Homilia do bispo de Bragança-Miranda na celebração da Paixão do Senhor

O silêncio do Mistério da Cruz

Hoje contemplamos «Cristo, nossa Páscoa, que foi imolado» (1Cor 5,7) e adoramos a cruz. Não participamos em nenhum funeral nem dramatizamos a dor e o sofrimento, mas no silêncio do mistério da cruz, celebramos a glória do amor, como rezamos neste dia. «Adoramos, Senhor, a vossa Cruz, louvamos e glorificamos a vossa ressurreição: pela arvore da Cruz veio a alegria ao mundo inteiro».

Em que sentido, podemos afirmar que a morte de Cristo na cruz é um sacrifício?

Só porque se identifica o “sacrifício” com a morte da vítima?

Só porque Jesus morreu como resultado de acusação do poder político e religioso do seu tempo ou porque se proclamava filho de Deus?

Na realidade, no calvário não se vê nenhum rito sacrificial, nem um sacerdote, nem um altar…

Para entender a morte de Jesus como sacrifício é preciso compreender toda a sua vida, como uma oferta contínua ao Pai. Com efeito, ao entrar no mundo disse: «Eis que venho – como está escrito no livro a meu respeito -para fazer, ó Deus, a tua vontade» (Heb 10, 7); no templo de Jerusalém, quando tinha 12 anos respondeu a Maria e a José: «Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai» (Lc 2,49); no encontro com a samaritana, disse aos discípulos: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra» (Jo 4, 34); no discurso sobre o pão da vida, afirmou: «desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou» (Jo 6, 38); numa discussão com os judeus proclama: «quando tiverdes erguido ao alto o Filho do Homem, então ficareis a saber que Eu sou o que sou e que nada faço por mim mesmo, mas falo destas coisas tal como o Pai me ensinou» (Jo 8, 28) e no jardim das oliveiras reza: «Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade!» (Mt 26, 42).

A Cruz é o momento culminante de uma existência de total doação de amor. Por isso, a fé cristã reconhece a morte de Cristo como sacrifício, ou melhor, como o único sacrifício, realizado de uma vez por todas, para a remissão dos pecados de todas as pessoas.

A cruz de quatro braços, abre-se em oito pontos, a indicar o oitavo dia e as oito direções da bússola. No silêncio da cruz inaugura-se o mistério pascal. A exaltação da cruz é a proclamação da vitória de Deus sobre o mal e sobre a morte, como se evidencia na longa proclamação do profeta Isaías sobre os sofrimentos do Servo do Senhor, que depois de tantos sofrimentos e dores «verá a luz» (Is 53, 11).

Ninguém está só, mas cada pessoa está unida ao amor de Cristo, que deu a vida por nós. É o amor que salva, não é o sofrimento!

«Há dois mil anos, um “certo Homem” era pregado com quatro pregos numa cruz. Antes de morrer, ainda encontrou força para gritar: – Senhor, Senhor, por que me abandonastes? Não conheço na história da humanidade momento de maior solidão, e duvido que o possa vir a descobrir» (Mestre José Rodrigues).

Um filósofo contemporâneo escreveu. «Há coisas que para nós, humanos, são demasiado grandes: a dor, a solidão e a morte, mas também a beleza, o sublime e a felicidade. Foi para isso que criámos a religião. E o que é que acontece quando a perdemos? Acontece que aquelas coisas continuam a ser demasiado grandes para nós. Resta-nos então a poesia da vida individual. Mas será que ela é suficientemente forte para nos sustentar»? (P. MERCIER, Comboio noturno para Lisboa, 400-401)

Somos ainda hoje incomodados por este grito. É Cristo que continua a gritar nos doentes, nos idosos, nos que vivem sós, nos esquecidos da sociedade, nos jovens sem rasgos de futuro, nos desempregados, nos emigrantes, nos pobres, nas vítimas de violência física e psicológica e nos desanimados da vida, mesmo aqui no Nordeste Transmontano.

Maria, participou de pé neste momento crucial da nossa história da salvação. Nos Evangelhos são seis as vezes em que Maria fala, sempre em poucas palavras, excetuando o cântico do Magnificat. Alguns autores dizem até que falou por setes vezes, sendo a sétima palavra, aquela junto à cruz, a mais eloquente, porque brotou do silêncio.

Maria, que estava junto da Cruz de Seu Filho, teve de acolher uma vez mais a vontade de Cristo, Filho de Deus. Mas enquanto, no Gólgota, o Filho lhe indicava um só homem, João, Seu discípulo amado, aqui Ela teve de os acolher a todos. Todos nós, os homens deste século e da sua difícil e dramática história. Mãe do Redentor! Mãe do nosso século! Tu estás e permanecerás, porque o Filho Unigénito de Deus, Teu Filho, Te confiou todos os homens, quando ao morrer sobre a Cruz nos introduziu, no novo princípio de tudo quanto existe. A tua maternidade universal, ó Virgem Maria, é a âncora segura de salvação da humanidade inteira. Mãe do Redentor! Cheia de Graça! Eu Te saúdo, Mãe da confiança de todas as gerações humanas!»

O silêncio de Maria que estava de pé junto à cruz é a “palavra ”-síntese de toda a sua vida cheia de amor e esperança. Ela é mãe e crente.

Que grandeza há no silêncio – não o silêncio nefasto da falta mas no da virtude, que é perfeito quando dele não se tem consciência – e que força se pode extrair dele. A alegria cristã é a simplicidade de uma fé, a seriedade de uma esperança, a vitalidade do amor. (Um monge cartuxo.)

+ José Cordeiro

 

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