A alegria de ser Igreja

Uma Vigília de oração vocacional, integrada em plena Semana dos Seminários e a acontecer poucos dias após a Visita ad Limina que o Episcopado Português efectuou, pode ser oportunidade para uma partilha de sentimentos e, particularmente, propósitos. Pessoalmente, gostaria que a Arquidiocese de Braga fosse capaz de assumir a mensagem que o S. Padre nos confiou. Ela foi interpretada duma maneira facciosa e parcial. Importa entendê-la na globalidade e não extrair uma afirmação dum contexto, dando-lhe um atributo de principal intenção do Papa quando se trata duma confirmação dos projectos que temos vindo a delinear e concretizar. Numa Semana dos Seminários e neste ambiente de oração posso procurar sintetizar a referida mensagem para que se torne programa para todos os cristãos. Como Arcebispo, terei de investir na confirmação dos desejos que sempre delineei para o meu serviço episcopal e que comuniquei no chamado Relatório Quinquenal; os sacerdotes devem aceitar este momento para intensificar a renovação que os tempos actuais exigem; os Religiosos e Religiosas terão de se integrar sempre mais com a riqueza dos seus carismas; os leigos devem reconhecer que a sua iniciação da fé não pode ser considerada encerrada mas que se trata dum processo permanente. E os Seminários? Vejo-os como portadores duma novidade que entusiasma e motiva, preparando Sacerdotes para a radicalidade evangélica e entrega incondicional ao serviço do Reino. Deste modo, os nossos cristãos não só não se afastarão mas testemunharão novo espírito de adesão a Cristo e à Igreja. Eis, então, o percurso do S. padre, transcrito num resumo lógico e bem ordenado. 1 – Depois do Jubileu do Ano 2.000 fomos convidados “a entrar e a permanecer em Cristo como a casa dos seus desejos mais profundos e verdadeiros” e “a medir até onde já se fizeram realidade tais desejo, isto é, até onde a vida e o ser de cada um encarna o Verbo de Deus”. Eis o ponto de partida e base de exame de consciência a efectuar por todos como apelo de Deus: Entrar e permanecer em Cristo para encarnar o Verbo de Deus. Trata-se de algo tremendamente exigente mas motivador. 2 – Esta encarnação tem um sinal muito eloquente que nunca se pode ignorar “o transbordar para os outros da vida de Cristo que irrompe em mim”. O cristianismo não é uma religião do livro, ou seja, duma Palavra teórica ou meramente discursiva. Trata-se duma vida que todos podem ver, porque transborda, ou seja, nasce da interioridade. Há algo de mais moderno? 3 – Tudo isto acontece num contexto determinado. O S. Padre serve-se de S. Ambrósio para explicitar e dissipar dúvidas: “Tu permaneces comigo (com Deus), se permaneceres na Igreja”; “onde está a Igreja, aí encontras o ponto de apoio mais firme para a tua mente… aí está o alicerce da tua alma”. Nenhum cristão o pode ser sem este sentido de pertença. Deus encontra-se ou deve encontrar-se na Igreja e a sua “verdadeira missão” consiste em não falar “primariamente de si mesma, mas de Deus”. A linguagem usada é muito clara e desmascara muitas atitudes ambíguas por parte dos cristãos que pensam caminhar por sua livre vontade, assim como centraliza o papel da Igreja no aqui e agora. Haverá interpelação mais exigente para quem se contenta em ser baptizado e exigir os sacramentos? Haverá programa mais sublime do que apresentar, em contra-corrente Deus como sentido da vida? 4 – Esta simbiose é explicada pela Papa através dum comentário de S. Ambrósio ao episódio de Abraão e da sarça ardente. “Eu te apareci na Igreja, como outrora na sarça ardente. Tu és a sarça, Eu o fogo; fogo na sarça, sou Eu na tua carne. Por isso, Eu sou fogo: para te iluminar, para destruir os teus espinhos, os teus pecados, e te manifestar a minha benevolência”. A salvação, como sinónimo de felicidade, é, sempre, Deus. Só que Ele manifesta-se através de mediações, sinais que, simultaneamente, são pessoais e comunitárias. O que importa é que sacerdotes, religiosos, religiosas, seminaristas, membros de movimentos, leigos empenhados em serviços eclesiais – uns diocesanos, outros paroquiais – sejam sarça não seca mas que se deixa atear pelo fogo de Deus. Que vale a sarça sem o fogo? Que faz o fogo sem a sarça? Eis o grande mistério da Igreja e a tremenda – mas fascinante – responsabilidade dos cristãos. É mais fácil ser sarça onde não chega o fogo. Aqui está o verdadeiro problema da Igreja. Não faltam estruturas e estratégias. Não circula entre elas o “óleo” daquele amor capaz de tornar as comunidades sinal dum Deus de “agora” que não é desconsiderado perante outras “ofertas” mais fáceis ou “usado” em ocasiões formais ou sociais e quase sempre como simples exigência de serviços. 5 – Nesta ordem de ideia, aparece uma carência que os Bispos Portugueses reconhecem e que a Carta do Papa Bento XVI, Deus Caritas est, veio tornar mais permente. Deus está na comunhão como vida e como articulação de serviços. E se, por outro lado, Deus permanece na Igreja esta tem de ser comunhão. Maravilhosa é, assim, a expressão do Papa: “A palavra de ordem era, e é, construir caminhos de comunhão”. Esta pequena fase encerra o núcleo duro de tudo quanto o Santo Padre quer dizer à Igreja que peregrina em Portugal e que todos os cristãos devem aceitar como programa pessoal. E é neste contexto que aparece a fase que alguns fazedores de opinião interpretaram como reprimenda, quando se trata dum mero confirmar de tantas intenções manifestadas por todos os bispos. Como seria bom que a Igreja em Portugal a assumisse como programática para os anos que se aproximam. É verdade que necessitamos de continuar a “mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros”. Este apelo a reassumir a “eclesiologia da comunhão como senda do concilio”, ou como “rota certa a seguir”, nada encerra de novidade a não ser o dever de efectuar, cada um, um sério exame de consciência para verificar se tem sido empecilho, escolho ou ajuda e contribuição activa. Pessoalmente, rezo para que este convite ecoe bem profundamente no coração de todos os cristãos da Arquidiocese e aos Seminaristas agradeço um empenho especial. Sei que sereis capazes de o efectuar e que não vos limitareis a responsabilizar outros. Todos, mesmo todos, somos responsáveis por esta visibilização de Deus através do Amor entre pessoas e estruturas. A Pastoral Vocacional deve centralizar-se neste testemunho e a comunhão nunca estará plenamente realizada; somos oriundos desta fonte e caminhamos para ela. 6 – O Santo Padre terminou duma maneira magnífica. Recorda-nos que Fátima, e nesta todos os Santuários, são uma “escola de fé” onde Maria tem a sua cátedra para aí se aprender as “verdades eternas e a arte de orar, crer e amar”. Sim, Maria é a discípula e apóstola como, em nome de todos os portugueses, recordei ao Santo Padre. Como tal, ela está a ensinar o fundamental que são as verdades eternas e particularmente a arte de orar, crer e amar. Nesta semana dos Seminários entrego-lhe todas as comunidades e peço-lhe que a todas anuncie os caminhos de Seu Filho, motivando jovens para a vocação sacerdotal, através duma vivência da comunhão. Esta é a novidade para os tempos actuais. Nesta Vigília de oração pelas Vocações e, particularmente, pelos Seminários, quis deixar a mensagem do Papa à Igreja em Portugal. Creio que fui fiel ao seu pensamento que gostaria que os cristãos da Arquidiocese de Braga conhecessem não se deixando imbuir por quanto alguma comunicação social pretendeu transmitir. A intenção do Papa foi só um apelo encorajante para um trabalho, com as limitações que todos reconhecemos, está a ser realizado. Há quem não queira ver e olhe só para as lacunas. Devemos estar do outro lado e prosseguir a caminhada com muita ousadia e serenidade. Na escola de Maria saberemos orar, acreditar e amar. Deus continuará a acender a sarça, que muitos consideram ou querem considerar ressequida e morta. Com Ele a luz resplandecerá. Notícias relacionadas Semana dos Seminários

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