Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
O grau de exigência da caridade cristã é imenso. Absoluto: amar Deus acima de todas as coisas e o próximo como a si mesmo. Um ideal de perfeição que parece impossível de concretizar em todas as suas dimensões e que, talvez por isso, aprendemos sempre a relativizar. Com o tempo passamos a esperar que o outro esteja à altura da nossa solidariedade, selecionamos quem é qualificável como “próximo” e vamos deixando para trás os que incomodam mais a nossa serenidade interior.
O quadro do Bom Samaritano tem inspirado muitas e profundas reflexões, mas recentemente houve uma que me chamou a atenção, do Papa Francisco, sobre a importância da hospedaria, do local onde foi possível tratar daquela pessoa roubada e agredida para que pudesse recuperar a sua dignidade e prosseguir a sua vida. A capacidade de compaixão daquele samaritano – um herege, aos olhos de uma determinada corrente religiosa – não seria suficiente para levar por diante a sua boa intenção de ajudar o próximo. Houve necessidade de um contexto institucional, de outras boas vontades, de ajuda, também financeira, recordando que a transformação social exige um esforço coletivo, capaz de sacudir a indiferença de todos.
Ao apresentar o outro, um rosto concreto, como referência ética fundamental, o Papa Francisco desafia todos os que “cristalizaram” em esquemas pré-determinados e absolutismos, todos os que passaram do (sempre necessário) “Senhor, eu não sou digno” para um “tu não és digno de mim”.
O mundo contemporâneo chama todos os dias por bons samaritanos, por cristãos capazes de levar por diante o ideal de caridade proposto por Jesus, em cada local do planeta, sem hesitações nem calculismo perante um rosto sofredor. Talvez a recompensa não seja imediata ou não venha a existir de todo, mas quem professa esta fé não confia no ouro nem prata que perecem.
Após a folia do Carnaval, chegarão as Cinzas e a Quaresma, com os seus apelos à oração, jejum e esmola. 40 dias que procuram recuperar as dimensões verticais e horizontais da vivência da fé, para que a vida seja mais completa e o mundo mais humano. Um tempo para fazer a diferença.