Homilia do arcebispo de Braga na missa de encerramento do congresso luso-brasileiro do Barroco

A moção das três últimas capelas

 

Numa altura em que o aumento do IVA, em determinados setores, “tem afastado a população portuguesa do consumo de cultura” (1), fundamental para a formação humana, apraz-me congratular-me pelo contributo gratuito que o Santuário do Bom Jesus prestou à cultura artística portuguesa, ao longo destes 200 anos.

Por isso, nesta celebração eucarística de Encerramento das comemorações do duo-centenário, quero situar-me na reprodução patrimonial localizada geograficamente depois deste Santuário. O Património do Bom Jesus proporciona-nos uma lição genuína que deveria ser compreendida e examinada pela nossa Igreja Arquidiocesana. Não somos anunciadores dum Cristo morto, somos responsáveis por uma vida que a morte gerou. Porque “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé” (1Cor 15,14).

Daí que, celebrando esta efeméride, olho para o caminho que ele inicia rumo ao Terreiro dos Evangelistas. Aqui está o cume da mensagem do Bom Jesus: mensagem plena de atualidade e responsabilidade.

Se até este local a Arquitetura e Escultura nos concentrou em 14 capelas, a partir daqui aparecem cinco que merecem uma visita especial, de modo a extrair um compromisso para uma Igreja que pretende alimentar-se da Palavra. A saber: Capela da Unção (ou Lágrimas), seguida da Capela da Ressurreição para, depois entrarmos no espaço mais alto, mais visível e mais “púlpito” que é o Terreiro dos Evangelistas, onde ao lado destes perenes anunciadores duma Boa Nova aparecem as três Capelas: da Aparição a Maria Madalena, do Encontro de Emaús e da Ascensão. Tudo isto rodeando um tanque central com uma coluna encimada por uma esfera armilar e pela Cruz.

Tenho sublinhado imensas vezes que o Bom Jesus, como instância e Património, deve merecer a atenção e carinho de todos os Portugueses, assim como das Entidades Oficiais, não fosse ele um dos melhores recantos de dimensão natural e religiosa do mundo. Só que, neste dia, faço também um apelo à Arquidiocese de Braga que neste ano pastoral repensa a sua identidade, a sua vivência e a sua missão a partir da Palavra, a fim de se tornar “num povo que produza os seus frutos”. (2)

Como tal, gostaria que ela fosse capaz de se colocar perante a responsabilidade de ser sinal dum Cristo Ressuscitado. No livro “Jesus de Nazaré”, o Santo Padre relembra-nos que “com a ressurreição de Jesus (…) verificou-se um salto ontológico que toca o ser enquanto tal; foi inaugurada uma dimensão que nos interessa a todos e que criou, para todos nós, um novo âmbito da vida: o estar com Deus.” (3)

A Ressurreição é a nossa missão e razão de existir e, sem vergonha, deveríamos chorar lágrimas quando nos afastamos da centralidade de Cristo, pensando que Ele está morto quando somos nós que permitimos um cristianismo anémico.

D. Rodrigo de Moura Teles, ao iniciar esta obra, pretendia que aqui acontecesse uma espécie de “Jerusalém restaurada”, símbolo dum apelo aos homens e mulheres crentes para que, a partir da fé na Ressurreição, renovassem o mundo onde peregrinam. A Igreja de Braga pretende ser a concretização deste desejo e o Bom Jesus é paradigma das coordenadas essenciais da sua pastoral, que sintetizo em três lições tiradas das três últimas Capelas. Ou seja, deciframos agora a moção (aquilo que nos faz mover/caminhar) das três últimas capelas!

 

1. Capela da Aparição a Maria Madalena

“Se lhes fizeres algum mal, (…) inflamar-se-á a minha indignação contra vós, (…) porque sou misericordioso”, escutávamos na primeira leitura. Na verdade, o Deus de Jesus Cristo é um Deus que outrora se revelara como um Deus de Misericórdia.

Foi com essa mesma misericórdia, que Cristo perdoou Maria Madalena e a agraciou com a Sua Aparição, enquanto Ressuscitado. Com atrevimento, ouso dizer que as lágrimas arrependidas de Madalena geraram as lágrimas misericordiosas de Cristo.

Tendo por base esta imagem, também hoje em dia não conseguimos conter as lágrimas perante tanto desemprego, tantos impostos, tanta violência doméstica, tanta miséria, tanta corrupção política, tantas greves, tantos roubos, tanta fome, tantas dívidas, tantas mortes cancerígenas, tanta mentira… Que estas lágrimas se tornem em

solidariedade eclesial com as lágrimas daqueles que estão céticos, desconfiados, desiludidos, frustrados e tentados a desistir da experiência maravilhosa. Que bela lição de alegria, esperança, serenidade e vontade de recomeçar um novo caminho, nos dá Maria Madalena!

 

2. Capela do Encontro de Emaús

A estrada de Emaús é um retrato da sociedade atual: correr sem direção e perder-se em lamentações. Contudo, algo de inédito acontece: Cristo intromete-se, explica as Escrituras e come com os discípulos à mesa.

Emaús torna-se assim no “laboratório da fé pascal” (4): depois do encontro com o Ressuscitado, o discípulo passa de uma fé duvidosa (pré-pascal) a uma fé sólida (pós-pascal), na certeza da autêntica identidade de Jesus Cristo.

Deste modo, percebemos assim o jogo dialético entre a Palavra e a Eucaristia: “a Palavra de Deus faz-se carne, sacramentalmente, no evento Eucarístico; a Eucaristia abre-nos à inteligência da Sagrada Escritura, e esta por sua vez ilumina e explica o Mistério eucarístico.” (5) Desta dialética entre a Palavra e a Eucaristia emerge o mandamento do amor, como prioridade da vida cristã, tal como escutávamos no evangelho.

 

3. Capela da Ascensão

Viver o mandamento do amor é professar silenciosamente a nossa fé no “Deus que é Amor” (1Jo 4,8). Por isso, Paulo na Carta aos Tessalonicenses alerta-nos para o perigo de adorarmos os ídolos da nova civilização, focada na política, na economia, na publicidade e no comércio.

A propósito, o escritor francês Saint-Exupéry afirma que: “Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.” Ora, e a Capela da Ascensão ensina-nos a olhar para Cristo em direção ao verdadeiro Deus que devemos adorar. É um movimento que impede o olhar ocasional, desafiando o nosso olhar para história da humanidade.

E nessa partida para o Pai, Cristo deixa-nos a Sua Palavra nos quatro Evangelistas que apontam para o dinamismo da simbologia da esfera armilar, símbolo do universo onde deveremos colocar a semente do Evangelho.

 

Para terminar, renovo o convite gratuito a que redescubramos o Santuário do Bom Jesus na sua vertente escultórica terminal, pedindo ao Senhor Ressuscitado que os cristãos se empenhem na restauração desta Jerusalém que é a nossa Arquidiocese, nomeadamente: através das lágrimas solidárias pelos sofrimentos do mundo (Capela da Aparição a Maria Madalena), da Palavra e da Eucaristia (Capela do Encontro de Emaús) e do amor a Deus e ao próximo (Capela da Ascensão).

Por fim, na abertura do Congresso Luso-Brasileiro sobre o Barroco, recordava as seguintes palavras do escritor barroco, Pe. António Vieira: “para falar ao vento bastam palavras, mas para falar ao coração são necessárias obras”. Com esta premissa, neste dia Mundial das Missões reconheçamos que “como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós” (Jo 20,21), assumindo assim aquela missão que compromete “todos, tudo e sempre”, para falar ao coração do Homem.

 

Santuário do Bom Jesus,

23 de outubro de 2011,

† Jorge Ortiga, A.P.

 

(1) Cf. Jornal Público (21 de outubro de 2011), 15.

(2) Cf. Programa Pastoral 2011-2012 (Diocese de Braga), 1-3.

(3) Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, 223.

(4) Cf. José Tolentino Mendonça, O tesouro escondido, 91-106.

(5) Cf. VD 55.

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