Concilio Vaticano II: uma ideia com história

Padre F. Senra Coelho, historiador

No Consistório de 25 de janeiro de 1959, o Papa João XXIII, mencionou a convocação de um Concílio Ecuménico como uma das três principais tarefas do seu pontificado. Angelo Guiseppe Roncalli tinha sido eleito a 28 de outubro e investido a 4 de novembro de 1958…

O anúncio do Concílio causou surpresa, pois o anterior, o Concílio Vaticano I, fora adiado sine die, devido às dificuldades políticas surgidas com os movimentos promotores da unificação de Itália. De facto, o Concílio solenemente inaugurado a 8 de dezembro de 1869, nunca foi concluído, pois foi interrompido na esperança de um período mais propício pelo facto de ter irrompido a guerra franco-alemã, a 19 de julho de 1870, com a consequente partida de muitos Bispos para as suas pátrias e a retirada das tropas francesas de Roma, as quais guarneciam a cidade, sendo esta ocupada pelos soldados piemonteses, em nome da Itália unificada.

A notícia da decisão do Papa convocar o Concílio despertou muito interesse, também pelas espectativas vinculadas à designação de “ecuménico”, levando a conjeturar-se que o principal objetivo desse anunciado Concílio fosse a pretendida unidade da Igreja, face à realidade das Igrejas separadas.

A primeira comissão preparatória do Concílio foi constituída no Pentecostes de 1959. Para João XXIII, o Concílio deveria ser uma Assembleia Pastoral de Bispos e, ainda sem contar com um projeto bem definido do Concílio, presumia que este devia ter apenas três meses de duração…

Na encíclica Ad Petri Cathedram, de 29 de junho de 1959, João XXIII, para além do anúncio oficial do Concílio, apresenta as suas principais metas: a propagação da Fé, a renovação da vida cristã de todos os fiéis e a adaptação da disciplina eclesiástica às exigências dos novos tempos. É importante constatar, que a 14 de junho do mesmo ano, o Papa tinha utilizado pela primeira vez o termo “aggiorna-mento” no sentido da adaptação da Igreja à contemporaneidade.

Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), sucedem-se no Ocidente aceleradas mudanças nas ideias, na técnica e nos costumes. A ideologia e as diversas praxis políticas marxistas, apresentavam-se como última palavra da História e por isso imparáveis, embora tivesse iniciado já a sua definitiva decadência. Simultaneamente, o advento do fim do colonialismo permitiu o surgimento de inúmeras e jovens nações e suscitou um diálogo aceso e polémico sobre a verdade da ação missionária “ad gentes” por parte da Igreja, ou seja, se os autênticos objetivos desta ação foi a divulgação da Fé e a promoção humana, ou se esta somente colaborou de modo instrumentalizado com as forças colonizadoras.

Segundo o Historiador Giacomo Martina, nos anos 1945-1959, a situação geral da sociedade e da Igreja caracterizava-se por dois aspetos: “por uma forte e rápida evolução nos diferentes campos e no interior da Igreja, por um contraste entre orientações abertas e posições conservadoras.” (in René Latourelle, Vatica-no II – Balance y Perspectivas, Ed. Sigue-me, Salamanca, 1989, pág. 25). Verifiquemos esta afirmação de Giacomo Martina, na realidade histórica:

– De facto, ao nível da evolução sociocultural do Ocidente, sobre as mentalidades e os costumes, foram decisivas as independências dos povos afro-asiáticos, conjuntamente com a forte industrialização e com a influência dos meios de comunicação social, nomeadamente da televisão;

– No âmbito eclesial, as tendências conservadoras da Igreja, muito expressivas nos centros de poder e de decisão, exprimem-se nitidamente na Concordata espanhola (1953) e nas frequentes intervenções da Cúria Romana, que culminam na encíclica de Pio XII, Humani generis (12.08.1950), sobre as opiniões falsas que ameaçavam a Doutrina Católica;

– Simultaneamente, várias figuras da hierarquia da Igreja, sobretudo de Itália e França, compreendiam e integravam, como sinais de valor profético, os esforços de renovação litúrgica; o movimento ecuménico; o desejo de maior participação na vida da Igreja, por parte das alas mais preparadas do laicado; os grupos sacerdotais de compromisso com as novas realidades do mundo, nomeadamente dos sacerdotes operários; os vários teólogos da Nouvelle Théologie. Quanto ao diálogo da Cúria Romana com estas novas realidades, prevaleceu a linha conservadora: A suspensão dos Sacerdotes operários (1954-1959), foi vista como sinal da indisponibilidade da hierarquia para o diálogo com o mundo e para as novas linguagens da evangelização. A reflexão de vários teólogos que contribuíram para o amadurecimento de teses que prepararam o Concílio Vaticano II, passaram a estar sob vigilância cautelosa por parte do Santo Oficio: Daniélou, De Lubac, Cheneu, Congar, Murray e outros.

João XXIII percebeu, através do seu olhar evangélico, que os tempos estavam maduros. Para ele tornou-se evidente que, mesmo multiplicando-se os remendos e modernizando-se aspetos parcelares da Igreja, o ambiente geral eclesiástico permaneceria geralmente cristalizado num passado já anacrónico e as respostas da Igreja apareceriam esgotadas e demasiado apologéticas aos olhos da sociedade.

Com a realização do Concílio Vaticano II mudou o olhar da Igreja para o mundo e muitos dos que estiveram sob suspeita, foram depois referência e assumiram no Concílio atuações de primeira ordem. Danielou e De Lubac foram nomeados cardiais (1969 e 1983), os Sacerdotes operários foram reabilitados, surgiram novas políticas concordatárias com Espanha, Portugal e Itália, enfim como haveria de dizer Paulo VI a 23 de junho de 1966, “O Concílio é o grande Catecismo da nova época”. 

Pe. Senra Coelho, Instituto Superior de Teologia de Évora, Centro de Estudos de História Religiosa da UCP, Academia Portuguesa de História

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