A alma da cidade

Nos quinhentos anos da cidade do Funchal O cristão dá esperança à cidade, quando assume as suas responsabilidades, promove a cultura, a reflexão, o estudo, e, com sobriedade, trata dos problemas da cidade e ousa apresentar respostas e estratégias. Esta esperança passa através de pessoas que apresentam um pensamento arguto, servem com gratuidade, pessoas carismáticas que não enriqueceram na política, nem tiraram vantagens e, por vezes, não foram compreendidas e pagaram um preço muito alto pelo seu serviço digno e consciencioso. 1. Cristo, ao tomar um corpo semelhante ao nosso, fez-se homem, enraizou a sua vida num povo numa cidade e numa história de pecado e graça, tornou-se participante da cidadania israelita do seu tempo. Foi judeu entre judeus, amou e chorou sobre a sua cidade. Faz parte da cidadania um enraizamento numa sociedade civil e social de homens, com uma história própria, tradições e cultura, e, ao mesmo tempo, com um significado universal de civilização política. O lugar concreto onde se vive a própria cidadania é a cidade, ela torna-se símbolo de viver em conjunto e cada um apresenta-se parte dum contexto onde tem as suas origens. A globalização apresenta possibilidades, inquietações e problemas novos, e pede que nos tornemos ao mesmo tempo, cidadãos da nova cidade e do mundo. Nem fuga nem evasão 2 – As cidades continuam a aumentar número dos seus habitantes, de forma que a população mundial que vive nas cidades, ultrapassa a que está fora delas. Não é fácil viver numa grande cidade. Aumentaram os problemas ligados à sobre população e à falta de serviços. O rosto das cidades tornou-se cada vez mais desumano. Um dia passado na cidade onde se trabalha, exige um esforço imenso de pontualidade, corrida para o trabalho, com o espectro das greves. O domingo, para alguns, é passado fora da cidade, mas… quanto tempo fechado num carro, filas para reentrar, quanto nervosismo e tensões. Outro aspecto desumano de algumas cidades é o anonimato, o tráfico, o caos, os ruídos, mais aflitivo ainda é o número de pobres, os sem abrigo, as mulheres de rua, os anciãos isolados nos apartamentos. A resposta a estas situações não é a fuga nem a evasão. Nem todas as cidades são desumanas, algumas estão construídas à medida do homem. São lugares de cultura, defende-se o sentido da liberdade e dignidade humana, a solidariedade, as relações sociais. Como humanizar cada vez mais uma cidade, a nossa cidade? Que projectos e estratégias para a tornar à medida das necessidades das pessoas, sem excluir ninguém? Cada cidade tem uma fisionomia que foi formando ao longo dos tempos. Ela é expressão de uma consciência comunitária que lhe deu beleza própria, organização, tradições e valores. Os monumentos, os edifícios sacros ou profanos, as praças, as instituições culturais ou de solidariedade, os museus, exprimem um mundo interior dos seus habitantes e da sua cultura. A cidade renova-se e cresce na medida em que esta consciência civil, através da formação humana, civil, social e religiosa. As cidades têm uma personalidade ditada pela medida dos homens e mulheres que nela vivem, onde se espelha a sua alma. Dar esperança à cidade 3 – O cristão dá esperança à cidade, quando assume as suas responsabilidades, promove a cultura, a reflexão, o estudo, e, com sobriedade, trata dos problemas da cidade e ousa apresentar respostas e estratégias. Esta esperança passa através de pessoas que apresentam um pensamento arguto, servem com gratuidade, pessoas carismáticas que não enriqueceram na política, nem tiraram vantagens e, por vezes, não foram compreendidas e pagaram um preço muito alto pelo seu serviço digno e consciencioso. A relação entre cristãos e política passa por momentos nebulosos. Não é fácil ser fiel ao evangelho nos conteúdos e no estilo da acção política. Um grande político europeu e homem de fé, Vittorio Bachelet, afirmou: «quanto mais incertas são as cartas da rota, tanto mais é indispensável uma bússola segura». A defesa dos valores humanos, património de toda a humanidade, coloca em primeiro lugar a centralidade da pessoa humana, o que significa a salvaguarda da dignidade da vida em todos os seus níveis, e com amor preferencial pelos pobres, os últimos, os excluídos da sociedade. Esta prioridade exige que seja assegurada a dignidade da família, para que ela opere no campo cultural, político e espiritual. Ser cristão e construtor da cidade, significa empenhar-se a viver segundo critérios de justiça e equidade, o que exige a quem mais tem a não tornar-se prepotente defensor dos próprios privilégios e bem estar, mas se dispõe a construir uma sociedade que reconhece o direito de todos e possibilite condições para viverem dignamente. Este esforço é um contributo para que reine a justiça e a paz. Pelo contrário, quando a ênfase se coloca na defesa dos próprios interesses, na aspiração materialista de acumular bens, esta cultura nada tem de verdade política, porque esta, é, por definição, procura e construção de uma casa comum, onde transparece a alma de um povo e de uma cidade. Funchal, 16 de Julho de 2006 † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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Agência ECCLESIA

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