“Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e a boa nova é anunciada aos pobres”(Mt 11, 3)
Há períodos que, nos ritmos que a liturgia nos sugere, se revestem duma particular importância. O tempo do Advento, na sua ligação profunda com o Natal, é um desses momentos a que o programa Pastoral poderá dar uma indicação precisa.
Os tempos antigos recordam-nos como a caridade com os pobres acontecia espontaneamente. Se se batia às portas durante todo o ano, neste período havia a preocupação nas famílias, inculcada aos filhos, de que pelo Natal não faltasse nada aos mais necessitados. Poderia ser pouco, mas muito se partilhava, para dar alegria a quem convivia com necessidades. Se outrora a noite de Natal motivava para a partilha, a noite escura de muitas famílias na actualidade reclama um conjunto de atitudes para Viver a Palavra – testemunho de Cristo: “Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e a boa nova é anunciada aos pobres”. Esta é a ideia que gostaria de comunicar a toda a Arquidiocese, não só para este período, mas para fazer com que ela entre na mentalidade cristã de agir, permanentemente, em favor dos mais necessitados.
Se é importante abrir os olhos para que a aurora do Natal da Vida aconteça em muitos lares, importa reinterpretar os nossos estilos de vida em termos duma maior solidariedade efectiva. Isto pode significar uma revisão mental ao conteúdo de algumas virtudes, que, vividas, permitem a partilha e irá dar um novo brilho a muitos olhos tristes.
Nesta quadra de Advento só quero enumerar quatro virtudes. Explicitar, semanalmente, uma delas pode criar uma mentalidade que ajudará a enfrentar os tempos difíceis.
1 – Temperança: nasce duma sensibilidade capaz de estabelecer uma justa ordem entre a satisfação pessoal através do que é necessário e do que é facultativo.
Não estaremos presos a teias de coisas que consideramos imprescindíveis e não o são?
2 – Sobriedade: leva a considerar que o excesso pode ser prejudicial à saúde e, em muitos casos, torna-se um insulto a quem não consegue o mínimo.
Não haverá excessos verdadeiramente prejudiciais e que controlados poderiam ser ajuda fraterna?
3 – Abstinência: vista como moderação no comer, estabelece uma ordem sadia com benefícios para uma qualidade de vida.
Não encontraremos apegos desmesurados a gostos e prazeres que podem e devem ser evitados? 2
4 – Auto-domínio: controla as pressões que surgem de todo o lado e podem escravizar impondo hábitos e rotinas prejudiciais à vida familiar e pessoal.
Não nos encontraremos presos a rotinas impensadas que nos tornam meros imitadores sem reflexão prévia capaz de justificar as atitudes?
Caminhando nas exigências destas virtudes, não encontramos nelas um fim absoluto. Ajudam-nos a criar uma vida mais sóbria e a exercitar a partilha.
Querendo “Viver a Palavra” concretizo este estilo de vida mais austero, neste tempo e sempre, numa sugestão ousada. Cada um escolheria um dia, por semana, para efectuar jejum daquelas coisas que não são absolutamente necessárias (um café, menos tabaco, um bolo, uma refeição frugal, prendas de Natal menos caras e mais significativas…). Com estes comportamentos surge algo para partilhar e entregar na paróquia, numa caixa colocada para o efeito, e o pároco indicaria no dia da Sagrada Família, 26 de Dezembro, o total recebido. Metade desta quantia ficaria para os pobres da paróquia (Conferências Vicentinas ou outros) e outra metade seria entregue nos Serviços Centrais, que colocaria nas mãos da Caritas (que coordenaria e distribuiria a outras Instituições) para responder a solicitações de toda a Arquidiocese provindas sobretudo de paróquias com menos possibilidades. Tudo daria origem a um Fundo que não pretende substituir o Fundo de Solidariedade Social criado pela Conferência Episcopal Portuguesa.
Esta iniciativa é destinada, particularmente, aos cristãos. Mas atrevo-me a pedir a estes que motivem outros para esta iniciativa. Será uma experiência de sensibilidade humana e de solidariedade cristã.
Aos sacerdotes, numa sugestão do Conselho Presbiteral, peço o correspondente ao que recebem num mês. A alegria de dar começa, também, por este sinal sacerdotal.
Nesta mensagem de Advento/Natal procurei ser concreto. Gostaria que este novo modo de viver fosse apanágio dos cristãos. Aceitando-o poderemos partilhar e vivenciar o autentico sentido da esmola. E aqui pode estar o Natal onde Cristo, a Palavra, se incarna para dar dignidade à vida de todos os homens. Espero que, particularmente neste território da Arquidiocese, onde temos pessoas e famílias com carências profundas – a quem exprimo o meu amor e afecto – as Comunidades cristãs lhes dêem de comer, não só no Natal de um dia, mas sempre. Esta é a razão deste fundo, que chamamos “Fundo Partilhar com Esperança”, que ajudará a experimentar a alegria a quem dá e a sentir maior tranquilidade a quem recebe (a entregar nos Serviços Centrais ou NIB: 001 000 004 565 964 000 161).
Comecemos esta quadra litúrgica de maior atenção aos carenciados com empenho e cultivemos uma cultura do dar para que a esperança renasça em muitos corações.
Braga, Solenidade de Cristo–Rei, 21 de Novembro 2010
† Jorge Ortiga, A.P.