Para viver a justiça na caridade
Vamos viver a Quaresma do ano 2010 integrada no Ano Sacerdotal.
A mensagem do Santo Padre Bento XVI para esta Quaresma convida-nos a abrir o nosso coração à Justiça de Deus revelada e oferecida na Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Na prática corrente das leis e dos tribunais, a justiça concentra-se no esforço por dar a cada um o que lhe pertence, mas quase sempre se fica no domínio do que é material. Não podemos, porém esquecer que a realização dos seres humanos não depende apenas dos bens materiais. Pelo contrário, cada homem e cada mulher, como diz o Santo Padre na sua mensagem, “para gozar de uma existência em plenitude precisa de algo mais íntimo que lhe pode ser concedido só gratuitamente”. E esse algo mais é o amor que só Deus lhe pode comunicar e do qual, portanto, cada ser humano sempre depende. De facto, todos fazemos a experiência diária de nos sentirmos dependentes dos outros e, se prestarmos a devida atenção, sentiremos que essa dependência não é só dos outros, mas principalmente de Deus. Simultaneamente, fazemos uma outra experiência de sinal contrário que é o desejo desmedido de independência, de ter uma afirmação pessoal que nos ponha acima dos outros e, muitas vezes, contra eles, numa atitude de egoísmo, consequência do que costumamos chamar pecado original.
Este conflito existe, de facto, em cada um de nós e só será superado na medida da nossa coragem para escolher entre duas lógicas, que se confrontam. Uma delas é a da suspeita e da competição, a lógica do ter cada vez mais e do fazer sozinho ou exclusivamente para si próprio. A outra é a lógica do dom, da espera confiante no outro que há-de vir ao nosso encontro com o presente do amor.
Nós queremos escolher a lógica do dom e a partir dela organizar a nossa vida pessoal e comunitária. Nela se cumpre a justiça divina revelada e comunicada na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. É só na base da lógica do dom que nós podemos compreender e valorizar, neste Ano sacerdotal, o Ministério dos nossos padres oferecido à Igreja e, por ela, ao próprio mundo.
Também desejamos que esta Quaresma sirva para todos nos convertermos mais à mesma lógica do dom, numa intensa procura do verdadeiro rosto de Cristo; uma procura que queremos fazer principalmente através dos caminhos da oração pessoal e comunitária, litúrgica e mesmo não litúrgica, de acordo com as propostas que nos faz o Catecismo da Igreja Católica. Convidamos, por isso, cada Pároco e seu corpo de agentes pastorais a aproveitarem o tempo forte desta Quaresma para, através das orientações dadas no Catecismo da Igreja Católica e concretizadas pelo texto elaborado para a formação de adultos na nossa Diocese, progredirem juntos na experiência do encontro vivo e vital com Cristo.
E falando ainda de Justiça, não podemos deixar de reconhecer as dificuldades que a justiça das leis e dos tribunais, entre nós, está a sentir para garantir a legalidade e defender os legítimos direitos de todos. Temos de reconhecer que a justiça dos tribunais só pode cumprir a sua importante função se, antes demais, houver a coragem de promover entre os cidadãos uma verdadeira cultura de justiça, que supõe conjugação de esforços para a autêntica educação cívica e de valores. De outro modo – e os factos estão a confirmá-lo – será difícil garantir eficácia à nossa justiça, sujeita como está a toda a espécie de pressões e cada vez mais embrulhada em jogos de interesses.
A verdadeira justiça, completada pela caridade, leva-nos, de acordo com o espírito da Quaresma, a percorrer os caminhos da solidariedade e de partilha fraterna, mesmo que isso signifique renúncia a bens materiais; supérfluos ou mesmo não supérfluos.
Este ano vamos orientar o resultado da nossa renúncia quaresmal para ajuda material solidária a um projecto chamado “Fazenda da Esperança” que está a ser desenvolvido na nossa Diocese, na Paróquia de Maçal do Chão, arciprestado de Celorico da Beira. É um serviço já muito experimentado no Brasil, onde mereceu uma Visita do actual Papa Bento XVI e que se destina ao acolhimento e recuperação de pessoas atingidas por várias espécies de falta de esperança, incluindo situações de marginalidade.
Está em causa ajudar os mais pobres dos pobres também neste ano europeu de luta contra a pobreza e exclusão social.
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda