Sacerdote, Casa da Boa Nova
Celebrar a Eucaristia crismal é celebrar a alegria pelo dom do sacerdócio que nos une a Cristo. Na alegria da gratuidade de Deus, todos reconhecemos que uma parte da evangelização passa pela força do testemunho de fé de cada sacerdote e do presbitério no seu conjunto.
Hoje gostaria que nos colocássemos na perspetiva de sermos “Casa” da Boa Nova. Trata-se duma experiência intimamente pessoal de acolher não apenas uma notícia mas um acontecimento que experimentamos como algo de Bom e de Belo a realizar na vida. Acolher a Boa Nova para a anunciar supõe que a acolhamos primeiramente em nós com toda a seriedade. Quanto mais nos entregarmos à intimidade com Deus mais fortes seremos no anúncio credível do Senhor Ressuscitado.
A Palavra de Deus é-nos dada como poesia e como luz para discernir os caminhos de Deus na história. Na perspetiva de vivermos com novo vigor o sacerdócio de Cristo, quero realçar três aspetos do Evangelho de hoje.
1 – “Jesus subiu ao monte e chamou os que desejava escolher” (Mc 3, 13). O Mestre está diariamente connosco. Só a Ele teremos de seguir. Cristo não chama os discípulos por causa do seu estatuto nem muito menos para exercerem uma profissão. Deixar-se tocar pelo seu coração que nos cativou e seduziu afasta qualquer tipo de motivação pervertida daquilo que é o sacerdócio em Cristo.
2 – “Jesus chamou-os para que ficassem com Ele” (Mc 3, 13-14). Tudo se orienta para esta experiência de comunhão que quer estar com Ele para O ouvir, compreender, saborear e reconhecer as maravilhas do seu amor. Como vivemos esta Boa Nova de estar com Ele? Como está a nossa comunhão presbiteral?
3 – “Para os enviar a pregar” (Mc 3,14). É uma ordem que projeta a missão para os mais variados setores da vida humana. Trata-se da razão de ser da nossa entrega e obriga a retificar atitudes que, porventura, possam afastar-nos desta missão. Ter-se-á a rotina apoderado de nós? Seremos instalados em hábitos repetitivos e pouco entusiasmantes?
Ser Casa da Boa Nova – chamar (seguir), estar, partir – é um itinerário que supõe atitudes muito concretas. Permiti que me sirva de uma canção para explicitar o meu pensamento.
No deserto do exílio e entre espinhos
quando o mal pesa e o mundo parece treva
fica para todos a dizer
que não está longe nem fechado o céu
que para todos o infinito tem uma carícia
que nos estreita ao coração e enxuga o nosso pranto
fica aí a dizer para todos
que jamais alguém será esquecido.
Abre como o pelicano
as tuas asas ao infinito
à semelhança da cruz no abraço
que se alarga sobre o criado.
Deixa como o pelicano
que o teu coração seja rasgado
na sua a tua ferida
seja fonte da vida.
Deixa que lhe venha o sangue do perdão
a água viva e o Eterno feito pão
o óleo derramado nas feridas
fogo e sal de palavras nunca ouvidas
e depois deixa que te vejam genufletido
a lavar os pés repletos de chagas
fica aí para todos a dizer
este amor imenso que se pode tocar.
A imagem do Pelicano é muito sugestiva. Desde há muito que faz parte do imaginário da iconografia cristã. Hoje aplico-o a nós, sacerdotes do séc. XXI. Apesar do nevoeiro da história presente, é possível acreditar que o céu é possível e que as lágrimas podem desaparecer. O Pelicano está a dizer-nos que é necessário abrir as nossas asas ao infinito para abraçar toda a criação e abrir o coração às feridas do mundo, ajoelhando-nos para lavar os pés repletos de chagas, espelho de tantos homens e mulheres de hoje.
Fomos feitos para subir alto, para voar com as asas da intimidade com Deus, de modo que vejamos a complexidade do mundo e da vida pastoral a partir deste encontro pessoal e verdadeiramente amigo com Cristo. Precisamos de momentos de profunda vida espiritual, de oração e de relação afetiva com os irmãos no sacerdócio. Só este voar até ao infinito nos oferecerá a verdadeira compreensão das coisas e as atitudes pastorais a assumir. Do alto veremos a missão e compreenderemos que ela nos conduz a todos os espaços e lugares.
Como o Pelicano, deixaremos o nosso coração sangrar, sabendo que do nosso sangue alimentaremos muitas vidas, particularmente as mais destroçadas. As feridas da sociedade hodierna são um apelo à nossa fé. A Igreja renasce sempre que se revê na imagem do “Samaritano” que reconhece o sofrimento, deixa-se tocar e oferece o que a força do amor pode realizar.
O profeta Isaías, na primeira leitura, estimula-nos a isso, ao afirmar que “o espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque me ungiu;enviou-me para dar a boa-nova aos humildes, curar as feridas da alma, pregar a redenção para os cativos e a liberdade para os que estão presos” (Is 62,1). Aqui está uma síntese autêntica da nossa missão e da identidade presbiteral.
Quinta-feira Santa, Ação de Graças, exame de consciência, maior responsabilidade. S. Paulo dizia, na segunda leitura: “Não pretendemos atuar como senhores sobre a vossa fé; queremos, antes, contribuir para a vossa alegria” (2 Cor 1, 24). Não tenho receio de afirmar: humanizar o mundo é o melhor modo de servir Cristo e colocar a esperança cristã no centro da vida dos cristãos.
Ser sacerdote significa colocar azeite sobre muitas feridas e lavar os pés enchagados para que deste modo consigamos testemunhar o imenso amor de Deus. Um Deus que nos tocou no chamamento, nos moldou, nos formou na intimidade com Ele e nos envia para o encontro com aqueles que vivem sem esperança. A Boa nova é Cristo. Cada um, em Seu nome, deve ser Casa onde todos encontram lugar para habitar, para comer, beber, rezar e conviver. Abramos as nossas portas ao grito dos mais débeis e desprotegidos das nossas comunidades!
Se cada um é Casa da Boa Nova libertadora, não necessitaremos de edificar permanentemente a casa do presbitério? Se somos Boa Nova uns para os outros e mostramos que somos uma verdadeira Casa que acolhe, ama, estimula, corrige, entusiasma todos os colegas sacerdotes, como tornar isso ainda mais visível? Tudo o que possamos fazer pela unidade do presbitério é sempre pouco. O mundo merece sacerdotes unidos e comprometidos na proposta dos valores evangélicos.
Vamos recordar, na alegria, os sacerdotes ordenados no ano passado e aqueles que celebram as Bodas de Prata ou de Ouro, fazendo memória também daqueles que Deus chamou para junto de si durante este ano.
Bodas de Ouro:
João António Gomes da Cunha, 1961-03-18; António Manuel de Sousa Fernandes, 1961-07-09; Jaime de Jesus Castro Andrade, 1961-07-09; Adérito Francisco da Costa Ribeiro, 1961-07-09; António Alves Moreno, 1961-07-09; Joaquim de Faria Pereira, 1961-07-09; Valdemar Gonçalves, 1961-07-09; Manuel Gomes dos Santos, 1961-07-09; Serafim da Silva Ferreira, 1961-07-09; António Matos; Fernandes Pereira, 1961-07-09; Armandino Pires Lopes, 1961-08-15; Gaspar Albino Oliveira, 1961-08-15; Constantino Peixoto Vilela de Sousa, 1961-08-15; José Marques, 1961-08-15; Joaquim Morais da Costa, 1961-08-15; António; Franklim Sampaio Neiva Soares, 1961-08-15; João Oliveira Novais, 1961-10-01; David Vaz Monteiro, 1961-10-01
Bodas de Prata:
António Manuel Batista Lopes, dos Sacerdotes do Verbo Divino, 1986-04-20; Manuel Joaquim de Magalhães Miranda, 1986-07-05; Delfim Duarte Fernandes, 1986-07-05; Domingos Ribeiro Gonçalves, 1986-07-05; Manuel Domingos Sampaio Viana, 1986-07-05; José Leite Nogueira, 1986-09-21
Ordenações do Ano passado:
Jorge Manuel Carneiro Ferreira, 2010-07-18; João Paulo Brito da Costa, 2010-07-18; Paulo Jorge Brás de Sá, 2010-07-18; Marc Rodrigues Monteiro, 2010-07-18; José António Ribeiro de Lima Carneiro, 2010-07-18.
Falecidos:
José Carlos Fonseca Veloso, 30-06-2010; Cón. José António Gomes da Silva Marques, 08-08-2010; Alberto Augusto da Costa Azevedo 18-08-2010; Joaquim da Silva Lopes, 28-09-2010; Mons. José Vaz Pinto, 13-12-2010; Domingos Ferreira Ribeiro, 26-12-2010; Adélio Ferreira da Silva Loureiro, 29-12-2010; Joaquim Ferreira, 30-12-2010; José Rodrigues Carneiro, 08-02-2011; Alberto da Silva Araújo, 13-02-2011; Joaquim José Rodrigues da Silva, 14-03-2011.
Termino com uma oração muito conhecida, chamando a atenção para a parte final:
“Cristo não tem mãos, tem apenas as nossas mãos para fazer hoje o Seu trabalho. Cristo não tem pés, tem apenas os nossos pés para guiar os homens para si. Cristo não tem boca, tem apenas os nossos lábios para falar hoje aos homens. Nós somos a única Bíblia que as pessoas ainda leem. Somos a última mensagem de Deus escrita em obras e palavras.”
Sim, cada um e o presbitério em comunhão, no caminho para a santidade, são a única Bíblia que as pessoas conseguem ler e compreender.
Catedral, 21 de abril de 2011
D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga