Homilia do bispo de Aveiro na Missa da Vígília da peregrinação do Movimento da Mensagem de Fátima


1.“Falai, Senhor, que o vosso servo escuta” (1 Sam 3, 10). Samuel encontrava-se no templo do Senhor, perto da Arca da Aliança, e ali servia o Senhor. Ao ouvir o seu nome, no silêncio da noite, foi ao encontro de quem estava por perto, sentindo que ali se encontraria a origem e o autor daquela voz e ali se situava a razão daquele insistente chamamento: «Samuel, Samuel» ( 1 Sam 3, 9).

O sacerdote Heli interpelado por Samuel, no descanso do sono, entende a atitude desta criança como uma forma de atenção dada à voz de Deus, muito própria daqueles que vivem no templo e servem o altar do Senhor, disponíveis para ouvir o que Deus tem para lhes dizer.

Heli foi para Samuel o mediador da vocação, ali colocado por Deus, ajudando-o a compreender que era outra a fonte do chamamento e que, por isso mesmo, deveria ser maior o horizonte e diferente o sentido da resposta.

Em Samuel, como em muitas crianças, que sentem o fascínio da voz de Deus, cumpre-se a palavra de Jesus, que o evangelho de hoje nos recorda, quando responde à pergunta dos discípulos sobre quem é o maior no reino dos Céus: «Quem for humilde como uma criança, esse será o maior no reino dos Céus…Eu vos digo que os seus Anjos veem constantemente o rosto de meu Pai que está nos Céus», disse Jesus (Mt 18, 1-5).

2. “Quereis oferecer-vos a Deus?”, perguntou, noutro tempo e noutro ambiente, Nossa Senhora, na sua primeira aparição, aqui em Fátima, em 13 de maio de 1917, a três crianças, Lúcia, Jacinta e Francisco. E a resposta surgiu, espontânea e decidida, por parte de Lúcia, dada em nome de todos: «Sim queremos». (Memórias da Irmã Lúcia, ed. De 1997, pág. 162).

3.Caros peregrinos:

A voz do Senhor é sempre uma voz envolvida de surpresa, de diálogo e de graça. E a resposta humana dada a Deus só pode revestir-se de simplicidade, de verdade e de encanto. Ninguém estranha, por isso, que sejam as crianças, sempre simples e verdadeiras, as mais despertas à voz do Senhor, as mais generosas para se ofereceram a Deus e as mais disponíveis para serem profetas do Altíssimo e mensageiras e portadoras da Sua graça.

A presença de Deus junto da Humanidade é sempre da ordem do milagre e do mistério. Esta presença e esta proximidade, esta voz e este chamamento são muitas vezes mediados por pessoas e acontecimentos, circunstâncias e palavras que nos deixam fascinados diante da sabedoria nascida do coração dos mais pequeninos e só possível graças à compreensão dos mais simples.

Assim aconteceu com Samuel, a criança atenta à voz do Senhor, no templo de Jerusalém; assim se manifestou na criança chamada por Jesus e apresentada como exemplo de grandeza maior do Reino dos Céus; assim se revelou para nós e para o mundo, aqui, em Fátima, desde 1917, nos três Pastorinhos, escolhidos por Nossa Senhora, para serem mensageiros de uma esperança nova e de uma bem-aventurança eterna.

4.É a todos nós, peregrinos do Movimento da Mensagem de Fátima, que Deus fala, Deus chama e Deus pergunta: «Quereis oferecer-vos a Deus para bem do mundo e salvação da humanidade?» (Mem. da Irmã Lúcia. ed. 1997, pág. 162).

A nossa resposta só pode brotar de um coração limpo como o coração de uma criança; só pode surgir de um coração livre como os simples e humildes conseguem ter; só pode nascer a partir de um coração sem medo.

 Precisamos de pessoas que confiem no Senhor e se abandonem e entreguem a Deus, certos de que só o amor que nos faz irmãos e solidários liberta e faz viver. Precisamos de pessoas de coração sábio, preenchido da sabedoria de Deus, capazes de ver, de ouvir e de sentir que nos ensinem a acreditar para lá do óbvio, do trivial e do imediato, do útil, das conveniências, dos interesses e dos oportunismos.

As pessoas mais próximas de Deus são sempre as pessoas de coração simples, as mais livres e as mais disponíveis para fazer o bem. Assim foi Francisco, o pastorinho de Fátima, que via e amava o Jesus escondido; assim foi a sua irmã Jacinta que percebia sua inocência e candura, ou na doença e no sofrimento o valor imenso e transcendente da força da fé e da beleza da vida; assim foi Lúcia que, na clausura de um convento carmelita, e numa vida prolongada a fazer o bem, contemplava Deus e dilatava o seu coração, sempre atento e ativo, às dimensões da Igreja e às necessidades do Mundo.

Assim sejamos nós, também, descobrindo no chamamento de Deus, na voz da Senhora mais brilhante do que o Sol, e na mensagem de Seu Filho, que em Fátima Ela nos confiou, o caminho para nos oferecermos a Deus e servirmos os irmãos.

5.Caros peregrinos:

 Estamos na porta franqueada e desejada das férias para muita gente e concretamente para muitas crianças e jovens que concluíram os seus exames e o trabalho na escola.

Oxalá as férias nos aproximem mais uns dos outros, nos ajudem a ver a beleza da vida e das coisas, nos valorizem como família, nos abram os horizontes novos da comunidade e as dimensões criativas do voluntariado e da missão e nos deem tempo e silêncio para ouvirmos Deus.

Sentimos todos que são difíceis os tempos que vivemos e incontornáveis os desafios e dificuldades, como são evidentes as injustiças e as desigualdades sociais. Somos peregrinos, aqui trazidos pela força da fé, para sermos mensageiros da esperança em busca de tempos melhores e portadores das certezas inabaláveis que nasçam do coração da fé e se pressintam e antevejam já através da presença e da voz da Mãe, a Senhora de Fátima.

Muitos dos pés magoados pela dureza da vida de tantas famílias e pelo sofrimento do caminho de tantas pessoas, são pés de peregrinos, que passam necessariamente por Fátima na procura da força da esperança.

Muitas das respostas a dar a Portugal neste tempo, se pensarmos melhor e quisermos o bem igual e justo para todos, como irmãos que somos, passam obrigatoriamente pela Mensagem de Fátima, como fonte inesgotável e manancial abundante de graça e de inspiração para o futuro.

«A graça de Deus será sempre o vosso conforto», disse Nossa Senhora aos Pastorinhos, em maio de 1917 (Mem. Da Irmã Lúcia, ed. De 1997, pág. 162).

Quero dizer-vos o mesmo, crianças e famílias de Portugal, que sonhais para vós, vossos filhos e netos, um futuro feliz; quero dizer-vos o mesmo, queridos doentes, que encontrais na Mensagem de Fátima e nos seus incansáveis servidores alento, doçura e ânimo reconfortante.

 «A graça de Deus será o conforto» e a consolação de todos os que anseiam por um mundo melhor mesmo que construído por entre lágrimas e dores, desemprego e provações; será o conforto e a alegria de todos quantos amam a Deus e se sentem Igreja peregrina e lugar de esperança para o mundo; será o conforto e a força de todos os que, no acordar de cada manhã e ao longo de todos os dias se oferecem a Deus e servem os que mais sofrem.

Viemos como peregrinos de Fátima. Regressemos amanhã a nossas casas e às nossas comunidades e dioceses como portadores deste tesouro sagrado de graça, de conforto, que é a Mensagem de Fátima.

Também aí, a graça de Deus e a proteção materna de Nossa Senhora de Fátima, Mãe de Deus e nossa Mãe, serão sempre a nossa alegria, a nossa paz e a nossa bênção.

Santuário de Fátima, 14 de julho de 2012

D. António Francisco dos Santos, bispo de Aveiro

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