Homilia do bispo do Porto na solenidade de Pentecostes

Só o Espírito pode reconciliar o mundo

Só o Espírito do Ressuscitado pode reconciliar o mundo, porque brota da raiz do perdão, que em Deus se encontra, como recriação das vidas.

Como acabámos de ouvir: “Veio Jesus, apresentou-se no meio deles e disse-lhes: ‘A paz esteja convosco’”. E mais adiante: “Jesus soprou sobre eles e disse-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados…’”. Ao ouvirem tais palavras, como nós as ouvimos hoje, certamente se admiraram os primeiros. – Como poderiam perdoar eles, se tão carecidos de perdão estavam em geral, os mesmos que pouco antes tinham abandonado Jesus preso, condenado e morto?

Mas agora, neste agora que o Crucificado-Ressuscitado continua a oferecer-nos, a paz e o perdão sobrevêm, partindo unicamente da misericórdia divina, do Pai e do Filho, no amor restaurador do Espírito. Como bem experimentou e disse São Paulo, “onde aumentou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20).

 

Grande, grande demais para a nossa compreensão pequena e o nosso coração exíguo. E também sabemos como só a pouco e pouco se foi concretizando o sacramento na Igreja, como se nos custasse a crer na gratuidade do dom. As primeiras gerações não admitiriam outra penitência, além do Batismo “para a remissão dos pecados”. Depois, aceitou-se uma segunda oportunidade para os cristãos que fraquejassem, com a penitência pública e custosa que vigorou na Igreja antiga. Chamavam-lhe até um “segundo batismo”, última oportunidade nesta vida. E foi já na Alta Idade Média que se difundiu a disciplina penitencial que hoje felizmente temos, possibilitando-nos o crescimento pela confissão individual e reiterada. – Bem-aventurada prática, para a receção cada vez mais correspondida de tão grande dom que nos refaz a vida, na lei nova do Espírito de Cristo, sem rigorismos nem laxismos, com autenticidade sempre!

 

Além da referência apostólica da penitência, oferecida pelo sacerdócio ministerial, esta mesma constitui a única atitude possível e coerente para quem progrida no conhecimento de Cristo. Como exclamava Pedro diante de Jesus, exprimimo-la assim: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!” (Lc 5, 8).

Mas, longe de se afastar, Cristo aproxima-se sempre, proporcionando-nos regressos e progressos na Casa do Pai. – Ele sim, é o verdadeiro “irmão mais velho” – não o da parábola (cf. Lc 15, 11 ss) – dos pródigos que somos todos!

Conhecer Cristo é render-se definitivamente à graça e ao perdão de Deus. E, uma vez convertidos, seremos testemunhas e agentes da mesma graça e perdão. – Sede vós, caríssimos amigos, sede vós em cada momento e situação, o convite vivo à recriação das vidas, a partir de Deus, do Espírito de Deus em permanente Pentecostes!

Mas só o fareis e só o faremos pela recriação que permitirmos em nós. Aceitemos ser perdoados e Cristo nos ensinará a perdoar. No perdão vivo em que o mundo se reconstrói a partir de Deus, única e magnífica possibilidade de tal acontecer.   

– E este mundo que nos toca, caríssimos irmãos, este mundo que hoje nos toca a todos, precisa tanto de ser recriado pelo Espírito de Deus!     

 

Amados irmãos, caríssimos crismandos, percebei o que verdadeiramente se oferece neste Pentecostes do Espírito. Em Cristo, Deus reabilita a humanidade, esta mesma que cada um transporta e concretiza, tão magnífica de potencialidades e tão tragicamente desmentida por tantas contradições íntimas e sociais. Em Cristo, a nossa vida é vivida de forma novamente bela e finalmente refeita, segundo o desígnio de Deus.

   Só por isso seremos plenamente cristãos. Reconhecemos em Cristo o que profundamente desejamos ser. Desde o batismo, o seu Espírito atesta em nós que tal é possível. E que nem conseguimos imaginar a totalidade cristã a que o Espírito nos levará… (cf. Ef 3, 20).

  Quando a Igreja reconhece a santidade de alguém, atesta e agradece o facto comprovado de que naquele homem, naquela mulher, o Espírito de Cristo foi atuando e realizando o Evangelho no mundo.

   É este único Espírito que agora crismará muitos de vós, para assim continuar a suceder, na particularidade das circunstâncias que cada um encontre ou promova. Continuará a renovar-vos a vós, num perdão profundo que vos reabilita como filhos de Deus e agora vos impele como testemunhas do Evangelho da paz.

    Prosseguirá através de vós a obra de Cristo no mundo, na força recriadora do Espírito divino. Precisamente assim é que a Igreja de Cristo responde atualmente à expectativa de todos, nas difíceis circunstâncias da sociedade que integramos e onde havemos ser “sal” de conservação e sabor, assim como “luz” de esclarecimento e ânimo (cf. Mt 5, 13-16).

    Maria, Mãe de Jesus, estava com os primeiros discípulos, como agora está connosco. – Ela nos ajudará constantemente, para continuar a oferecer Cristo ao mundo!

Sé do Porto, 12 de junho de 2011

D. Manuel Clemente

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