Homilia do 1º domingo da Quaresma do arcebispo de Évora

O Espírito Santo Impeliu Jesus para o deserto (cf. Mc 1,12)

S. Marcos, depois de ter relatado o batismo de Jesus e os fenómenos extraordinários a ele associados, diz-nos que o Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto, onde se preparou para iniciar a sua vida pública. Aí permaneceu durante quarenta dias sujeito à tentação e prestando especial atenção à voz do Pai. Pois, como é sabido, a Sagrada Escritura apresenta-nos o deserto como lugar de tentação e, ao mesmo tempo, como lugar onde Deus se manifesta, fala e se dá a conhecer. E Jesus é-nos apresentado como modelo na resistência à tentação e como modelo na fidelidade total à vontade do Pai.

O deserto é também símbolo da sociedade onde se desenrola a vida humana. E os quarenta dias de tentação e penitência de Jesus são símbolo do processo vital de cada um de nós que vivemos no deserto desta sociedade onde também se manifestam os desertos dos corações que se deixaram dominar pelo pecado. É exatamente neste deserto da vida em que todos nos movimentamos que somos convidados a ouvir a voz de Deus. Essa voz que nos é dirigida pelo próprio Jesus quando, depois de vencida a prova, se dirigiu para a Galileia e começou a pregar a Boa Nova.

Assim, cada dia de vida que nos é concedido torna-se para nós tempo propício para ouvir a voz de Deus. Pois que o “hoje” de Deus perpetua-se sem limites. Todo o tempo é tempo de Deus. E o Reino aproxima-se daqueles que abrem os ouvidos e o coração para escutar a voz de Deus. Essa Palavra eterna que, continuamente, se faz ouvir no deserto da vida: arrependei-vos e acreditai na Boa Nova.

O anúncio da Boa Nova do Reino começa com o convite ao arrependimento, porque o arrependimento é sempre condição prévia e necessária para escutar a voz de Deus. Certamente, porque todos nós teremos prestado demasiada atenção às vozes humanas da sedução e da tentação e pouca atenção à Palavra que sai da boca de Deus. Ouvimo-nos excessivamente a nós próprios e prestamos demasiada atenção às vozes do mundo. Deixámo-nos seduzir pelas vozes do tentador. Colocámos em primeiro lugar as preocupações com o que havemos de comer e de vestir, procurámos os bens deste mundo e buscámos o prestígio aos olhos dos homens. Numa palavra, ouvimo-nos a nós, ouvimos as vozes sedutoras do tentador e fechámos o coração à voz de Deus. Então, se assim aconteceu, ouçamos “hoje” a voz de Jesus Cristo que nos diz: arrependei-vos. Arrepiemos caminho porque sempre é tempo de começar um novo estilo de vida, mais conforme com a mensagem evangélica.

Em vez de acreditarmos nas palavras humanas, acreditemos na Boa Nova, anunciada pelo Filho de Deus, o único que é digno de ser escutado, porque só Ele tem palavras de vida eterna e nos convida a entrar no deserto, onde Deus fala e se manifesta. Aí aprenderemos a desprender-nos das mil inutilidades a que estamos apegados e nos envolvem como teia complicada, que nos prende e nos enreda, para nos fixarmos com mais determinação apenas no que é essencial, isto é, o amor a Deus e o amor aos homens nossos irmãos.

Se tivermos a coragem de entrar no deserto do nosso coração, aí aprenderemos que afinal não somos o centro do mundo. Não somos os únicos com direito a viver. Os outros também são filhos do mesmo Deus, foram redimidos pelo mesmo sangue precioso de Cristo e são habitados pelo mesmo Espírito. Deus ama-os. Não deverei amá-los eu também? Se merecem o amor de Deus, porque não haveriam de merecer também o meu amor? Afinal quem sou eu para voltar as costas aos meus irmãos?

Por isso, deixemo-nos conduzir pelo Espírito Santo para o deserto interior do nosso coração. Aliviemos as preocupações deste mundo e, desprendendo-nos das banalidades a que nos apegámos, centremo-nos no essencial, isto é, em Deus. E, assim, durante o tempo sagrado da Quaresma que há poucos dias iniciámos, seremos capazes de prestar mais atenção aos outros, à maneira de Jesus Cristo, que passou a vida fazendo o bem, compadecendo-se dos sofrimentos humanos e aliviando os corações atribulados.

Antes de concluir, desejo ainda saudar os três novos capitulares, Francisco Pimenta Alves Bento, António Salvador dos Santos e Mário Tavares de Oliveira, que irão ser empossados dentro de momentos. Com a tomada de posse de novos cónegos renova-se e revigora-se o Cabido Catedralício, esta instituição de tradição multissecular e merecido prestígio, na histórica cidade de Évora, onde contribuiu de forma determinante para a promoção da liturgia, da música sacra e da cultura, funções que ainda hoje continua a desempenhar como principal entidade promotora do culto e guardiã da igreja mãe da Arquidiocese.

Enquanto Colégio de Consultores, que também é, ao Cabido estão confiadas algumas funções de relevo no governo da Arquidiocese, competindo-lhe, nomeadamente, aceitar a tomada de posse do novo Arcebispo e, em continuidade, auxiliá-lo nos atos de administração extraordinária. Em caso de sede vacante, ao Colégio de Consultores compete eleger o Administrador Diocesano e assisti-lo durante a vigência do seu mandato.

Estimados capitulares, agradeço a vossa disponibilidade e confio na vossa competência como meus colaborardes. Conto com a vossa necessária e eficaz ajuda no desempenho do ministério apostólico que me foi confiado. Deus vos conceda saúde e sabedoria para o desempenho das funções que hoje vos são confiadas.

Évora, 26.02.2012
D. JOSÉ, Arcebispo de Évora

 

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