A cruz escondida

Na Diocese de Nacala, Cáritas e Fundação AIS apoiam deslocados de Cabo Delgado

As lágrimas de Sara

A notícia chegou com alarme. Mocímboa da Praia estava a ser atacada pelos jihadistas. Não era a primeira vez que os terroristas entravam naquela vila costeira, situada um pouco a norte da cidade de Pemba, mas o sobressalto era o mesmo de sempre. Gritos, pânico, pessoas em fuga. Sara teve de fugir para salvar a própria vida. No dia do ataque viu, pela última vez, o pai e duas irmãs. Não sabe o que lhes aconteceu. Hoje está em Nacala e descobriu na Irmã Agostinho Honwane uma nova mãe…

Junto a um muro, paredes meias com a casa do Bispo de Nacala, Sara Fahama, de 14 anos, muçulmana, está a bordar uma toalha. Está sentada rente ao chão nas instalações da Cáritas. Junto a ela está a Irmã Olga Agostinho Honwane. Esta Missionária do Precioso Sangue procura ajudar as meninas refugiadas da guerra em Cabo Delgado. Sara está em Nacala com uma irmã. As duas fugiram, em pânico, quando os terroristas invadiram Mocímboa da Praia em Março do ano passado. Durante algum tempo, não conseguiram sequer dizer o que se tinha passado. O silêncio foi a forma de não quererem sequer lembrar o horror ataque, os gritos de pânico, as pessoas em fuga, os tiros, os feridos e os mortos. “Tive medo, muito medo. Para sair lá de Mocímboa da Praia e vir para aqui, para Nacala, não foi fácil…” Sara baixa os olhos e fica calada por uns instantes. “Saí de lá sem nada, sem roupa, sem chinelos, sem nada…” Durante o ataque, os jihadistas raptaram várias pessoas. Entre elas, o pai e duas outras irmãs de Sara Fahamo. Mocímboa da Praia tinha 62 mil pessoas quando foi atacada e transformada quase numa espécie de quartel-general dos terroristas. Quase toda a gente fugiu da vila costeira que ficou praticamente destruída. Sara Fahamo vivia em Mocímboa da Praia e fugiu. O que Sara não podia imaginar é que haveria de conhecer em Nacala, a mais de 400 quilómetros de distância, a Irmã Olga, que, com a sua voz calma e sorriso constante, se transformou no ombro amigo de que ela mais precisava. A tal ponto que hoje fala dela com uma ternura que ultrapassa as poucas palavras que consegue dizer bem em português. “Gosto muito da irmã, como se fosse minha mãe. É como se fosse filha dela… e é por isso que gosto muito dela.”

Memórias com lágrimas

A Irmã Olga Agostinho Honwane é uma das responsáveis por um projecto que a Cáritas está a desenvolver na Diocese de Nacala. Um projecto de apoio psicossocial às famílias refugiadas de Cabo Delgado, vítimas do terrorismo. Com esta iniciativa, que é apoiada pela Fundação AIS, procura-se não só dar apoio para a sobrevivência de todas estas pessoas, mas também criar condições para que possam ganhar autonomia, adquirindo competências, aprendendo, por exemplo, a costurar e a bordar. E foi a bordar que ambas foram ganhando confiança, a ponto de Sara, aos poucos, se ir abrindo, partilhando os pesadelos que lhe ensombram ainda os dias. “Fizemos com que elas se sentissem à vontade, fazendo o possível para que cada uma contasse a sua história, como uma maneira de se aliviar. Não foi fácil. Nem todas, até agora, têm a coragem necessária para contar o que aconteceu”, explica Olga. “Nos momentos em que ensinávamos a bordar, perguntávamos sobre o que elas gostariam de fazer, o que aconteceu lá, e a menina ia recordando, as pessoas que perdeu… era um momento emocionante, com choro, mas a nossa intenção era que ela sentisse que não está sozinha…” Mais de 20 meses depois do ataque a Mocímboa da Praia, a vida de Sara Fahamo mudou por completo. O pai e as duas irmãs continuam desaparecidos desde que foram levados pelos terroristas do Al-Shabab, como ela diz. Mas durante todo este tempo, e por causa da simpatia e ternura da Irmã Olga, Sara descobriu uma nova mãe. Uma mãe de coração. Pergunto-lhe se o que sente pela Irmã Olga é amor? “Sim, é amor”.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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