Voluntariado em tempo de crise

Eugénio Fonseca, Presidente da Confederação Portuguesa de Voluntariado

Estamos a viver um tempo marcado por uma profunda crise económica e financeira sem precedentes, pelos menos, nos últimos oitenta anos. Muito já está dito sobre as causas e as consequências desta difícil conjuntura. Para ultrapassar esta situação económica complicada, o governo tem centrado a sua acção na implementação de medidas que visam a contenção de alguns gastos por parte do Estado e das famílias. O objectivo é reduzir a dívida externa que está a condicionar o crescimento económico do país. Mas o esforço maior para alcançar este fim está a ser pedido às famílias da classe média e às que já viviam em condições de precariedade. Porém já há quem vá pondo o “dedo na ferida”, chamando a atenção para a causa mais determinante desta crise global que não é só, nem sobretudo, um problema económico, mas de valores éticos e espirituais que foram abandonados ou substituídos por comportamentos que desvalorizaram o ser humano e sacralizaram o ter e o poder, mesmo que , para os alcançar, se tenham que violar direitos indeclináveis das pessoas e se agrida a natureza e os animais. Se continuarmos a manter as mesmas estratégias económicas e políticas, jamais se conseguirá ultrapassar, com segurança e sustentabilidade, as graves dificuldades do presente. A opção certa está na mudança de paradigma político, social e económico. Durante este ano, a Europa pode dar um contributo importante ao Mundo para que se criem as condições favoráveis à transformação que se impõe.

É que, no final de 2009, o Conselho de Ministros da União Europeia, decidiu prestar particular atenção ao voluntariado, declarando 2011 o Ano Europeu das Actividades Voluntárias que Promovam uma Cidadania Activa. Em suma, este é o Ano Europeu do Voluntariado. O objectivo é incentivar os esforços desenvolvidos pela sociedade civil, pelos Estados-membros e pelas autoridades locais e regionais, proporcionando as condições favoráveis ao exercício desta forma concreta e efectiva de ser cidadão e cidadã.

Os fundamentos, os princípios orientadores e as práticas que estão subjacentes ao exercício do voluntariado são, com toda a certeza, referenciais para uma alternativa ao modelo socioeconómico vigente, a longo prazo. Mas desde já – é justo reconhecê-lo – tem sido graças ao labor de muitos voluntários e voluntárias que, enquadrados em instituições ou a título individual, estão a dar dos seus bens e do seu tempo para minorar as gravíssimas carências múltiplas por que estão a passar milhares de famílias. Esta forma de agir assenta na assunção de uma cidadania responsável que nasce da consciência da inter-relação, com base na solidariedade e no desenvolvimento individual, sem esquecer as conquistas individuais e sociais, bem como os direitos adquiridos e os deveres deles decorrentes. Porém, o contributo não se restringe a acções de solidariedade primárias, nem à promoção da dignidade humana. É urgente a luta pela transformação da sociedade, tendo em conta o princípio fundamental da subsidiariedade.

A transformação de mentalidades é a mais premente. São muitas as vertentes desta mudança que passa por novos comportamentos que evitem o desperdício e apostem na poupança, de forma particular, dos bens naturais que têm um destino universal e são esgotáveis; o despertar das consciências para uma maior e mais cuidada atenção aos outros; impulsionar iniciativas mais criativas para responder às novas necessidades apresentadas por pessoas que nunca se confrontaram com a privação de recursos e são, agora, obrigadas a reelaborar os seus projectos mais básicos de vida; incrementar o voluntariado de proximidade, dadas as mais-valias do contexto: o conhecimento, a vizinhança, a amizade, a maior rapidez nas soluções; aumentar o número de voluntários nas organizações, não só porque há pessoas que sentem as dificuldades dos outros e se disponibilizam para entrar em projectos de superação das consequências e causas da crise, como os afectados por ela optam por servir, gratuitamente, a comunidade como forma de não perderem contacto com o mundo do trabalho e a organização de vida individual e social que o mesmo proporciona.

Ao Estado pede-se que assuma o seu papel de regulador económico e não se deixe dominar pelo Capital. Que faça do desenvolvimento humano o motor de todas as políticas económicas. Tome medidas mais decididas sobre a preservação do ambiente e penalize, adequadamente, os seus incumprimentos. Facilite a redefinição do conceito de trabalho e a recriação de novas formas do mesmo. Seja mais justo nas políticas fiscais.

Quanto à Europa, que se cumpram os compromissos assumidos pelo Tratado de Lisboa, aos quais se vieram acrescentar os incluídos na Agenda 20/20. Não basta ter uma moeda única. É imperiosa a criação de condições que proporcionem maior coesão social, elevando as taxas de natalidade para não ser tão díspar o fosso entre os níveis de população activa e o envelhecimento.

O reconhecimento social do voluntariado é um sinal de esperança para o nosso tempo. Que assim continue a ser para além deste ano: um enérgico salto em frente e não mais uma efeméride.

Eugénio Fonseca, Presidente da Confederação Portuguesa de Voluntariado

 

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