A cruz escondida

A história de Francis, um homem bom com um talento muito especial

O mecânico de Deus

Para muitos, faz autênticos milagres. Os carros chegam-lhe por vezes já moribundos, esfalfados de quilómetros em duras estradas de terra batida, mas ele devolve-lhes a energia. O mecânico Francis não é, porém, uma pessoa qualquer. Por ali, na Zâmbia, naquela oficina situada junto à Igreja, todos o conhecem. É que Francis também é sacerdote…

Há um vaivém constante junto à Igreja. Numa espécie de alpendre, alguns carros amontoam-se quase em cima uns dos outros. Quase todos estão cheios de pó, de um pó castanho-avermelhado das estradas maltratadas da Zâmbia. São quase todos carros de padres ou de irmãs ou de catequistas. Todos aguardam por Francis. Rosto redondo, olhar simpático, Francis é o mecânico mas é também o padre da igreja situada mesmo ao lado da oficina. As mãos que abençoam os fiéis são as mesmas mãos que, sujas de óleo, rectificam correias, apertam parafusos, acertam válvulas e devolvem a vida aos automóveis. Uma vocação que aprendeu a espreitar como o pai trabalhava. “O meu pai era mecânico e foi aí que o interesse começou. Aprendi a maior parte das coisas através da experiência, vendo como o meu pai trabalhava.”
A vida inteira de Francis cabe quase toda naquele quarteirão. A Igreja onde hoje é sacerdote foi a igreja onde foi baptizado, onde fez a primeira comunhão… Tudo. Foi lá que descobriu a sua outra vocação. De facto, fez-se mecânico mas a Igreja situada mesmo ao lado da oficina nunca deixou de o seduzir. “Aquilo que mais gosto é ser mecânico e padre.” Hoje, o Padre Francis é estimado por todos. Cura as almas e trata dos automóveis. “Ele tem um dom”, diz o Padre Mathias, cujo jipe cinzento, que perdeu a conta aos milhares de quilómetros galgados em caminhos e veredas, é um dos carros que aguarda reparação. “O Francis tem-nos ajudado imenso. Sempre que temos uma avaria ou um problema, ele ajuda-nos sempre. É um homem bom.”

Presença da Igreja

Na Zâmbia, a Igreja debate-se com vários problemas. A pobreza é um dos principais. O fosso entre ricos e pobres nesta antiga colónia britânica é cada vez mais acentuado. O sistema de saúde é débil assim como a educação. A Igreja Católica desempenha por isso também um papel crucial no apoio às populações mais desfavorecidas. Mas faltam meios humanos e materiais. Há poucos sacerdotes e é muito difícil a deslocação pelo país especialmente na época das chuvas. Há regiões que ficam quase isoladas, às vezes durante meses, onde só se pode ir de barco. As estradas tornam-se inúteis e os carros obsoletos. Também por isso, o padre Francis é tão estimado. Na sua simpatia e simplicidade, este sacerdote nunca diz que não a um pedido de ajuda. Nunca se importa em sujar as mãos de óleo para consertar mais um carro ou uma mota para que alguém se possa deslocar até alguma aldeia, alguma paróquia, alguma família. Levar a presença da Igreja a lugares distantes, onde não há electricidade, nem escolas, nem centros de saúde, é uma prioridade. Levar a presença da Igreja a lugares onde não há esperança é fundamental. Os padres e as irmãs e os catequistas deslocam-se para esse trabalho missionário de carro, de mota ou de bicicleta. Ao fim de algum tempo, cansados dos quilómetros em duras estradas de terra batida, esses carros acabam por ir parar aos cuidados de Francis. Ele devolve-lhes a energia, quase se diria que os ressuscita. De facto, este mecânico não é uma pessoa qualquer…

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

PS: Graças à generosidade dos benfeitores da Fundação AIS em Portugal e em todo o mundo, a Igreja recebeu, no ano passado, 750 veículos para o seu trabalho missionário no dia-a-dia, a que não faltaram 4 autocarros, 3 camiões e até 12 barcos.

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Agência ECCLESIA

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