A cruz escondida

Egipto: Nadia recorda o dia em que mataram o seu filho. Foi há um ano

“Não temos medo”

Dois autocarros cheios de peregrinos, adultos e crianças, dirigiam-se através do deserto para o Mosteiro de São Samuel, em Mynia, no Sul do Egipto. De súbito, surgem alguns veículos e os autocarros são bloqueados. Muitos daqueles cristãos, daqueles peregrinos, estavam a viver os últimos instantes das suas vidas…

Dois autocarros repletos de peregrinos dirigiam-se através de uma estrada no meio do deserto para o Mosteiro de São Samuel, em Mynia. Os dois autocarros foram bloqueados por diversos veículos de onde saíram homens armados. A princípio, os peregrinos julgaram que se tratava de uma operação de rotina do exército. A viagem estava a correr bem, sem sobressaltos. Dali a pouco, estariam todos no Mosteiro onde iriam celebrar a Festa da Ascensão. Era o dia 26 de Maio de 2017. Fez agora precisamente um ano. No entanto, depressa perceberam que aqueles homens armados não eram soldados nem estavam ali para os defender mas sim para atacar. Aos gritos, entraram nos veículos e obrigaram todos os passageiros a sair. Nadia, o seu filho, Hany, a filha, Zoraida, e o genro, Sameh. E todos os outros. Mais de 50 pessoas. Mais de 50 cristãos. Com eles ia também o neto de Nadia, de apenas 3 anos de idade. Foram momentos de caos absoluto. Debaixo da ameaça das armas, os terroristas obrigaram os homens a deitarem-se no chão. Depois, ordenaram-lhes que renunciassem ao cristianismo, que se convertessem ao Islão. O primeiro a quem apontaram a metralhadora à cabeça foi Sameh, o genro de Nadia. “Ele foi o primeiro a ser martirizado.” Sameh levantou um braço, arregaçou a manga e mostrou a Cruz tatuada no pulso. Nadia recorda todos estes pormenores como se estivesse a viver tudo de novo, como se estivesse a escutar de novo as palavras do seu genro: “Não, não o farei!” Foram as suas últimas palavras. Mataram-no logo a tiro. Sameh foi apenas o primeiro. A todos os outros homens foi colocada a mesma questão. Um a um, todos foram interrogados. Um a um todos deram a mesma resposta. Também Hani, o filho de Nadia

O estrondo dos tiros

Nadia estava um pouco afastada, mas viu os terroristas aproximarem-se do seu filho e viu-o também a erguer o pulso, a mostrar a Cruz tatuada e ouviu as suas últimas palavras: “Não! Sou cristão!” O estrondo dos tiros, o corpo do seu filho esfacelado pelas balas, o sangue a tingir a areia quente do deserto. Impotente, Nadia viu tudo, assistiu a tudo. Depois de terem morto todos os homens, os terroristas viraram-se para as mulheres, gritando insultos e exigindo as suas jóias. Um deles aproximou-se de Nadia também para a matar. Disparou três vezes. “Queria acertar-me no coração, mas deu-me três tiros no braço.” Nadia desmaiou. A hemorragia era imensa. O terrorista deixou-a, julgando-a morta. O que se passou a seguir foi-lhe já contado pela filha, Zoraida. O aparecimento de uma carrinha cheia de operários que passava por aquela estrada no meio do deserto evitou que a matança prosseguisse. Os terroristas decidiram que ali já não tinham muito mais a fazer e foram atrás deles. As autoridades demoraram uma eternidade a chegar ao local. Pelo chão estavam 28 mortos, incluindo duas crianças e 25 feridos. Nadia só voltou a recuperar os sentidos já no hospital. Foi há um ano. O tempo parou para Nadia. Uma das paredes da sua casa é um memorial. Está repleta de fotos. Uma delas, é uma ‘selfie’. Ela e o filho estão a sorrir. A foto foi tirada instantes antes de os terroristas terem aparecido. Apesar do luto carregado, apesar das lágrimas, apesar da tristeza de ter perdido o seu filho, Nadia sente orgulho na certeza que ele revelou quando ergueu o pulso, mostrou a Cruz tatuada e esperou que a primeira bala lhe acertasse no coração. As balas mataram o filho, o genro e os amigos em pleno deserto. Foi há um ano. Hoje, Nadia diz que nenhuma daquelas mortes foi em vão. Nenhuma. “Não temos medo”, garante Nadia que se apresenta agora como sendo uma mãe de seis filhos. “Um dos quais está no Céu…”

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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