A construção da pobreza pela degradação ambiental

Maria da Conceição Martins, Diocese de Bragança-Miranda

Assiste-se atualmente a uma acentuada regressão demográfica nas regiões interiores, da qual Trás-os-Montes não é exceção. Associa-se um elevado índice de envelhecimento e, frequentemente, um rendimento per capita muito abaixo da média nacional. Estes territórios, têm, por isso, na elevada qualidade ambiental uma das suas maiores riquezas. Intimamente interligadas, a diversidade e especificidade das manifestações culturais e as características paisagísticas e ecológicas destas regiões constituem-se como potencialidades para atração crescente de um turismo de bem-estar e de natureza, que procura experiências diferenciadoras em ambientes saudáveis. Esta qualidade ambiental permite igualmente incorporar mais-valias no comércio de produtos endógenos, contribuindo, assim, para melhorar a débil economia local. Empreendimentos que contribuam para a deterioração dos seus recursos naturais terão, por isso, repercussões negativas a nível social e económico nestas comunidades.

No discurso que proferiu perante o Parlamento Europeu em maio de 2020, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, sublinhou que a transição para uma UE com impacto neutro no clima desempenhará um papel fundamental na recuperação após a crise da COVID-19 [i]. Este discurso está em sintonia com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), divulgado em finais de 2019, e manifesta a vontade de os governantes europeus liderarem o combate mundial às alterações climáticas e alcançarem a neutralidade climática até 2050.

O Pacto Ecológico Europeu apresenta-se como uma nova estratégia de crescimento para a UE, visando “fazer dela uma sociedade justa e próspera, dotada de uma economia moderna, eficiente em termos de recursos e competitiva” [ii], operando de imediato a transição para um novo modelo económico, verdadeiramente assente nos princípios da redução, reutilização e reciclagem de materiais e energia, e uma mudança de paradigma, do atual modelo económico linear, no qual o produto é produzido, consumido e rapidamente descartado, para uma “economia circular”, que minimiza (e humaniza) [iii] a exploração de recursos naturais, a produção de resíduos e o consumo de energia, para se atingir a sustentabilidade local e global [iv].

Mas, então, como interpretar algumas práticas que contradizem estes princípios? Conseguirá a UE compatibilizar os objetivos do Pacto Ecológico Europeu com o aumento de projetos que destroem o património natural, económico, social e cultural das comunidades locais e regionais? Vejamos o caso concreto do projeto de exploração mineira “Valtreixal” N.º 1906 e “Alto de Los Repilados” N.º 1352, em Calabor (Sanábria, Zamora, Espanha), o qual demonstra uma contradição gritante entre os discursos político-ambientais e as práticas autorizadas. A concretizar-se, esta exploração terá também efeitos em Portugal, afetando negativamente o ambiente natural, a economia e a sociedade do Nordeste Transmontano.

Este projeto de exploração de estanho e volfrâmio tem vindo a merecer preocupação e contestação, nomeadamente em Portugal, pelos impactes ambientais negativos que virá a ter nas bacias hidrográficas transfronteiriças dos rios Calabor e Igrejas, prolongando-se pelo rio Sabor do qual são afluentes. Por se tratar de águas transfronteiriças, abrangidas pelo Acordo de Albufeira, assinado entre os dois países, Portugal mostrou interesse em participar no procedimento de Avaliação do Impacte Ambiental, do qual ainda não foi tomada decisão. De acordo com o Estudo de Impacte Ambiental [v], esta exploração mineira terá efeitos ambientais severos ao nível da qualidade das águas, dos habitats naturais e da paisagem, entre outros. Dada a proximidade com a fronteira, terá também reflexos negativos no território transmontano-nordestino, nomeadamente ao nível da qualidade da água, dos habitats naturais, da paisagem e da saúde pública, nas localidades de Aveleda, Baçal, Varge, Gimonde, e em todas as ribeirinhas do Rio Sabor, até à foz no Douro e neste, até ao Porto.

Estes efeitos vão, pois, pesar sobre as gentes que habitam este território, degradando a sua qualidade de vida e hipotecando o desenvolvimento sustentável da região. Além dos impactes diretos sobre as populações, o espetro da degradação ambiental irá afastar potenciais turistas, reduzir o valor dos produtos endógenos e reduzir as potencialidades da região para atrair população que esteja em busca de viver numa zona saudável. Em termos económicos e sociais, projetos desta natureza só trarão malefícios, integrando-se antes no conceito de «economia de rapina» [vi], própria do liberalismo económico da primeira metade do Século XX [vii], operada por grandes grupos económicos que extraem riqueza a localidades, regiões ou países sem pensar nas consequências ambientais e nas sucedâneas destas.

Maria da Conceição Martins, Comissão Diocesana Justiça e Paz (Bragança-Miranda)
Especialista em Ciências do Ambiente

 

[i] Intervenção de Charles Michel no Parlamento Europeu. https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2020/05/13/intervention-at-the-european-parliament-on-the-video-conference-of-the-members-of-the-european-council

[ii]  Conselho Europeu & Conselho da União Europeia (2020). Pacto Ecológico Europeu. https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/green-deal/

[iii]   Expressão entre parêntesis da nossa autoria.

[iv]   Direção-Geral das Atividades Económicas. (2020). Economia Circular.

https://www.dgae.gov.pt/servicos/sustentabilidade-empresarial/economiacircular.aspx

[v]   Estudo de Impacto Ambiental do Projeto de Exploração de Recursos de Estanho e Volfrâmio “Valtreixal” N.º 1906 e “Alto de los Repilados” N.º 1352 no limite municipal de Pedralba de la Praderia, Zamora. https://participa.pt/pt/consulta/projeto-de-exploracao-de-recursos-de-estanho-e-volframio-projeto-em-espanha

[vi]   Papa Francisco. Encíclica «Querida Amazónia», §§ 48 e 49. Acedido em

http://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20200202_querida-amazonia.html

[vii]   A propósito do conceito de «economia de rapina» ver ainda: Joseph Shumpeter (1984: 43, Impérialisme et Classes Sociales, Paris, Flammarion, citado em H. Ferreira, 2007: 205, Teoria Política, Educação e Participação dos Professores, Lisboa, EDUCA)

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