Evento com impacto comunicacional

Para quem, como é o meu caso, acompanhou a primeira viagem de João Paulo II a Portugal como jornalista, as comparações são inevitáveis. Na viagem de Bento XVI, acompanhei directamente dois pontos do programa e através dos media os restantes. As minhas anotações não assentam em estudo sistemático. Proponho-as como primeiras (e rápidas) impressões.

1. A primeira nota que me ocorre é a do profissionalismo dos media e o dos organi-zadores a lidar com os media. A diferença de 2010 para 1982 é da água para o vinho (supondo que o vinho é preferível à água, o que não é ‘líquido’). Outra nota tem que ver com o cuidado posto na linguagem estética das celebrações. Muito há, ainda, que melhorar, mas houve soluções bem conseguidas. E isso, do ponto de vista comunicacional é marcante.

Um pouco além de 2.000 profissionais da informação foram credenciados para cobrir a visita, mais de 300 dos quais provenientes de 24 países. Os números dizem bem do interesse suscitado por esta viagem, particularmente difícil para o Papa, dado o momento vivido, na sequência do escândalo da pedofilia na Igreja.
Foi criticada a excessiva cobertura mediática. As televisões de sinal aberto, por exemplo, dedicaram, nessa semana, mais de 60 horas a emissões relacionadas com o Papa. RTP, SIC e TVI não se distinguiram muito , o que só comprova que os grandes eventos mediáticos de natureza celebrativa ou cerimonial têm esse poder de se imporem e tornarem incontornável não só a cobertura em si mas um certo estilo de emissão pautado pela gravidade, pela unção.

A TV pública foi verberada pelo seu registo tido por excessivamente colado ao carácter confessional da visita. No que toca às transmissões em directo, não me parece procedente a crítica. Já quanto a programas de debate e de enquadramento é desejável e exigível que se exprimam diferentes perspectivas e que se faça um trabalho profissional (não vi o ‘prós e contras’ alusivo à visita, mas vi chamarem-lhe ‘prós e prós’, não sei se com razão). Mas, nesta matéria do profissionalismo, ainda temos muito que andar, em Portugal e não apenas do lado do jornalismo.

2. Na verdade, nisto de cobertura não apenas da visita do Papa mas da Igreja Católica e, mais amplamente, das religiões, a lógica dominante continua a ser pautada por bastante preconceito e significativa ignorância (recíprocos). Isto apesar do que de positivo se tem tentado fazer, e a propósito desta viagem se fez, dos dois lados.

O jornalismo sai a perder quando vemos que estas multidões que se juntam para celebrar a fé (e, no caso, contactar de perto com o Papa) não têm gente à altura para as informar, contextualizar e interpretar o fenómeno. O que não se passa, como bem sabemos, noutras áreas relevantes da vida pública. Mas o jornalismo também perde quando, do lado dos media católicos se entende que bom jornalismo é apologia, silêncio sobre matérias incómodas, ausência de espírito crítico, fuga à apresentação dos vários lados das questões, menosprezo pela análise social dos fenómenos. Em alguns casos, a devoção era tanta que mais parecia que era a Igreja que existia para o Papa e não o Papa para a Igreja e para o mundo.

3. Em jeito de balanço, uma pergunta que se poderá fazer é esta: em que medida o que de central e fundamental continha a mensagem de Bento XVI passou para a opinião pública? A pergunta sugere que o papa veio cá para falar e não para ouvir e conhecer, o que seria a negação dos fundamentos antropológicos e pragmáticos da comunicação. Talvez nem um nem outro extremo se adeqúem, neste caso. Mas o ‘modelo’ dominante é o do discurso que flui unidireccionalmente, de cima para baixo, de forma unidireccional. Eu gostaria muito que fosse um modelo diferente, mas não chegamos ainda aí.

É certo, contudo que o Papa aceitou e assumiu que a Igreja tem “toda uma aprendizagem a fazer quanto à forma de (…) estar no mundo” e de dialogar com “outras verdades”. E que lançou desafios importantes no encontro que teve, em Lisboa, com o mundo da cultura, nomeadamente, o apelo a que todos busquemos transcender os horizontes estreitos em que as nossas vidas se desenvolvem, relativamente àquelas dimensões da beleza, da verdade e do bem que a todos dizem respeito. Duvido que isto tenha sido devidamente enfatizado. E, se o foi, que tenha sido agarrado.

O impacto comunicacional (e não apenas mediático) da viagem papal nunca será cabalmente captado e, menos ainda, medido. Mas há um potencial que talvez fique, agora, a aguardar iniciativas audaciosas, que permitam desvendar novos horizontes de significado para as pessoas do nosso tempo, nos contextos de dificuldades e de esperança que marcam as suas vidas.

Manuel Pinto
Professor da Universidade do Minho

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