A Agenda Asiática de Bento XVI

Ao reflectir sobre as dinâmicas de evangelização na Ásia, talvez convenha, para tornarmos mais concreta e actual a nossa análise, falarmos da agenda asiática que espera o recém-eleito Papa Bento XVI e o pontificado que com ele se inicia. Comecemos pela agenda inter-religiosa, aquela que mais fez conhecer o Cardeal Ratzinger, hoje Bento XVI, no continente. Para muitos observadores, o diálogo inter-religioso é de facto o maior desafio que o Cristianismo enfrenta na Ásia. O continente, como é sabido, é a pátria das grandes religiões que mais disputam a centralidade de Cristo e a unicidade/necessidade do Cristianismo para a salvação. Para Bento XVI o desafio é duplo. Por um lado, manter e reforçar os laços de diálogo com os responsáveis religiosos do Hinduísmo, do Budismo, do Confucionismo, do Shintoismo, do Islão. Os jornais no continente reconheceram que “o novo Papa abriu os braços para todas as religiões:” é este um gesto simbólico, uma imagem de marca, que importará manter durante todo o pontificado e explicitar em iniciativas de aproximação e diálogo. Por outro lado, Bento XVI terá que confrontar as sínteses que alguns teólogos asiáticos (particularmente na Índia e no Sri Lanka) entretanto avançaram sobre o lugar de Cristo e da Igreja na salvação. Como Prefeito para a Congregação da Fé, o Cardeal Ratzinger (fez o que lhe competia e) condenou essas tentativas de síntese. Como Pastor Universal, pessoa de grande inteligência e habilidade, Bento XVI terá de criar oportunidades para fazer contrapropostas, para apresentar Cristo e a Igreja com nova sensibilidade e beleza aos Asiáticos. Em segundo lugar de importância está a agenda ecclesial, os desafios que esperam este Papa na pequena Igreja asiática. Nela ele será facilmente amado sem preconceitos ou reservas que lhe venham do seu passado. O primeiro desafio para Bento XVI é familiarizar-se com esta Igreja, tornar-se próximo dela, para diminuir a impressão que ela por vezes terá de se situar na periferia ecclesial, de não ser bem conhecida e devidamente tida em conta. Na linha do que ele espera da Igreja universal – autenticidade, integridade, compromisso – ele pode contar com a Igreja da Ásia. Apesar de pequena em número, ela mostra qualidade e empenho. A história recente dos católicos Chineses, Vietnamitas, Sul Coreanos fala de heroís-mo e martírio, frutos de uma vida cristã intensa. O segundo desafio para o Papa é ajudar a igreja da Ásia a despertar para um renovado empenho missionário no continente. Por razões do seu passado recente, as comunidades católicas vivem bastante voltadas para si próprias e é fundamental despertá-las para as novas oportunidades que o Espírito eventualmente abrirá ao Evangelho na Ásia. Neste sentido, o antecessor de Bento XVI, João Paulo II, o Grande, foi grande também na sua visão para a Ásia, falando das oportunidades para o Evangelho neste continente e deixando à Igreja “a Ásia como a tarefa missionária do terceiro milénio.” Na evidente falta de missionários provenientes das igrejas da Europa e da América, as novas iniciativas missionárias no continente serão possíveis só se as igrejas das Filipinas, da Coreia, do Vietnam, da Índia e do Sri Lanka adoptarem uma atitude mais decididamente missionária, colocando ao serviço da evangelização do continente os seus recursos humanos e financeiros. Em terceiro lugar, há uma agenda cultural que espera Bento XVI na Ásia, uma agenda única, que constitui o grande desafio para o Evangelho no continente. No passado, o Evangelho e o Cristianismo apareceram aos olhos dos asiáticos como estrangeiros, religião própria dos estrangeiros, à qual eles permaneceram culturalmente alheios. Alguma razão tiveram os asiáticos para ficarem com essa percepção, já que o Cristianismo lhes chegou pela mãos de europeus, e, sobretudo, lhes apareceu como religião culturalmente alheia nos seus ritos, doutrinas, formas exteriores. Bento XVI é uma pessoa de grande cultura, com uma grande capacidade de pegar nas questões culturais de fundo. Ele e o seu pontificado estarão por isso bem colocados para abrirem o caminho para que o Cristianismo se apresente aos asiáticos em veste mais asiática, e seja culturalmente percebido como religião de casa. Em último lugar colocamos a agenda política, que nem por isso deixa de ser extremamente importante no momento actual, no contexto globalizado em que vivemos. As relações da Santa Sé com as nações da Ásia registaram progressos significativos sob o pontificado de João Paulo II, como mostra, por exemplo, a actual abertura do governo Vietnamita. Em países de tradição Hinduísta e Budista, como a Índia e o Sri Lanka, ou em países de tradição muçulmana como a Indonésia e o Paquistão, a Santa Sé criou, felizmente, uma tradição de presença diplomática apreciada e estimada. O desafio maior, porém, continua a ser a China em relação à qual vivemos actualmente num impasse. O desejo, existente aparentemente em ambas as partes, de estabelecer relações diplomáticas não se concretizou e os contactos de alto nível estão interrompidos desde o ano 2000. O Papa João Paulo II morreu sem conseguir concretizar o seu sonho de uma viagem à China para estabelecer relações diplomáticas com o regime comunista de Beijing e ultrapassar a presente situação de divisão dos católicos chineses. A China continuará, assim, como prioridade na agenda política de Bento XVI para a Ásia. Mais do que ver a China como perigo, importa (com Francisco Xavier que pensava que a abertura da China ao Evangelho era o prelúdio da abertura da Ásia inteira à mensagem de Cristo) procurar todas as oportunidades para estabelecer relações diplomáticas com a China e abrir perspectivas novas à Igreja no maior e mais habitado país do continente. Chegados ao fim da reflexão, poderá pensar-se que esta agenda asiática de Bento XVI aparece demasiado carregada para um curto pontificado de transição como necessariamente será o seu. Vistas as coisas aqui da Ásia, o importante não é fazer a viagem inteira num dia, mas começá-la com os passos certos e sustentá-la com os ritmos adequados. Uma pessoa discreta e eficiente como Bento XVI saberá encontrar a maneira de acertar o passo e o ritmo para sustentar a caminhada da Igreja e do Cristianismo na Ásia. Pe. Manuel Augusto Lopes Ferreira, mccj

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