Serviço Nacional de Saúde – o momento da verdade

Daniel Serrão, médico

1. Portugal, como Estado Soberano, está a atravessar um período difícil na gestão da parte da riqueza nacional que é entregue ao Governo que o representa, por escolha livre dos cidadãos. O Governo não produz riqueza, apenas gere e gasta a parte que lhe é entregue pelos cidadãos através da recolha de impostos.

Como Estado Social de Direito democrático cabe-lhe prestar aos cidadãos os serviços para os quais recebeu o dinheiro dos impostos.

Ao Serviço Nacional de Saúde compete-lhe prestar cuidados de Saúde às pessoas doentes; tendo sido decidido, pelos cidadãos, que esta prestação deve ser geral, em todo o território nacional, universal, cobrir todas as doenças de todos os portugueses e tendencialmente gratuito, nada deve ser pago no momento do uso.

O custo destes serviços tem de ser suportado pela parte do dinheiro dos impostos que for afectada a esta cobertura social.

É pois bem evidente que só podemos ter, sem pagar, os cuidados de saúde que o governo possa pagar com os recursos financeiros que destine ou possa destinar a este serviço público.

Como o Estado está com dificuldade em obter dinheiro bastante para as suas obrigações como Estado Social, vai ter de fazer opções dramáticas na área da Saúde.

 

2. As três Instituições financeiras que se propõem ajudar a resolver esta situação de crise monetária deram uma receita simples que é a da dona de casa sensata: gastar menos e tentar ganhar mais. Ganhar mais é aumentar as receitas do Estado e gastar menos é reduzir os serviços que era suposto serem prestados aos cidadãos.

Em Saúde, a principal fatia é na despesa com os medicamentos receitados pelos médicos ou adquiridos sem receita pelos utilizadores. Em 2012 os gastos públicos com os medicamentos terão de baixar para 1,25 do PIB e em 2013 para 1%. O Governo tem várias linhas de intervenção como o incentivo ao consumo principalmente de genéricos, mais baratos, mas será no aumento da parte do pagamento, que é já hoje feito pelas pessoas singulares quando vão à farmácia, que será feita esta redução de gastos.

Depois, nos custos operacionais dos Hospitais, o Governo vai ter de reduzir 200 milhões de Euros já em 2012. Ora, estimando-se que a dívida total dos hospitais aos seus fornecedores ronde os 1000 milhões de euros, com atrasos de pagamento que rondam, em média, os 12 meses, não vejo como é possível atingir esta meta que está no memorando de entendimento, sem reduzir a oferta de serviços gratuitos, já que o controle da procura é, na prática, impossível por existirem serviços de atendimento urgente que funcionam 24 horas em cada dia, incluindo Domingos e Feriados.

Será nestes dois campos que o novo Ministro vai principalmente actuar. Pelo que conheço das invulgares capacidades do Dr. Paulo Macedo, com quem tive o gosto de trabalhar na MÉDIS, num período difícil desta Companhia de Seguros de Saúde, penso que terá sucesso e que lhe não faltará a sensibilidade social, necessariamente temperada com uma preocupação pela justiça que é seu apanágio.

 

3. Outras medidas têm a ver com a organização das prestações em ambulatório, na qual incluo o transporte de doentes e a correcta estruturação das Unidades de Saúde Familiares. Uma saudável autonomia destas USF e com boa articulação a um sistema de transporte de doentes, assegurado por um serviço próprio do SNS – no lugar de Bombeiros e táxis, com todo o reconhecimento pelo papel supletivo que têm desempenhado – permitirá economias substanciais e muito melhor satisfação dos doentes. Tudo com um sistema de informatização em rede global na qual a pessoa doente está sempre presente com o seu histórico. Para estas tarefas que são de difícil concretização espero que seja escolhido um Secretário de Estado com as necessárias competências e que seja um médico com experiência clínica e bom conhecimento da realidade do País profundo; e não apenas do que se passa nas grandes cidades pois são dois universos muito diferentes em termos de prestação de cuidados de saúde.

 

4. Este é, de facto, um momento de verdade para o SNS que tem de provar que está capaz de reformar o que carece de ser reformado para garantir a sua sustentabilidade, não só financeira mas também política. O SNS vale não por ser emblema de uma qualquer ideologia mas porque tem valor económico para o País e valor ético e social. Não é possível imaginar que o nosso país possa jamais voltar a ter cidadãos que não tenham acesso a cuidados de saúde por não terem recursos financeiros para os pagar.

Daniel Serrão, médico jubilado

(texto escrito segundo a anterior ortografia)

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