Mensagem de Natal do Bispo de Beja

Natal e o sentido da vida

Ao celebrarmos mais um Natal, dirijo-me aos meus diocesanos de Beja com a habitual mensagem natalícia, tocando alguns aspectos da situação em que nos encontramos. O modo superficial e consumista como se vive esta quadra anual em nada contribui para a compreensão e vivência do espírito do Natal cristão. Por isso, começando por chamar a atenção para o essencial do acontecimento natalício, tentarei mostrar a actualidade da sua mensagem.

Todos sabemos que o Natal se refere ao nascimento de Jesus de Nazaré, que para os cristãos é o Messias esperado, o Salvador, a manifestação do amor de Deus à humanidade, assumindo a nossa condição, em tudo igual a nós, excepto no pecado. Ele é o Emanuel, Deus connosco.

O Natal é o cumprimento das promessas feitas através do profeta Isaías: O povo que andava nas trevas viu uma grande luz… Pois nasceu uma criança, Deus mandou-nos um menino, que será o nosso rei. Ele será chamado de “Conselheiro Maravilhoso”, “Deus Poderoso”, “Pai Eterno”, “Príncipe da Paz” (Is. 9, 2-6).

Quais eram as trevas de então e quais são as de hoje, que precisam de ser iluminadas, para vermos o caminho e descobrimos o sentido da nossa vida?

O Natal desafia-nos a olhar a nossa existência como um dom, acolhido com carinho pelos nossos progenitores e amparado no seu crescimento até à maturidade de assumir a própria vida como uma doação, para atingir a sua plenitude, como aconteceu com o nascimento de Jesus e se manifestou pela sua vida fora até à sua entrega total na cruz pela salvação da humanidade. Esta foi uma vida plena de sentido, exemplar para todo o ser humano.

O evangelista João dirá que “a luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a receberam” (Jo 1, 5). Mas a todos quantos o receberam, aos que crêem nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram de laços de sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas nasceram de Deus. A Palavra fez-se homem e veio habitar no meio de nós, e nós contemplamos a sua glória, como glória do filho único do Pai, cheio de graça e de verdade (Jo 1, 12-14).

Nestas palavras densas do profeta Isaías e do Evangelho de S. João está contido todo o mistério deste nascimento. Que significado exemplar brota daí para o sentido da vida humana? Estaremos nós entre os que acolhem esta luz ou preferimos as trevas de um mundo sem Deus, sem horizontes, fechado no egoísmo e no consumo materialista dos bens deste mundo?

Como há dois mil anos, Deus quer estar connosco.  Ele abre a vida humana à plenitude do seu sentido, a vida eterna na comunhão de amor com Deus e com todas as criaturas.

Num mundo de grandes potencialidades com a evolução científica e tecnológica, mas também envolvido em grandes contrastes e graves conflitos, em que ninguém quer ceder nada do nível alcançado, mesmo que muitos habitantes do planeta e povos inteiros sejam sacrificados, até mesmo as condições de sobrevivência de futuras gerações –basta analisar os fracos resultados da cimeira de Copenhaga sobre a poluição do ambiente-, surge a novidade do Natal. Deus vem em auxílio da nossa fraqueza, tornando-se ele mesmo débil na pessoa da criança nascida em Belém, para nos assumir e acompanhar em direcção da plenitude de vida.

 

Natal e Ano Sacerdotal

O Natal deste ano é celebrado em contexto de Ano Sacerdotal, proclamado pelo Papa Bento XVI e com vigência de 19 de Junho passado até 11 de Junho próximo. O sacerdote é no mundo e na história aquele que faz da memória histórica do Natal uma realidade do presente, fazendo que Jesus com toda a sua vida plena nasça na actualidade no coração e na assembleia de todos os que acreditam e celebram no mistério da Eucaristia, no perdão sacramental, no nascimento baptismal, na confirmação da filiação divina e na corresponsabilidade comunitária pelo dom do Espírito Santo, na proclamação da Boa Nova do Evangelho, na bênção dos que unem as suas vidas em matrimónio, fundando uma nova família, na consolação dos doentes e no acompanhamento espiritual dos que sofrem, abrindo a todos os horizontes do amor e da misericórdia infinita de Deus, manifestada em Jesus Cristo e continuada na vida da Igreja.

Perante toda esta dignidade, concedida ao sacerdote pelo dom da vocação, confirmada pelo chamamento da Igreja e pela imposição das mãos do Bispo e confirmada pela unção presbiteral, temos de agradecer a Deus esta possibilidade que nos é dada, para nos tornarmos contemporâneos da vida e da missão de Jesus Cristo. Mas todos sabemos que trazemos este dom em vasos de barro. Conscientes da nossa fragilidade, mas também da nossa dignidade e responsabilidade, temos necessidade de implorar constantemente a protecção divina e pedir a todos os crentes oração e apoio.

O carinho e atenção prestados aos sacerdotes revertem em favor de toda a comunidade, que hoje, mais que nunca, precisa de guias espirituais, de alguém, como se exprimia o Santo Cura de Ars, padroeiro dos párocos, que “lhes mostre o caminho do céu”. Num mundo de imensos recursos, mas deprimido por uma profunda crise, todos estamos conscientes de que as causas não são apenas de ordem financeira e económica, mas sobretudo de ordem moral, falta de ética no comportamento de muitos decisores económicos. O mundo precisa de se abrir ao espírito e aos valores éticos daí derivantes, para poder superar esta e outras crises, que sempre as haverá, A missão da Igreja e dos sacerdotes, intermediários entre Deus e os homens e vice-versa, insere-se principalmente nesta dimensão. Se o fermento do bem, da dignidade da pessoa humana e do amor ao próximo for forte e perseverante, o percurso do mundo e da sociedade encaminhar-se-á no sentido dum progresso sustentável, sem exclusão de ninguém.

Atendendo às necessidades espirituais da população dispersa do Baixo Alentejo, dirijo-me aos meus directos colaboradores, mas também a todas as pessoas de boa vontade, desejosas de uma sociedade mais justa e fraterna, para que unamos forças e amparemos as vocações de especial consagração na vida e no serviço da Igreja, sejam masculinas ou femininas, pois a mulher consagrada tem uma grande missão a desempenhar na vida da Igreja e da nossa diocese. Peço também a todos que amparem os candidatos ao sacerdócio e apoiem o nosso Seminário, onde se formam os futuros padres.

Neste sentido e na firme esperança de que todos os homens e mulheres de boa vontade querem restaurar o sentido cristão desta quadra festiva e tirar as consequências para a sua vida pessoal, familiar e social, desejo a todos um Santo Natal e um ano de 2010 forte no crescimento moral e espiritual e também na realização dos bons sonhos para a plenitude da vida, na paz e na alegria esfuziante de nos sabermos amados por Deus e rodeados de quem nos quer bem.

† António Vitalino, Bispo de Beja

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