Cinema: César deve morrer

No séc. I antes de Cristo, Roma é o coração de um império que apesar da sua magnitude, se vê corroído pelo poder, a intriga política e pela ganância no seu seio.

Resultado de uma inquietação crescente entre os que lhe são mais próximos, Júlio César é alvo de uma conspiração que o levará à morte.

Nos últimos dias da sua vida, não é tanto o homem o que está em causa como aquilo que representa: a política, a vida pública, a capacidade, ou não, de assumir o bem comum.

A carga trágica dos últimos dias da vida de Júlio César, o simbolismo da discussão que se gera em seu torno e a atualidade que mantém ao longo dos tempos têm, desde sempre, merecido ampla e profunda atenção da literatura, do teatro e do cinema. De entre as obras criadas, a tragédia de Shakespeare ,“Júlio César”, tem servido de fonte e inspiração às seguintes, de entre as quais se contam o clássico filme homónimo de Joseph L. Mankiewicz (1953) ou, mais recentemente, a extraordinária peça encenada por Luís Miguel Cintra (2007).

Eis que surge agora a obra dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani: nos dias de hoje, dois encenadores propõem levar a cabo a peça de Shakespeare numa prisão de alta segurança. Integrada na oficina de teatro da prisão, a peça ganha vida e corpo desde a escolha dos futuros atores, entrecruzando a situação e relações dos prisioneiros entre si com as das personagens, com as questões fundamentais de liberdade individual e coletiva, entre outras, que uma e outra realidade levantam. O resultado é uma magnífica reflexão sobre a condição humana, simultaneamente a dois tempos e intemporal, conferindo à obra a pertinência de, hoje, questionar a legitimidade do poder, o estabelecido e o que se contesta, as motivações e a autonomia moral inerentes a cada postura mais ou menos assumida ante a vida pública ou coletiva.

Subjacente à reflexão sobre o poder político, o filme revela o imenso poder libertador da arte, cinematográfica e dramática, para o homem, conjugando perfeito domínio fílmico sobre ambos os registos.

 “César Deve Morrer” arrecadou o Urso de Ouro e o Prémio Ecuménico na mais recente edição do Festival de Cinema de Berlim.

Margarida Ataíde

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