Missa crismal: Homilia do cardeal-patriarca de Lisboa

“O sacerdócio apostólico e os desafios do momento presente” 

1. Nesta celebração, que precede imediatamente o Tríduo Pascal, a liturgia sublinha a relação que há entre a Páscoa e a normalidade da vida da Igreja como lugar da graça e caminho de salvação. E desta fecundidade da Páscoa em toda a peregrinação do Povo de Deus no tempo, o sacerdócio de Jesus Cristo, exercido por aqueles que o Senhor consagrou, é o sinal e a garantia. 

Por isso nos reunimos hoje, em expressão visível da nossa comunhão com Cristo e com todo o Povo sacerdotal. E na vivência deste mistério da nossa vida, pode ajudar-nos a graça própria do tempo presente, deste momento concreto da vida da Igreja. 

Elegemos um novo Bispo de Roma de cuja missão faz parte o ministério de Pedro, de ser o instrumento visível da Igreja como comunhão de amor, que a leva a aprofundar a unidade na caridade e na verdade. 

A escolha do Espírito Santo recaiu sobre um sacerdote, que na sua vivência pastoral e na autenticidade evangélica realiza bem a promessa feita pelo Profeta Isaías: “O Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor” (Is. 61,1-2). 

Jesus já tinha declarado que esta profecia se cumpria n’Ele (cf. Lc. 4,21). E porque se cumpriu n’Ele é desejo seu que se realize em cada tempo e em todos os tempos naqueles que fazem um com Ele na vivência do seu sacerdócio para bem de toda a Igreja e para salvação do mundo. 

Estamos também a celebrar os cinquenta anos da Abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II. O Papa Francisco já nos deu sinais de que a sua eleição é uma afirmação forte da atualidade do Concílio, daquela renovação da Igreja, na autenticidade evangélica, desejada por João XXIII. 

Respondamos com fé e confiança às exigências deste momento da vida da Igreja. 

2. Penso não surpreender nenhum de vós se vos disser que o problema dos sacerdotes foi tema forte nas reuniões que antecederam a eleição. A Igreja foi ferida pelos pecados de tantos sacerdotes, que escandalizaram o mundo. 

Mas também foi dito que é preciso partir, com confiança, do testemunho de santidade e de vida entregue a Cristo e à Igreja, da maior parte dos sacerdotes que procuram viver a sua vida na fidelidade a Cristo e aos irmãos e que a Igreja será sempre o lugar da misericórdia e da conversão. 

Este tem de ser um momento de entusiasmo pela santidade, exigida pelo nosso ministério, de busca da conversão e de confiança na misericórdia. O Papa Francisco já deu sinais de querer conduzir a Igreja para esse tempo de esperança, de autenticidade e simplicidade evangélica, que leve não apenas a sanar os pecados, mas a evitá-los, na consciência clara de que o nosso sacerdócio é uma exigência de santidade. 

3. Exercendo “in persona Christi” o seu próprio sacerdócio, a nossa vida é chamada a identifica-se com Cristo, a sermos santos como Ele é Santo. 

No documento sobre os Presbíteros, o Concílio afirma: “os presbíteros são consagrados por Deus, por meio do ministério dos Bispos, para que, feitos de modo especial participantes do sacerdócio de Cristo, sejam na celebração sagrada ministros d’Aquele que na liturgia exerce perenemente o seu ofício sacerdotal a nosso favor. 

Na verdade, introduzem os homens no Povo de Deus pelo Batismo; pelo sacramento da Penitência reconciliam os pecadores com Deus e com a Igreja; com o óleo dos enfermos, aliviam os doentes; sobretudo com a celebração da Missa, oferecem sacramentalmente o sacrifício de Cristo”.

É sobretudo da Eucaristia que brota esta exigência de santidade. 

Continua o texto conciliar: “Os restantes sacramentos, porém, assim como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. 

Com efeito, na Santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo; assim são eles convidados e levados a oferecer, juntamente com Ele, a si mesmos, os seus trabalhos e todas as coisas criadas. 

Por isso, a Eucaristia aparece como fonte e coroa de toda a evangelização” 

Trata-se de uma exigência simples e profunda: que a nossa vida seja sempre digna da Eucaristia que celebramos e acolher, em cada Eucaristia, as exigências de conversão. 

4. Queridos Padres, o momento que passa constitui interpelação forte à nossa fidelidade. Neste Ano da Fé, aceitemos com firmeza que o sacerdócio é a principal concretização da nossa fé, não apenas da nossa mas de toda a Igreja, porque o sacerdócio de Cristo continuamente em ação através do nosso ministério, é o alicerce seguro da Igreja como sacramento de salvação, isto é, o lugar da atualidade da salvação continuamente a acontecer. 

Nós somos, em nome de Cristo, os agentes da salvação. Devemos dar prioridade à caridade pastoral, isto é, encarnarmos na nossa ação junto dos homens o amor infinito de Jesus Cristo, nosso Redentor e Bom Pastor. 

A nossa vida é chamada a ser, toda ela, uma expressão desse amor salvífico, dando um lugar privilegiado, no nosso coração, aos pobres, aos doentes, aos que sofrem. O Papa Francisco desafia-nos para essa prioridade. Declarou que quer uma Igreja pobre, ao serviço dos pobres.

Na nossa sociedade, hoje, há mais pobres, pessoas que inesperadamente sentiram bater à porta a pobreza. Essa circunstância só pode renovar a nossa solicitude e caridade fraterna. 

Este amor renovado e despojado quer encontrar na comunhão de amor, do nosso presbitério e de toda a Igreja diocesana a sua realização imediata. 

Vivamos em comunhão, como se cada um fosse responsável por todos os outros. Estejamos atentos aos problemas dos nossos irmãos padres, estendendo-lhe a mão e abrindo-lhe o coração. 

5. Este amor pastoral é a razão de ser da nossa consagração virginal a Cristo. Diz o documento conciliar sobre os presbíteros: “A continência perfeita e perpétua por amor do reino dos céus, recomendada por Cristo Senhor, generosamente aceite e louvavelmente observada através dos séculos e mesmo em nossos dias por não poucos fiéis, foi sempre tida em grande estima pela Igreja, especialmente na vida sacerdotal.

É na verdade sinal e estímulo da caridade pastoral e fonte singular de fecundidade espiritual no mundo”. As infidelidades a esta consagração virginal, no celibato, estiveram no centro dos recentes escândalos do clero. 

O celibato dificilmente se aguenta concebido apenas como privação. Ele é uma nova maneira de amar, participando da maneira de Cristo amar, leva-nos a dar uma qualidade e densidade nova ao amor com que amamos as pessoas, desafiando aqueles e aquelas que nos amam, a não o fazerem segundo a carne e o sangue, mas partilhando do Espírito do amor divino. 

Este amor é algo de novo que o mundo não conhece, mas que é fonte de felicidade e alegria. O Concílio ensina-nos que celibato e exercício do sacerdócio não estão necessariamente ligados, mas o amor virginal é uma expressão privilegiada do nosso amor sacerdotal. 

Ouçamos de novo a Presbyterorum Ordinis: “Pela virgindade ou pelo celibato observado por amor do reino dos céus, os presbíteros consagram-se por um novo e excelente título a Cristo, aderem a Ele mais facilmente com um coração indiviso, n’Ele e por Ele mais livremente se dedicam ao serviço de Deus e dos homens, com mais facilidade servem o seu reino e a obra da regeneração sobrenatural, e tornam-se mais aptos para receberem, de forma mais ampla, a paternidade em Cristo.

Deste modo, manifestam ainda aos homens que desejam dedicar-se indivisamente ao múnus que lhes foi confiado, isto é, de desposar os fiéis com um só esposo e apresentá-los como virgem casta a Cristo, evocando assim aquela misteriosa união fundada por Deus e que se há-de manifestar plenamente no futuro, em que a Igreja terá um único esposo, Cristo. 

Além disso, tornam-se sinal vivo do mundo futuro, já presente pela fé e pela caridade, em que os filhos da ressurreição não se casam nem se dão em casamento”. Cultivemos este amor virginal que não exclui ninguém, que não é a exclusão do corpo e das suas relações humanas, mas a busca do seu sentido último no Corpo de Cristo morto e ressuscitado; vivamo-lo na confiança e na humildade de quem sabe que só com o amor de Cristo aprenderemos essa maneira nova de amar. 

Que ao sentirem-se amadas por nós, as pessoas sintam, no seu coração, o desejo de um amor novo, a dar mais sentido à sua vida concreta. 

Tenhamos consciência que a mentira na nossa maneira de amar, pode significar a mentira de toda a nossa vida. O nosso sacerdócio não é só função, é anúncio desse amor definitivo que Cristo mereceu para nós, no seu sacrifício pascal. 

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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Agência ECCLESIA

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