Nota Pastoral do bispo de Santarém para o ano 2012-2013

Felizes os que acreditam

Celebramos no ano pastoral 2012-2013 o Ano da Fé convocado pelo Papa Bento XVI como uma oportunidade para compreendermos e vivermos o fundamento da nossa fé cristã. Nesse sentido, venho dirigir a toda a família diocesana de Santarém uma carta pastoral para refletirmos sobre a oportunidade deste convite e apresentar algumas propostas para lhe darmos concretização. Assim respondo ao pedido do santo Padre e cumpro a minha missão pastoral de orientar no caminho do evangelho, caminho de bondade e de graça como reza o salmo 23. Desde já agradeço toda a atenção prestada às propostas contidas nesta carta e manifesto o meu reconhecimento a todos os que colaboraram na sua definição, com relevo para o Conselho Pastoral Diocesano e respetivo Secretariado Permanente.

 

A porta da Fé

Deus abre a porta da fé para que entremos na Sua morada e tenhamos comunhão de vida com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, fonte de paz e de alegria. O mistério de Deus parece inacessível, longínquo. Mas está ao nosso alcance, há uma porta que comunica com Ele. Na verdade, Jesus apresentou-se como a porta que nos faz entrar no mistério escondido de Deus, uma porta que conduz à esperança e ao amor. “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim estará salvo; há de entrar e sair e achará pastagem” (Jo 10, 8-9). Jesus é a porta da salvação que está sempre aberta. Entremos com confiança pela porta da fé. Dentro encontramos o caminho para a verdade e para o amor. Quem entra por esta porta tem a vida eterna. “Felizes os que acreditam”(Jo 20,29). 

Muita gente parece não encontrar a porta da fé. Em ambiente de descrença, Deus parece escondido por um véu ou uma parede fechada. Como se estivesse ausente ou se tivesse eclipsado da vida de cada um e da história dos homens. Há uma crise de fé, um desinteresse pela dimensão religiosa da vida. Sem Deus falta a luz e o apoio para a existência humana e a referência para o bem e o mal. Quem entra pela porta da fé descobre novos horizontes, integra-se numa nova família, encontra um caminho para se renovar a si e à humanidade. Mesmo na maior escuridão da existência, a porta da fé mostra uma luz ao fundo do túnel, revela-nos que Deus existe e cuida de nós, pois enviou-nos o Seu Filho e orienta-nos com a luz do Espírito Santo.

Quem entra na morada de Deus toma consciência de que não pode guardar para si a boa nova. Descobre que Deus lhe pede que mostre a porta a outros para que acreditem também e tenham a vida. Quem é chamado ao dom da fé é também enviado a transmitir a paz e a justiça de Deus. A fé não pode guardar-se escondida no íntimo de cada crente pois o Senhor quer que a Sua luz ilumine todos os homens: ”Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte (…). Assim brilhe a vossa luz diante dos homens” (Mt 5, 14-16).

Para que muitas mais pessoas entrem pela porta da fé e possam encontrar em Jesus Cristo a luz e a esperança, o Santo Padre Bento XVI convocou a igreja para celebrar de 11 de outubro de 2012, 50º aniversário do Concílio Vaticano II, a 24 de novembro de 2013, Festa de Cristo Rei, o Ano da Fé. Para nos orientar na vivência deste ano escreveu-nos a Carta Apostólica “A Porta da Fé” (PF). Com esta iniciativa, o Santo Padre procura responder à profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas e torna necessário “redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo” (PF 2). 

Assim, com a graça de Deus e inspirados por este documento do magistério universal da igreja, propomo-nos também na diocese de Santarém viver o ano da fé, de modo a aprofundar, a esclarecer e a cultivar esta graça que recebemos e a transmiti-la com mais vigor e dedicação. Vamos, pois, penetrar mais profundamente pela porta da fé e ajudar outros a entrar também.

 

O anúncio do evangelho, obra da graça de Deus

Desde os primeiros tempos que a Igreja viveu com muito empenho a missão que recebeu de Jesus Cristo de anunciar o evangelho a todos os povos. Com a força do Espírito Santo e a dedicação dos apóstolos, a Palavra de Deus crescia e expandia-se e o número de crentes aumentava constantemente (cf Act 2, 47; 13, 24, etc). Paulo, o grande evangelizador, declara que foi enviado por Jesus aos pagãos para lhes abrir os olhos e os fazer passar das trevas à luz e da sujeição de Satanás para Deus (Act 26, 18) e assim poderem tomar parte na herança dos eleitos de Deus. É esclarecedor, neste sentido, acompanhar a conclusão da primeira viagem missionária de Paulo e Barnabé narrada por São Lucas no livro do Atos dos Apóstolos:

“Depois de terem anunciado a Boa-Nova em Derbe e de terem feito numerosos discípulos, Paulo e Barnabé voltaram a Listra, Icónio e Antioquia. Fortaleciam a alma dos discípulos, encorajavam-nos a manterem-se firmes na fé, porque, diziam eles: «Temos de sofrer muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus.» Depois de lhes terem constituído anciãos em cada igreja, pela imposição das mãos, e de terem feito orações acompanhadas de jejum, recomendaram-nos ao Senhor, em quem tinham acreditado. A seguir, atravessaram a Pisídia, chegaram à Panfília e, depois de anunciarem a palavra em Perga, desceram a Atália. De lá, foram de barco para Antioquia, de onde tinham partido, confiados na graça de Deus, para o trabalho que agora acabavam de realizar. Assim que chegaram, reuniram a igreja e contaram tudo o que Deus fizera com eles, e como abrira aos pagãos a porta da fé” (Act 14, 21-27).

Paulo e Barnabé haviam partido de Antioquia da Síria apoiados pela oração e pelo empenho de toda a comunidade cristã que, pela oração e pelo jejum, havia participado na escolha e no envio. Os dois apóstolos haviam feito a viagem missionária pregando o evangelho em várias cidades, dirigindo-se aos pagãos, não membros do povo judeu, “confiados na graça do Senhor” (v 26). Agora, fazendo o caminho de regresso, os dois evangelizadores visitam as comunidades nascidas do primeiro anúncio do evangelho e procuram confirmá-las na fé, exortando-as a enfrentar as perseguições com fortaleza e fidelidade ao Senhor.

Nesta visita aos discípulos convertidos pela primeira viagem missionária, Paulo e Barnabé procuram organizar a vida das comunidades locais colocando, à frente de cada uma, presbíteros que apascentem os fiéis. É um momento importante de crescimento da igreja e, por isso, é acompanhado de oração, jejum e confiança na providência de Deus. Encontramos, nesta visita dos evangelizadores às comunidades, um primeiro exemplo do que serão as visitas pastorais dos bispos nas épocas posteriores.

Ao chegar a Antioquia, a comunidade cristã de onde tinham partido, os dois apóstolos convocam os fiéis com quem partilham os frutos da evangelização. Manifestam a convicção de que Deus é o principal autor da obra feita: é Deus quem abre a porta da fé aos pagãos. Eles os dois são apenas humildes colaboradores do projeto divino.

 

Uma nova evangelização

Hoje, em tempos de descrença e de desorientação, é de novo necessário levar o anúncio do evangelho aos que o não conhecem para que Deus lhes abra a porta da fé e lhes revele a verdade e o amor. Mas, como vemos no referido texto dos Atos, a evangelização é uma iniciativa que parte do Espírito Santo (cf Act 13, 2-3), responsabiliza pessoas concretas (Barnabé e Paulo) e envolve toda a comunidade cristã que participa pela escuta meditada e orante da palavra de Deus, pela oração, pelo jejum, pelo culto e pelo apoio aos missionários. Por outro lado, os evangelizadores confiam sobretudo na graça de Deus que os fortalece para enfrentar com ânimo as tribulações e hostilidade dos que não aceitam a fé.

O primado da graça de Deus que abre a porta da fé aos pagãos não dispensa os evangelizadores enviados nem a comunidade cristã de prestarem atenção aos sinais dos tempos onde podem discernir os apelos de Deus e de procurar uma pedagogia adequada à evangelização de cada época. Com esta preocupação realiza-se, por vontade do Santo Padre, em outubro, na abertura do ano da fé, o Sínodo “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”. Não podemos à partida pressupor a fé (cf PF 2). Precisamos de evangelizar de novo países e regiões que tradicionalmente eram considerados já evangelizados. De facto, verifica-se, nalguns lados, uma onda de agnosticismo que se traduz no recuo da prática dominical, na diminuição da celebração dos sacramentos e na rutura da transmissão da fé aos mais novos. Estamos perante um mundo diferente onde as referências cristãs se diluem. Precisamos de evangelizar de novo e de forma nova. Precisamos também hoje de percorrer caminhos novos de evangelização e implorar a graça de Deus para que abra a porta da fé aos nossos contemporâneos.

Para preparar o Sínodo foram publicadas as “Lineamenta” (Lin – esboço das linhas programáticas) onde se afirma; “Vivemos um momento histórico cheio de mudanças e de tensões, de perda de equilíbrios e de pontos de referência. Esta época força-nos a viver frequentemente encurralados no presente e na precariedade, sendo cada vez mais difícil a escuta e a transmissão da memória humana e a partilha de valores sobre os quais construir o futuro das novas gerações” (Lin 3); nesta situação religiosa, Nova Evangelização “é sinónimo de renascimento espiritual da vida de fé das igrejas locais, início de percursos de discernimento das mudanças que afetam a vida cristã nos diferentes contextos culturais e sociais, releitura da memória da fé, assunção de novas responsabilidades e novas energias em vista de uma proclamação alegre e contagiante do evangelho de Jesus Cristo” (Lin 5).

A evangelização inspira-se e continua a ação evangelizadora de Jesus e dos apóstolos. É a mesma que teve início no Pentecostes. A igreja, ao longo de vinte séculos, sempre evangelizou. No entanto, hoje é necessário um novo início, ou seja, começar pelo princípio, pelo despertar da fé, dando relevo ao primeiro anúncio de Jesus Cristo que nos convida à conversão. Por isso, a evangelização, sendo a mesma de toda a tradição cristã, precisa de novo dinamismo e de novas formas para se tornar significativa para os nossos contemporâneos e lhes tocar o coração. Tem em vista o mesmo objetivo, levar ao encontro pessoal com Jesus Cristo e ao seguimento do Seu caminho e assenta na mesma dinâmica: o testemunho de fé da igreja, mediada pela experiência pessoal dos evangelizadores. É esta mesma dinâmica que notamos em Paulo e Barnabé. Apoiavam-se na fé da comunidade e transmitiam o que eles próprios haviam descoberto e experimentado.

Notamos algum cansaço e desânimo da parte dos evangelizadores. Chocam com o desinteresse das pessoas do nosso tempo que se mostram indiferentes à prioridade de Deus e à dimensão espiritual da vida e não dão ouvidos ao anúncio do evangelho. A catequese não fideliza os destinatários como esperávamos, há uma rutura na transmissão da fé às novas gerações, os frutos não correspondem ao trabalho pastoral. Como outrora os apóstolos, também hoje muitos obreiros do evangelho, têm a tentação de dizer: “trabalhámos toda a noite e nada apanhámos” (Lc 5, 5). Por isso, a nova evangelização necessita de confiança mais sólida na graça de Deus que abre a porta da fé, de apoio mais firme na Sua palavra, de um maior ardor dos missionários e participação mais empenhada das comunidades. “À tua palavra lançarei as redes” (Lc 5, 5). Por vezes é preciso lançar as redes para outro lado, (cf Jo 21, 6), procurar formas e iniciativas diferentes, abrir portas novas.

A nova evangelização convida-nos a repensar as nossas prioridades e o nosso estilo pastorais. É necessário que toda a ação da igreja e das comunidades – profética, litúrgica e social – adquira dinamismo missionário, indo ao encontro das pessoas, chamando-as e motivando-as para a fé; leve à descoberta de Cristo vivo como caminho novo e como porta que abre ao mundo novas perspetivas; promova a conversão fazendo da fé um novo critério de entendimento e de ação que muda toda a vida do homem (PF 6). Esta orientação missionária convida-nos a várias linhas de ação como: rever os percursos de iniciação à fé e de preparação dos sacramentos (Lin 18); inspirar a ação pastoral na pedagogia catecumenal; preparar e viver a liturgia de forma festiva e espiritual; formar os fiéis na perspetiva de discípulos e evangelizadores; criar iniciativas para nos aproximarmos dos afastados e maior empenho pela construção do reino de Deus no mundo que é justiça e paz entre os homens.

Na prática, cada comunidade precisa de traduzir a nova evangelização em algumas propostas concretas, como:

a) valorizar, numa perspetiva evangelizadora, os encontros de preparação e de celebração dos sacramentos, sacramentais e piedade popular que permitem contactar com os afastados; criar lugares e espaços para encontro e diálogo com os descrentes (que tornem realidade o “átrio dos gentios”);

b) oferecer oportunidades e convidar os fiéis para participarem numa experiência de Primeiro Anúncio da fé. Temos, nesta área, formas já conhecidas que se têm procurado atualizar, como: as “Missões Populares”; “os Convívios Fraternos”; os “Cursos Alfa”; os “Cursos de Cristandade”; o “Caminho Neocatecumenal”, etc. Também os retiros e outros exercícios espirituais se têm revelado eficazes como momentos de Primeiro Anúncio;

c) outras atividades evangelizadoras podem ser oportunamente propostas no Ano da Fé, como: promover a formação laical dentro da renovação conciliar e da pedagogia catecumenal (com atenção à espiritualidade, à conversão, à vida comunitária e ao compromisso apostólico); iniciativas para convocar jovens e integrá-los em grupos de formação e de missão; atividades para evangelizar e formar as famílias na sua missão humana e cristã; valorização das comunicações sociais como meio para chegar a um leque mais amplo de destinatários; missão “de rua” ou “porta a porta” que nos leve ao encontro das pessoas nos lugares onde decorre a sua vida quotidiana.

 

Valor e beleza do Concílio Vaticano II

O ano da fé faz referência também aos 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II (11 de outubro de 1962), “a grande graça de que a Igreja beneficiou no século XX” (PF 5; João Paulo II) e que teve como grande preocupação “iluminar os povos com a luz de Cristo que resplandece no rosto da Igreja” (LG 1).

O Concílio Vaticano II foi, justamente, considerado como um novo Pentecostes para o nosso tempo. Procurou realmente abrir-se à inspiração do Espírito Santo fonte de novo dinamismo e de nova linguagem para propor o evangelho ao mundo moderno. Verificava-se, na altura, uma rutura profunda entre a igreja e a modernidade. Segundo a vontade do Papa João XXIII, que convocou o Concílio, a igreja deve abrir-se ao diálogo com o mundo e estabelecer pontes que nos levem ao encontro dos homens e das sociedades. Nesse sentido, como afirmou o bom Papa João no discurso inaugural, é necessário encontrar uma linguagem atual para proclamar a fé imutável das origens pois, ao longo de séculos, a doutrina evangélica, ao ser inculturada, foi também revestida com roupagens históricas. Assim, atualizando a linguagem, a igreja poderá expor a mensagem cristã de “forma pastoral”, ou seja, como uma “boa nova” que seja fiel ao evangelho e que esteja em relação com as experiências vitais das pessoas e da cultura atual.

Ao fazer coincidir o início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II, Bento XVI quer fazer-nos compreender que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares não perdem o seu valor nem a sua beleza (cf PF 5). A novidade que os textos conciliares trouxeram à igreja está ainda longe de ser alcançada na prática pastoral, como por exemplo: a igreja como casa e escola de comunhão; a consciência de todos os fiéis de que são igreja e a sua participação ativa nas atividades pastorais e na construção do reino de Deus no mundo; a palavra de Deus como alicerce fundamental da vida cristã; a eucaristia como cume e fonte de evangelização, preparada pela evangelização, celebrada festivamente por toda a comunidade e continuada pelo serviço fraterno e pelo testemunho da fé na igreja e no mundo; o diálogo e serviço da igreja na sociedade. Nesse sentido, é necessário, no Ano da Fé, aprofundar a compreensão das quatro grandes constituições conciliares que abordam estas dimensões da vida da igreja: Lumen Gentium (LG); Dei Verbum (DV); Sacrossantum Concilium (SC); Gaudium et Spes (GS).

Para viver o aniversário do Concílio somos desafiados, portanto, a ir ao coração da fé, a aproximarmo-nos de Jesus Cristo, Senhor da Igreja, que estará com os que n’Ele acreditam até ao fim dos tempos. O Concílio dedicou-se à renovação da Igreja para que a luz de Cristo resplandecesse, de forma mais luminosa, no rosto da comunidade dos crentes. É a presença de Cristo e a força do Espírito Santo que fazem da igreja uma comunhão de santos, realizando o desígnio de Deus Pai: “Assim a igreja aparece como um povo unido “pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (LG 4). Deste modo, para proporcionar aos nossos fiéis a descoberta da igreja conciliar, recomendo que se realizem, a nível de vigararia, assembleias eclesiais festivas que integrem todas as forças vivas das paróquias da região e ofereçam aos fiéis uma experiência jubilosa e cativante da comunhão eclesial. A nova evangelização pressupõe a renovação da Igreja de modo que esta se torne significativa como sinal e sacramento fundamental de Jesus Cristo.

Na continuação da obra de renovação de toda a vida eclesial, querida e iniciada pelo Concílio Vaticano II, foi publicado o Catecismo da Igreja Católica em 11 de outubro de 1992, no trigésimo aniversário da abertura do Concílio. “Instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial e norma segura para o ensino da fé” (PF 11). Repassando as páginas descobre-se que o que ali se apresenta não é uma teoria mas o encontro com uma pessoa que vive na igreja” (PF 11).

Na procura de uma fé mais fundamentada, assente em convicções, capaz de dialogar com a cultura descrente e responder perante tantas confusões, é importante a consulta e o estudo do Catecismo como doutrina segura da igreja, como atualização do Credo para a cultura atual. Uma das grandes debilidades da fé, no nosso tempo, é a ignorância religiosa e a confusão sobre o que é essencial e perene na fé cristã. O Catecismo da Igreja Católica é uma preciosa ajuda para alcançar uma síntese atualizada da fé e tomar consciência “da força e da beleza da doutrina da fé” (introdução). Guia-nos na redescoberta do Credo como afirmação da adesão a Jesus, único salvador enviado pelo Pai, Criador, e fortalecido (ungido) pela força do Espírito.

 

Jubileu episcopal, convite à comunhão e participação

Os vinte e cinco anos de ordenação episcopal que celebrarei a 13 de março de 2013, são um convite para aprofundar a compreensão do ministério do bispo de servir a comunhão e a participação de todos os fiéis na igreja, construindo o Corpo de Cristo coordenado e unido em todas as suas articulações (cf Ef 4, 16). Por outro lado, ser cristão, não apenas de nome mas de verdade, é viver em comunhão com o bispo, como tanto insiste Santo Ignácio de Antioquia na Carta aos Magnésios. O ícone da primeira viagem apostólica de São Paulo, proposto para o Ano da Fé, sugere-me algumas considerações a propósito dos vinte e cinco anos de exercício do ministério episcopal, na continuação do presbiterado que recebi em agosto de 1965. Ao longo deste tempo experimentei a verdade de muitas afirmações que faço nesta carta. Destaco algumas.

1.É Deus quem abre a porta da fé. Somos apenas instrumentos. A graça de Deus vai para além dos méritos e capacidades deste pobre sinal visível da minha pessoa e ação de bispo. Noto-o em muitas iniciativas, contactos e, designadamente, nas visitas pastorais. Os frutos levam-me a fazer a experiência gratificante de que sou simples mediador de um dom que me ultrapassa e encanta. Como confessava o bem-aventurado Frei Bartolomeu dos Mártires, as visitas pastorais são um verdadeiro tempo de graça (cf PG 46). Penso que devo procurar que sejam mais acompanhadas e apoiadas pela oração.

A convicção do primado da graça em relação às nossas capacidades e méritos, tenho-a aprofundado com a ajuda do Espírito Santo e com a luz da Palavra de Deus. A nível de doutrina sempre soube e preguei que em vão trabalhamos nós se Deus não edifica a cidade. Mas foi a prática que me levou a interiorizar esta convicção. Foi a experiência vivida que me mostrou que Deus é o Pastor eterno que não abandona o Seu rebanho antes continuamente o guarda através do governo daqueles que Ele põe à sua frente como representantes de Seu Filho Jesus Cristo (cf Prefácio dos Apóstolos I).

Por isso, o nosso papel de ministros do Senhor é estar atentos aos sinais da Sua vontade para realizarmos o Seu plano e não o nosso. Assim, o exercício do ministério tem-me ensinado a pôr em prática a recomendação de São Pedro :”Humilhai-vos sob a poderosa mão de Deus (…). Confiai-lhe todas as vossas preocupações porque Ele tem cuidado de vós” (1 Pe 6-7). Por isso, peço frequentemente a sabedoria do Espírito Santo para governar o povo de Deus na santidade e na justiça, como rezamos no livro da sabedoria: “Enviai-me Senhor a Vossa sabedoria. Esteja comigo e tome parte nos meus trabalhos, para que eu saiba o que vos é agradável” (Sab 9, 10).

2. Contribuir para a alegria dos fiéis (2 Cor 1,24). Desde que o Núncio Apostólico me chamou (próximo do Natal de 1987) para me comunicar o chamamento do papa João Paulo II para esta responsabilidade, procurei convencer-me de que devia exercer esta missão como uma proposta de alegria, até para ultrapassar as dificuldades que senti no primeiro momento. Nesse sentido, adotei como ícone bíblico inspirador do episcopado a apresentação de Jesus em Nazaré e como lema “O Senhor enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres” (Lc 4, 16-21). Escolhi para dia da ordenação episcopal o domingo da alegria (IV domingo da quaresma) e, passados dez anos, entrei na diocese de Santarém no mesmo domingo.

Ainda hoje peço frequentemente ao Espírito Santo que faça desabrochar no meu ministério a alegria do evangelho. Esta não é certamente como a alegria do mundo que vem da posse de bens ou de pessoas e se alimenta do êxito e do brilho pessoal. A alegria do evangelho é, antes, a alegria de dar e de se dar, que passa pelo despojamento, a alegria de abrir uma porta quando o horizonte parece fechado, de acender uma luz ao fundo do túnel, a alegria da misericórdia e não do sacrifício. Como diz Jesus no banquete em casa de Mateus: “Ide aprender o que significa: “Prefiro a misericórdia ao sacrifício” (Mt 9, 13). Neste contexto evangélico, o Mestre propõe a proximidade e a compreensão em vez da distância e da superioridade de quem se julga mais puro. A alegria e a misericórdia constituem uma pedagogia mais adequada do que o rigor das leis para anunciar a vida nova do evangelho.

3. A honra de ser sucessor dos apóstolos. Os apóstolos, chamados por Jesus a serem as colunas da sua igreja, eram também imperfeitos. Mas na sua humildade deixaram-se conduzir e transformar pelo Espírito Santo. Sentiam-se fortes e livres porque agiam em nome de Jesus e não em nome ou proveito pessoal. Através dos apóstolos, nós pastores, entramos nesse movimento de fé e de missão que vem desde Abraão e tem o seu momento culminante na igreja apostólica formada por Jesus e alicerçada nos doze apóstolos. Tornamo-nos assim um elo, embora frágil, de uma cadeia de ouro que nos liga a Jesus e ao Pentecostes. Somos herdeiros e continuadores de uma multidão de testemunhas das maravilhas de Deus e comunicadores de dons admiráveis. Como São Paulo podemos dizer: “todos nos considerem como servos de Cristo e administradores dos mistérios de Deus. Ora o que se requer dos administradores é que sejam fiéis”(1 Cor 4,1-2).

Edificados sobre o alicerce dos apóstolos e dos profetas e tendo Cristo como pedra angular, também nós, discípulos de Jesus, somos integrados na construção como pedras vivas para nos tornamos no Espírito Santo habitação de Deus (cf Ef 2, 20-21). É também uma honra ser uma pedra viva da igreja, fazer parte integrante da comunidade de Jesus, dos apóstolos e dos santos e contribuir para que este edifício espiritual seja no mundo um sinal e um instrumento da graça redentora de Cristo e da justiça e da paz entre os homens. Não é o lugar destacado de cada pedra mas a harmonia e beleza do conjunto que dá grandeza e força ao edifício. A igreja é como uma cidade situada no cimo do monte que irradia à sua volta a luz do Cordeiro, a luz da esperança e do amor. É para nós um dom poder ser uma luz pequenina que faz brilhar a luz gigante da igreja e a torna próxima das pessoas concretas. É a fidelidade à grandeza do dom que torna grande a nossa missão na igreja apostólica.

4. Como é bom e agradável viverem os irmãos em harmonia! (Sl 132). Experimento, frequentemente, a alegria do reencontro com comunidades cristãs, já conhecidas de visitas pastorais e de outras celebrações. É como regressar a uma casa fraterna ou revisitar uma família onde nos sentimos bem. Noto como muitos descobrem, sobretudo adultos que preparam o Crisma ou outros sacramentos de iniciação cristã, a alegria da fraternidade cristã, a riqueza do diálogo partilhado no grupo, o ambiente comunitário vivido na estima mútua, na confiança recíproca. Nestas ocasiões experimento a verdade de que a vida cristã é uma vocação à comunhão com Deus e com os irmãos. Como é bom, como é agradável, como é desejado pelo coração humano viver em harmonia. Como é deprimente a solidão e empobrecedor o individualismo fechado. Na continuação dos apóstolos também os bispos e os seus colaboradores na missão apostólica têm a missão de promover nos fiéis a união de almas e de corações.

E, no entanto, como é difícil a harmonia! De facto, todos somos tentados por pequenos conflitos, juízos negativos apressados, maledicências e outros venenos provenientes de invejas, vaidades, orgulhos feridos. Viver à imagem dos cristãos de Jerusalém, num só coração e numa só alma, só é possível com a graça do Espírito Santo e uma vontade decidida e inteligente de nos convertermos à comunidade (em vez de queremos que a comunidade se converta a nós). Criar comunhão é missão fundamental do ministério ordenado que procuro constantemente retomar e recomendar aos meus colaboradores mais próximos, sacerdotes e diáconos, que exerçam de todas as formas possíveis: pelo diálogo aberto e transparente; pela proximidade e pela partilha; pelo reconhecimento de carismas e delegação de tarefas; por pensar em equipa e agir em equipa. É mais trabalhoso mas mais educativo. Assim se podem amadurecer critérios e preparar colaboradores. A partir do testemunho da harmonia fraterna é que se pode fundamentar a nova evangelização.

5.Quem verdadeiramente ama não se cansa nem descansa (São João da Cruz). Vinte e cinco anos de exercício do ministério episcopal não me cansaram. Parece-me até que sinto mais gosto e encanto por esta missão. Visitar as comunidades, contactar com as pessoas, semear o evangelho, celebrar festivamente a fé é sempre um motivo de alegria e de consolação. Por vezes preocupo-me por não ter recursos humanos suficientes para a pastoral, sofro pelas incompreensões e erradas interpretações, pelas infidelidades e insuficiente correspondência. Mas a semente germina e há alturas que vemos frutos e nos sentimos recompensados. Quem ama não se cansa de semear a semente do Reino mesmo em circunstâncias adversas. E encontra sempre motivos para louvar o Senhor por tantos dons que enriquecem as pessoas e as comunidades.

Quem ama também não se cansa de aprender. Todos os dias aprendemos e continuamente crescemos e nos renovamos interiormente. Deus rodeia-nos de uma nuvem de pessoas admiráveis com as quais aprendemos sempre e que nos ajudam a crescer espiritualmente e a transformarmo-nos à imagem da santidade de Cristo para refletirmos como um espelho a sua glória (cf 2 Cor 3, 18). Assim penetramos mais profundamente na morada de Deus. O exercício do ministério ordenado, nos seus vários graus, é uma escola em que Deus nos conduz no crescimento em santidade, na configuração com Cristo.

É Deus quem abre a porta da fé. Mas precisa de mediadores para revelar essa porta. Mais portas poderiam ser abertas se houvesse mais mensageiros do evangelho. Por mim confesso que ao longo do ministério sacerdotal e episcopal sempre me senti feliz e recompensado. Noto a mesma alegria e zelo nos colaboradores ordenados que Deus me concedeu, presbíteros e diáconos. É a realização da promessa de Jesus: quem entrega a sua vida ao serviço do evangelho, no despojamento, na disponibilidade e na confiança, encontra a vida plena, uma vida bela e feliz: Quem aceita servir o Senhor no ministério ordenado? Encontrará certamente a mesma alegria e recompensa.

 

Conclusão: Uma nova forma de ser cristão

Como afirmou o Papa no discurso à Cúria Romana “Se a fé não ganhar de novo vitalidade, tornando-se uma convicção profunda e uma força real graças ao encontro com Jesus Cristo, permanecerão ineficazes todas as outras reformas”. Propõe nesse sentido cinco pontos para um modo novo e rejuvenescido de ser cristão:

1.Como discípulos tocados pela graça do mesmo Senhor, formem os cristãos uma grande família universal e católica, aberta a todos, acolhedora e integradora da diversidade.

2. Esquecidos de si mesmos, sejam os cristãos servos de todos.

3. A adoração a Jesus Cristo, vivida na contemplação e na vida interior, seja uma nota característica da atitude cristã.

4. Reconciliados, capazes de vencer o fechamento em si, vivam os cristãos em paz com Deus e com os outros.

5. Manifestem a toda agente a alegria de participar na vida nova em Cristo que vence o pecado do mundo.

Santarém, 31 de julho de 2012, memória de Santo Inácio de Loiola,

D. Manuel Pelino Domingues, bispo de Santarém

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