A Bíblia: entre culto e cultura

Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura publica «Observatório» dedicado à Palavra de Deus Há quarenta anos atrás, o Concílio Vaticano II determinava: «é preciso que os fiéis tenham acesso patente à Sagrada Escritura» (D.V. 22) – ela é «como que a alma» tanto da teologia (D.V.24), como da praxis cristã (D.V.21)! Tal afirmação suscitou uma grande energia no tecido eclesial. Estas décadas passadas contribuíram para alterar significativamente o modo como a Bíblia era olhada: a reforma litúrgica explicitou o lugar dela como centro da vida da Igreja; passou-se do uniforme predomínio da Vulgata para um incremento da tradução, aprofundamento e divulgação dos textos bíblicos; os estudos exegéticos conheceram um incremento notável e o seu valor foi sendo cada vez mais reconhecido no âmbito da comunidade científica e entre os fiéis; o diálogo ecuménico ganhou um firme pólo de união; o papel da Bíblia na Teologia aprofundou-se e contribuiu largamente para a renovação teológica; a “apropriação” da Escritura cimentou-se através de cursos, itinerários catequéticos, publicações especializadas, páginas na Internet… O Sínodo de Outubro próximo, em Roma, sobre «A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja», bem como o anunciado Ano Paulino, contribuem para colocar, ainda com maior insistência, a Bíblia no centro da vida e da reflexão da Igreja. Ela é, por isso, o tema deste «Observatório». Ousamos saber Qual o livro bíblico que escolheria e porquê? Armando Silva Carvalho, Poeta O Livro de Job. Por razões muito pessoais da minha vida. Sobretudo isso. Sempre que o leio, Job ajuda-me a encontrar uma possibilidade de resistir. Assunção Cristas, Professora Universitária Escolheria o Livro dos Salmos, porque é poesia na Bíblia, na Revelação, e eu gosto disso. Porque está ligada à oração de Jesus e permite-nos partilhar a oração que foi a Dele. Carlos Pontes Leça, Consultor do Serviço de Música da Fundação Gulbenkian Escolho o Evangelho de João, porque é nele que eu encontro de uma forma «incrível» a expressão da intimidade que existe entre Cristo e o Pai. Bastavam esses capítulos 13 a 17, onde tudo é dito por Jesus aos seus discípulos. Não podemos aspirar a mais! Francisco Sarsfield Cabral, Director de Informação da Rádio Renascença Escolho o Livro de Job. Trata do mistério que é talvez o maior, o mistério do mal, e trata-o de uma forma muito contrária a essa lógica tão fácil que é a culpabilização do sujeito sofrente. E isso é fascinante. Ilda David, Pintora Inclino-me para o Livro do Êxodo. É um livro muito bonito e tocante. A Páscoa, a Travessia do Mar, os Milagres no deserto, a água a brotar do rochedo… E tem uma actualidade enorme. Aqueles personagens podiam ser pessoas de hoje, nas suas migrações interiores e exteriores, na necessidade de começar tudo de novo. Isabel Stilwell, Jornalista e Escritora O Evangelho segundo S. Lucas. É o meu favorito, por razões muito infantis. S.Lucas descreve a anunciação e o nascimento de Jesus de uma maneira muito simples e comovente. Gosto da manjedoura e dos pastores, os marginais de então, mas os escolhidos para serem os primeiros a ouvir a Boa Nova. S. Lucas dá «notícias», é um bom jornalista, gosto da maneira como vê o mundo. Pronto, é só isso o comentário de alguém demasiado ignorante para merecer que lhe peçam para comentar a Bíblia. Jaime Bacharel, Cantor O Evangelho de São Lucas, por que é o que me fala mais proximamente de Jesus, a razão fundamental que me liga à Bíblia. João Paulo Sacadura, Médico O meu preferido? O Génesis, claro. Porque é um hino ao criar, às raízes. E o Apocalipse, porque é a revelação de um segredo a alguém que se ama. E os Evangelhos, todos, porque são a biografia inspirada de uma vida inspiradora. E o Êxodo, porque conta a epopeia de um povo. E o dos Reis, com Salomão e contos de reis e rainhas. E o de Jonas, porque gosto de aventuras. E o Cânticos dos Cânticos, porque gosto de romances. E os Salmos, porque gosto de cantar. E as Cartas, porque também gosto de escrever aos amigos. Céus! O meu livro preferido… é a Bíblia! João Queirós, Pintor O Evangelho de João. Aparentemente é aquele que mais se afasta da história, e é o que tem uma maior carga filosófica e hermenêutica. Para mim é o mais sugestivo. Joaquim Carreira das Neves, Biblista O Livro de Job. Trata-se de um conto acerca dum personagem que nem é judeu. Pertence a uma tradição sapiencial universal e coloca um tema capital: o sofrimento humano donde vem e porquê? Jorge Sousa Braga, Poeta O Cântico dos Cânticos. Este poema mistura o amor natural e o amor divino de uma maneira incomparável. Consegue dar esse difícil salto. E tem talvez o mais belo verso que conheço: «o amor é forte como a morte». Jorge Wemans, Director da RTP 2 O Evangelho de Lucas, por que é eventualmente aquele que nos aproxima mais de um Jesus histórico… Não de um ponto de vista historiográfico apenas, mas na perspectiva da relação, da arte do encontro… José Agostinho Baptista, Poeta O Cântico dos Cânticos. Porque é, talvez, o mais belo poema do mundo. Porque está em mim e eu estou nele. Porque caminhamos quase lado a lado, pelas sendas de Deus e do coração. Porque é o espelho do homem. José Ornelas de Carvalho, Biblista, Superior Geral dos Dehonianos Escolho o Evangelho de Marcos. Na sua simplicidade é o Evangelho mais cru e directo, não só quando o comparamos com outros textos bíblicos, mas também para o homem de hoje. Marcos aborda o problema do drama humano, das escolhas claras que é preciso fazer. Constrói a densidade do humano sondando a presença de Deus no mundo. Luís Miguel Dias, Blogue “www.amontanhamagica.blogspot.com” O Evangelho de Mateus, porque na santidade viu o homem, e no homem viu o Homem. Manuel Maria Barreiros, Tradutor O Livro de Job. Por tantas, tantas razões, que se prendem com leituras importantes que fiz (Simone Weil, Flannery O’Connor…). Job é um livro de luta e de proximidade com tudo o que nos toca: o vazio, o frio… Manuel Rosa, Editor Diria o Apocalipse, pois foi o primeiro texto bíblico que li, numa edição da Afrodite/Ribeiro de Mello. Foi a primeira vez que li a Bíblia. Tinha já vinte anos. Marinho Antunes, Sociólogo O Apocalipse. É um livro que me deixa fascinado. Obriga-me a ver que a Palavra de Deus não é a minha nem a nossa Palavra. Deixa-me sempre surpreendido. Faz-me buscar. E isso é fascinante. Martim Avillez Figueiredo, Gestor A Carta de São Paulo aos Coríntios. A razão é simples: fala do amor como ele se vive quando se vive intensamente. E não é um amor qualquer – é um amor que enche quem se deixa encher pelos outros. Deus ensina que o amor é tudo – e quem ama na terra sabe bem que isso é verdade. A carta de São Paulo, por isso tudo, é o testemunho mais fiel do que se pode encontrar em Deus – uma energia única, luminosa, que convida a amar com a intensidade de quem sabe que todo o conhecimento do mundo vale pouco ao lado do amor verdadeiro. Sem amor, nada se suporta. Quem ama, suporta tudo. Nuno Crato, Matemático Infelizmente, conheço mal a Bíblia. Não me orgulho dessa ignorância, mas não seria honesto escondê-la. Responderei pois à pergunta: “Do pouco que conheço, qual o livro que escolho para ler primeiro com atenção?” Escolho, sem dúvida, o Génesis, pois é um dos textos que mais marcaram a nossa cultura e que mais reflectem as origens da nossa civilização. Pedro Proença, Pintor O Livro de Tobias. Gosto imenso da história deste livro, que talvez nem seja muito teológico, mas está muito perto do fantástico. Teodoro Medeiros, Biblista Destaco São Lucas. Pela doçura e beleza do Cristo lucano. Pela face misericordiosa de Jesus que ali transparece. É um Cristo menos polémico, mas que convida talvez mais à reflexão IMAGEM: At noon: God, let my thoughts be gathered to you – Irmão Marc, Taizé FONTE: Observatório da Cultura, n.º 9 – Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura

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