O magistério de Bento XVI sobre a ecologia

Pe. Duarte da Cunha, secretário-geral do Conselho das Conferências Episcopais da Europa

Na Cimeira de Copenhaga, vários chefes de Estados vão encontrar-se para tentar redigir um acordo que ajude a fazer frente às chamadas mudanças climáticas. A encíclica do Papa Bento XVI, Caritas in Veritate, diz-nos quais são os principais temas que a Igreja deve ter em conta, sem entrar directamente na discussão sobre o aquecimento global e sobre uma hipotética influência humana no clima.

Em primeiro lugar, Bento XVI recorda que toda a criação vem de Deus e deve ser administrada e desenvolvida e não abusada e destruída. Esta questão é teológica: porque se negamos que Deus é o Criador dizemos que tudo vem do acaso e nesse caso é difícil perceber o que o homem deve fazer. “Quando a natureza, a começar pelo ser humano, é considerada como fruto do acaso ou do determinismo evolutivo, a noção da referida responsabilidade debilita-se nas consciências.” (n.48)

Outro aspecto fundamental e que se liga imediatamente a este é que nunca se pode falar da natureza como se esta fosse inimiga do ser humano. É por isso que o cuidado pela vida humana deve ser a primeira preocupação a ter presente quando se fala de ambiente. Diz o santo Padre: “A Igreja sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também em público. Ao fazê-lo, não tem apenas de defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo. Requer-se uma espécie de ecologia do homem (…). De facto, a degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a convivência humana: quando a «ecologia humana» é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental.” (n.51)

Tudo isto levanta a questão que tem sido um ponto de insistência de todo o magistério Papal que é a da “solidez moral da sociedade”. “Se não é respeitado o direito à vida e à morte natural, se se tornam artificiais a concepção, a gestação e o nascimento do homem, se são sacrificados embriões humanos na pesquisa, a consciência comum acaba por perder o conceito de ecologia humana e, com ele, o de ecologia ambiental. É uma contradição pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural, quando a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si mesmas.” (n.51)

Na perspectiva do cuidado pela verdade da pessoa e tendo presente cada pessoa e todas as pessoas, o desenvolvimento aparece como uma vocação que deve ser submetido à regra da caridade, pela qual somos levados a pensar nos mais pobres e nas próximas gerações. (cf. n. 49)

Isto liga-se ao que o Papa pretende quando diz que “é necessária uma real mudança de mentalidade que nos induza a adoptar novos estilos de vida.”(n. 51). Usando esta expressão muito em voga entre os cristãos que falam de ambiente, o Papa, que é tão contrário ao endeusamento do progresso tecnológico como à ideia de que o desenvolvimento é um mal, defende um desenvolvimento que tenha em conta a pessoa humana na sua integralidade.

Contrariando as teses de influência malthusiana, que algumas agências da ONU têm expresso, o Papa lembra que “Há espaço para todos nesta nossa terra”(n.50). E mostra-se mesmo preocupado que muitos digam que é preciso reduzir a população por causa dum possível aquecimento global. “A abertura moralmente responsável à vida é uma riqueza social e económica. (…) A diminuição dos nascimentos, situando-se por vezes abaixo do chamado «índice de substituição», põe em crise também os sistemas de assistência social, aumenta os seus custos, contrai a acumulação de poupanças e, consequentemente, os recursos financeiros necessários para os investimentos, reduz a disponibilização de trabalhadores qualificados, restringe a reserva aonde ir buscar os «cérebros» para as necessidades da nação.” (n.44)

Que se pode esperar e desejar da Cimeira de Copenhaga? No dia 24 de Setembro, em Nova Iorque, houve uma reunião de alguns responsáveis internacionais sobre as mudanças climáticas aos quais o papa dirigiu uma mensagem que resume quanto dissera na Encíclica a propósito do papel dos governos. Lembra que é preciso ser verdadeiro e transparente quanto uso e ao custo das energias e dos recursos naturais, lembra que se deve ser solidário e não exigir o mesmo a todos, porque nem todos têm as mesmas capacidades nem as mesmas responsabilidades, e lembra que é preciso ajudar as zonas mais desfavorecidas. Por fim, lembra que “podemos ter um desenvolvimento humano integral e benéfico para todos os povos, presente e futuro, um desenvolvimento inspirado pelos valores da caridade na verdade se estivermos juntos.” (Videomensagem de 24 de Setembro 2009). Sem nunca entrar em áreas onde política, economia, ideologia, ciência se confundem, o Papa fala da responsabilidade pela natureza e alerta para a necessidade de sermos solidários.

Podemos concluir dizendo que tudo isto, que é algo válido para todos, obriga especialmente quantos acreditam que Deus é o Criador e que sabem que os homens devem cuidar dos dons de Deus tendo presente o bem de todos os seres humanos. A Igreja na Europa, juntamente com todos os cristãos europeus, sabe que tem uma responsabilidade nesta questão.

Há uma atenção muito viva por parte de vários bispos e grupos cristãos. Mas é importante nunca perder de vista o que o Papa ensina para não cairmos, como infelizmente alguns têm caído, na tentação de reduzir o contributo dos cristãos a um moralismo do politicamente correcto que ataca o progresso.

A Igreja deve ser muito prudente e não alinhar com teses científicas de aquecimento ou de arrefecimento porque são areias movediças onde se jogam muitos interesses. E sobretudo a Igreja nunca pode deixar que um mal possa ter como solução outro mal, ou seja, nunca pode deixar que se conclua que a solução para problemas ambientais seja a diminuição forçada da população. São grandes desafios. Damos graças a Deus pelo Papa que nos orienta.

Pe. Duarte da Cunha, secretário-geral do Conselho das Conferências Episcopais da Europa

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