O diálogo de Bento XVI com Paulo VI na «Caritas in Veritate»

Numa conferência, promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz, Eduardo Lourenço aponta as influências de Heidegger no actual Papa.

Na encíclica «Caritas in Veritate», o ensaísta Eduardo Lourenço nota uma “espécie de diálogo entre Bento XVI e Paulo VI”. Organizada pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) realizou-se, ontem (28 de Janeiro), uma conferência sobre a última encíclica de Bento XVI.

Aos jornalistas, o ensaísta realçou o “estilo claro e transparente, mas semeado de citações rituais que são ao mesmo tempo intemporais e que podem aplicar-se ao presente”. Cada Papa traz “a sua novidade e liberdade” – disse.

Na sua partilha com os participantes reunidos num dos auditórios do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), em Lisboa, Eduardo Lourenço começou por referir que “poucos actos de Bento XVI, o Papa teólogo, suave e elegante, que ocupa a cadeira de Pedro, me impressionaram e tocaram tanto – pelo seu carácter original e profético – como os do momento inaugural do seu pontificado” – frisou.

A hermenêutica de Bento XVI “inspira-se em Martin Heidegger” – disse Eduardo Lourenço. O actual Papa é contemporâneo, “discípulo ou até condiscípulo de vários teólogos que dedicaram – como Henri de Lubac – ao humanismo ateu memoráveis estudos e não meditou menos sobre essa nietzschiana «morte de Deus»”.

Bento XVI é sensível – “e naturalmente preocupado – com «o espectáculo» da indiferença, alheamento ou desertificação religiosa” verificadas no Ocidente. Na sua conferência sobre a encíclica «Caritas in Veritate», o professor universitário afirma que “espanta que uma época tão ensombrada como a nossa – embora sem o carácter trágico do último século -, Bento XVI aborda todas as questões numa tónica de serenidade intemporal”.

Na encíclica, Bento XVI trata os diversos temas com a “radicalidade bem alemã, digna de quem foi contemporâneo de Heidegger”. No texto papal «Deus Caritas Est», o conceito «Caritas» é repensado. “Creio que foi a primeira vez, é verdade que estamos na era pós-freudiana, que a palavra «Eros» e a realidade que nela se visa, foi objecto de uma menção desvinculada da sua tradicional ocultação no texto sagrado e mesmo profano do Ocidente cristão”.

A «Caritas in Veritate» é a tradução para a exigência de um tempo, “colectivamente rico de bens e saberes, mas também indigente” porque a maior parte da humanidade não usufrui desses bens. A vocação social está, desde o seu início, na mensagem evangélica.

A moderna caridade é “menos herdeira das antigas práticas caritativas ou assistenciais da miséria pública ou privada” – sublinhou Eduardo Lourenço. E finaliza sobre a última encíclica: “Bento XVI une, num discurso coerente, os fios singulares da mesma teia com que os seus predecessores imediatos construíram uma nova túnica sem costura”.

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