Cadeira vazia, encantamento e desconfiança

Octávio Carmo

Bastou uma cadeira vazia para que regressassem ao Vaticano as teorias da conspiração, as declarações não confirmadas, as fontes privilegiadas que nunca dão a cara e as críticas ao Papa, agora outro. Francisco ainda goza da sua ‘lua de mel’ com boa parte da Igreja Católica e da imprensa, mas a sua ausência no concerto do último sábado, nas celebrações do Ano da Fé, por causa de uma “tarefa urgente e inadiável”, como foi então explicado, serviu para mostrar (se dúvidas houvesse) que o gosto pelos bastidores, pela coscuvilhice (que ele tanto tem criticado) e a intriga não desapareceu…

Há pessoas que temem (desejam?) que o Papa argentino não esteja à altura da missão que lhe foi confiada pelos cardeais e que ainda não se tenha apercebido da real implicação das suas decisões, que afetam não só a Diocese de Roma, mas todo o mundo católico. Mais ainda: não se coíbem de o criticar por declarações que ninguém sabe se proferiu nem têm qualquer pejo em definir exatamente como é que ele deve falar e comportar-se, para não embaraçar a Igreja. Francisco, só Francisco como decidiu ser chamado, não é um Papa monarca, por certo, mas não é por isso que ocupa com menos dignidade o seu lugar.

Tenho a convicção, que já vi partilhada nos muitos balanços que foram feitos dos primeiros dias do pontificado, de que a liderança do Papa, deste e de todos, é espiritual e quando se trata disso o estilo não é questão secundária, mas essencial. A reforma, na Igreja, nasce sempre dentro de cada pessoa e é o exemplo do próprio Francisco, na sua simplicidade e proximidade, que tem de questionar todos sobre o que deve mudar, a começar por si próprios.

A opção tomada em relação ao ‘Banco do Vaticano’, criando uma comissão de inquérito, que responde apenas perante o Papa, é a primeira medida de ‘governo’ de Francisco, que deixa claro que o patamar de decisão será sempre o dele: uma mensagem importante para dentro e para o exterior, mostrando que há vontade de decidir e que essas decisões serão tomadas, mesmo que sejam duras.

Tenho medo das pessoas que se acham demasiado boas para terem um Papa como Francisco e das que acham que ele é demasiado bom para ser Papa. Compreendo que, por causa da personalidade de cada um, este início de pontificado se viva entre o encantamento e a desconfiança, mas estou certo de que os primeiros sinais promissores de que a mensagem do sucessor de Bento XVI é capaz de chegar ao mundo e à Igreja, apesar das suas diferenças, redundarão em palavras e gestos muito significativos. E as pessoas vão ter de se habituar.

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