdadeira aventura de amor o que estas irmãs fazem.

Apagões quase diários…

O sentimento de revolta das populações é muito grande. No Líbano, falta quase tudo. Até a electricidade. Os apagões duram várias horas e repetem-se praticamente todos os dias. E como o orfanato está numa zona de montanha, situado a quase dois mil metros de altitude, os rigores do Inverno fazem-se sentir sempre com muita intensidade. A alternativa à falta de electricidade é a instalação de uma central fotovoltaica que possa reduzir os custos elevadíssimos dos geradores a diesel que entram em funcionamento sempre que falha a luz…

Um exemplo de amor

As necessidades por ali são muitas, são imensas, quase não têm fim. A Irmã Rose, a directora do orfanato, escreveu mesmo uma carta à Fundação AIS a pedir ajuda. Ela não tem mais ninguém a quem recorrer. O próprio Governo do Líbano deixou já de ter dinheiro para subsidiar o trabalho destas religiosas, apesar de elas estarem a cuidar de crianças órfãs ou que foram abandonadas, ou que pertencem a famílias disfuncionais, tarefa que competiria ao próprio Estado. “Se os pais não puderem educar os filhos, estes podem acabar nas ruas. Actualmente, estamos em dificuldades porque o Governo não nos paga. Há três anos que não recebemos o nosso subsídio. É uma grande sobrecarga para nós”, diz a Irmã Rose Imad. Num país que vai naufragando, onde aqueles que podem tentam emigrar, como quem procura fugir de um pesadelo, as Irmãs Maronitas da Sagrada Família são um exemplo para a sociedade, são um exemplo para todos nós. Na casa grande de Jessine, as crianças de Claire Maalouf, ou da Irmã Rose, estão a salvo. Por lá comem, brincam, estudam e dormem, como num lar a sério, como numa família a valer. E redescobrem o amor…

Paulo Aido

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