As liberdades de educação em Portugal e na Europa

Mário Pinto, professor da UCP

As liberdades individuais de educação e ensino são unanimemente consideradas, nos Estados de Direito Democrático do modelo europeu, como liberdades fundamentais da pessoa humana, usualmente enunciadas como liberdades [1] de aprender, [2] de ensinar e [3] de criação e direcção de escola privada – estas são as três expressões que a nossa Constituição consagra expressamente no art. 43º, depois que a versão inicial de 1976 foi revista, em 1982, em 1989 e em 1997.

Além destas direitos fundamentais de liberdade, são também consagrados os chamados direitos sociais à educação e ao ensino. Trata-se, agora, já não de reconhecer autonomias ou liberdades, que cada um exerce sem interferências do Estado, mas, diferentemente, de reconhecer um direito a prestações fácticas positivas, a cargo do Estado (e da Sociedade). Estes direitos sociais devem considerar-se instrumentais relativamente ao exercício das liberdades pessoais; porque as prestações devidas como satisfação dos direitos sociais visam criar condições fácticas para que todos possam exercer os direitos de liberdade, de acordo com o princípio da igualdade de oportunidades. 

Esta é a doutrina geral, válida para todas as liberdades fundamentais e para todos os direitos sociais. Por exemplo, a Constituição Portuguesa consagra a liberdade fundamental pessoal da escolha da profissão, dizendo, no art. 47º: “Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho…”. Este é o direito de liberdade. Depois, mais adiante, a Constituição reconhece um direito social correspondente, nestes termos: “Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover […] a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho…” (art. 58º CRP). Portanto, o direito social tem o fim de garantir a efectividade das liberdades individuais, através da prestação de condição fácticas necessárias ao seu exercício. Esta é a ideia essencial do chamado Estado Social: os direitos sociais tornam possíveis, efectivas, as liberdades de escolha.

Porém, no caso das liberdades de educação e de ensino, temos uma situação ideológica e política específica, sobretudo nos países europeus latinos e nos países autoritários. Ao contrário do que acontece por exemplo para as liberdades de comunicação social e de imprensa, ou para as liberdades de profissão (como já vimos), onde o Estado de Direito Democrático e Social não faz questão de ser ele próprio a monopolizar as prestações sociais impondo as suas opções, na educação e no ensino escolar há uma espécie de excepção autoritária, pretendendo o Estado manter uma rede de escolas estatais com o monopólio do financiamento público, fazendo assim uma concorrência desleal à livre iniciativa privada. E porquê? Por razões ideológicas, evidentemente, que vêm de uma tradição jacobina. Com efeito, existe uma tradição jacobina, sobretudo na Europa latina, em matéria de ensino escolar; que é anterior ao Estado Social em Estado de Direito Democrático. Segundo esta tradição, o Estado criou sistemas escolares estatais para combater a tradicional posição da Igreja na educação. Só nos países do centro e do norte da Europa se verificou um maior respeito das escolas privadas, confessionais ou não confessionais, apoiando o Estado as suas próprias escolas mas também as escolas privadas e confessionais cristãs, protestantes e católicas.

As várias espécies de jacobinismo, ainda resistentes nos países de tradicional pendor laicista, têm-se mantido apesar da ratificação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde se consagrou o princípio da prioridade do direito dos pais na escolha da educação dos filhos e das próprias constituições democráticas. Existe portanto um conflito acerca da escola livre, nestes Estados, que ainda não se resolveu satisfatoriamente. Em Portugal, este conflito é tão mais chocante quanto é certo que a Constituição recusou ao Estado o direito de educar, nestes termos: “O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas” (art. 43º, nº 2).

A tendência, contudo, que se verifica na Europa, sobretudo na Europa do Norte e do Centro, mas também mais arrastadamente nos países do sul, é no sentido de implementar a não discriminação entre escolas públicas e privadas, sendo apoiados igualmente pelo Estado os alunos de todas as escolas, sem discriminar as suas escolhas. Por exemplo em Espanha, o Tribunal Constitucional estabeleceu que o Estado não podia discriminar financeiramente as escolas privadas. Em Portugal, a Constituição e a legislação ordinária também hoje consagram a igualdade de tratamento no financiamento, mas a prática dos Governos é inconstitucional e ilegal, mantendo o monopólio da escola pública. Aliás com alguma agressividade política.

Só para dar um exemplo desta ilegalidade, transcreva-se o que diz a lei da gratuitidade do ensino obrigatório (DL nº 35/90): “Durante o período da escolaridade obrigatória, o ensino é gratuito” (art. 3º). “O presente diploma aplica-se aos alunos que frequentem o ensino não superior em estabelecimentos de ensino oficial, particular ou cooperativo” (art. 1º). E diz ainda: “[o] cálculo dos encargos decorrentes da aplicação do presente diploma ao ensino particular e cooperativo e a assumir por conta das dotações do Estado será feito com base nos custos relativos ao ensino oficial” (art. 25º).

Na União Europeia conhecemos uma importante Resolução do Parlamento Europeu. Considerando que a liberdade de ensino pede a disposição de meios materiais para o seu exercício, e esses meios, quando facultados pelo Estado, devem respeitar o princípio maior da igualdade e não discriminação entre os cidadãos, o Parlamento Europeu tomou uma importante Resolução sobre o direito social à educação na Comunidade Europeia (Resolução de 14.03.1984, § 9), nos seguintes termos: “O direito à liberdade de ensino implica, para os Estados membros, a obrigação de tornar possível, incluindo no plano financeiro, o exercício prático deste direito, e de conceder às escolas [privadas] as subvenções públicas necessárias ao exercício da sua missão e ao cumprimento das suas obrigações, em condições iguais àquelas de que beneficiam os estabelecimentos públicos correspondentes, sem discriminação dos organizadores escolares, dos pais dos alunos, dos próprios alunos, e do pessoal escolar”.

Portugal é, sem qualquer dúvida, um dos países da Europa com melhor legislação, em matéria de liberdades de educação e ensino escolar; e, simultaneamente, com as piores e mais duras práticas de discriminação dos alunos das escolas privadas.

Mário Pinto, professor da Universidade Católica Portuguesa

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