A pior crise é a rejeição

Homilia do Bispo de Viseu na Missa da Meia-Noite

 “Envolveu o Menino em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria”. Jesus experimenta a pior crise possível, logo ao nascer, mostrando-nos a enormidade da sua injustiça. Sofre a crise mais grave que pode existir, a rejeição mais atroz: não haver lugar para nascer e ter que nascer na clandestinidade. Porém, porque veio para revelar e ensinar o amor, aponta a solução para as crises: colocar-se ao lado dos pobres e marginalizados para cantar a esperança de todos os rejeitados e excluídos e tocar o coração de todos os privilegiados da vida.

         A crise pior é a rejeição – não haver lugar para as pessoas. Sejam crianças que não são aceites ao nascer; sejam famílias que não são reconhecidas nem protegidas na sua identidade e missão; sejam pobres, rejeitados e excluídos da mesa comum. Ao jeito da hospedaria no tempo de Jesus, a crise actual provoca a rejeição das pessoas e não reparte a casa, o emprego, o pão e outros bens, por todos os que a estes bens têm direito. Na nossa sociedade em crise, não há lugar para nascerem as crianças e estamos numa crise de vida e de futuro, de natalidade e de esperança que fecha escolas e jardins-de-infância, que suscita a crise de emprego e a ameaça de desertificação e que origina a crise de toda uma cultura e de todo um Povo. Não há lugar para as famílias e surge a crise dos valores; as relações tornam-se instáveis e aumentam os divórcios – é a crise do amor, do casamento, da família, da sociedade. Não há lugar para os pobres, sentindo-se cada vez mais excluídos dos bens, mais marginalizados da vida, mais distanciados da igualdade e da justiça – é a crise, nos mais nefastos efeitos e nas mais escandalosas, vergonhosas e criminosas consequências.

         Linguagem dura e triste para uma noite de Natal, mas, infelizmente, justa e verdadeira. De facto, havendo pessoas e famílias a passar fome, a não sentirem reconhecidos os seus direitos à dignidade, ao emprego, à educação e aos bens materiais de primeira necessidade, é de escândalo, de vergonha e de crime que se trata e é assim que deve ser denunciado este estado de coisas. Muitos não têm lugar porque outros lhes fecham as portas. De facto, olhar-se para o salário mínimo e não deixar que ele cresça por causa da crise, é vergonha quando comparado com salários exorbitantes, acrescentados com mil e uma benesses e mais valias. Olhar-se para as reformas de miséria e não as deixar crescer por causa da crise, é escândalo quando comparadas com o esbanjamento de dinheiro para contentar quem serve ou serviu, por vezes tão mal, a coisa pública.

         Apesar de tudo e mais uma vez, felizmente, acontece o Natal. O Natal é o encontro de toda a realidade dos homens com o plano de amor de Deus – sonho anunciado e prometido durante o Advento e realizado com o nascimento do Filho de Deus, tornado Menino. O Natal de Jesus dá-nos 2 lições: a 1ª é a lição da COMUNHÃO. Encontra-se Deus feito Criança com os mais pobres, marginalizados e deserdados da terra, personificados nos pastores e a multidão celeste louva a Deus, dizendo: «glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados». Sem este encontro e esta comunhão, não há Natal cristão! A 2ª é a lição da MISSÃO. Todos os que se encontram com o Deus feito Menino, unido aos pobres, marginalizados e deserdados da terra, são chamados a anunciar os valores do Natal. Estes são a paz, a fraternidade, a justiça, a verdade, o amor – valores que convidam a abrir as portas do coração e a partilhar o emprego e o pão. Sem a prática e o anúncio destes valore, não há Natal cristão!

Como nos dizem as leituras, o Natal é a manifestação da LUZ para toda a terra e para todos os homens, para que todos possamos viver com temperança, justiça e piedade, resgatados de toda a iniquidade, aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Senhor Jesus Cristo.

A nossa Igreja de Viseu está a iniciar o Sínodo Diocesano. Colocamo-lo no Presépio, pedindo o amor carinhoso de Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe. Convocados para o Projecto Sinodal, todos somos chamados a viver em comunhão e a realizar a missão que é: viver, celebrar e anunciar o Natal de Jesus Cristo, o único e verdadeiro Natal.

         Para todos vós, vossos familiares e vossos amigos e para todas as pessoas de boa vontade, os votos sinceros de um Santo e Feliz Natal, cheio de prendas do Emanuel, o Deus nascido para nos ensinar a viver…

+ Ilídio Leandro, bispo em Viseu

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